Dom Lourenço Fleichman OSB
O Fratres in unum tirou a máscara. Já há muito que se percebia um apoio constante aos "conservadores" ligados à Ecclesia Dei, enquanto que a Fraternidade São Pio X, que eles diziam apoiar, só aparecia ali quando alguma entrevista para os jornais, por si mesmas mais superficiais e amenas, levava os seus superiores a evitar críticas ao papa ou aos bispos. Mas um Superior de Distrito da Fraternidade não escreve um Comunicado da gravidade daquele publicado no site do distrito francês, como se falasse a jornalistas. É evidente. Qualquer superior militar sabe distinguir entre um aviso aos jornais e um comunicado aos seus soldados. Nada mais natural do que um chefe do combate espiritual dessa guerra que travamos, assim proceda. Não existe nisso contradição.
O texto publicado contra a Fraternidade São Pio X no Fratres in unum é um panfleto maldoso, cheio de erros de interpretação, de erros de tradução, de má fé. Seu autor, não podendo encontrar respostas ao grito de Fé do padre de Cacqueray, apela para um artigo de 2008, de outro padre, em contexto completamente diferente, e que, mesmo assim, é analisado de modo a induzir em erro seus leitores.
Pessoalmente, sempre achei que a situação atual, mesmo sendo necessária, induzia muitos a um erro de avaliação, ao julgarem que a ida da Fraternidade a Roma para as discussões teológicas significaria uma adesão desta à reforma da reforma trabalhada por Bento XVI. Bastou um ato mais forte do papa na direção dos erros do ecumenismo para essa gente dar gritinhos escandalizados, não com o gritante erro dos chefes, mas com a reação saudável dos filhos que não podem aceitar a nudez do pai. Aos que preferem rir-se da nudez do papa, embrigado de ecumenismo naturalista, só nos resta aquela condenação de Noé convertido, depois que passou o efeito do vinho: "Maldito seja Canaã!" (Gênesis, 9, 25) Para restabelecer a justiça gravemente ferida pelo Fratres in unum, publicamos aqui as pungentes palavras do padre de Cacqueray a seus padres e a seus féis franceses. Que elas sirvam de alerta para nossos leitores e amigos. A tradução é da Permanência. Leia a continuação
Vós que educais crianças, em lugar de deplorar minha violência, fazei violentos. Os violentos podem se tornar mártires; os falsos caridosos nunca o serão; serão mortos sem que testemunhem, e são vistos tão transbordantes de caridade para com o carrasco, que lhe fazem o favor de entregar o rebanho com uma mão enquanto mantêm a outra na consciência.
Chega ao ponto que mais lhe desagradou em meu artigo: a rudeza do tom, segundo o senhor, pouco caridoso. Sobre esse ponto não concedo nada. Se a caridade é o que o senhor diz, é preciso rasgar páginas inteiras do Evangelho, desde a palha e o pó dos “hipócritas”, até a chave da ciência que os “duces cæci et stulti” guardam em seus bolsos, para acabar com as serpentes, “genimina viperarum”. Ou será que o senhor usa dois pesos e duas medidas? Era caridade para São Jerônimo tratar Santo Agostinho de “abóbora”, “cucurbitarius”, Rufino de “asno de duas patas”, “asinus bipes”, enquanto que seria falta de caridade de minha parte alegrar meus leitores evocando o “bípede implume” de Platão, expressão que aplico tanto a mim quanto a meus adversários, já que sou homem como eles, ao passo que São Jerônimo não aplica a si, com certeza, “o asno de duas patas” que ele lançou a Rufino. A menos que o senhor prefira dizer que São Jerônimo também faltou à caridade, o que o faria contra toda a Igreja, e contra a evidência, pois a Igreja e a evidência proclamam que esse vulcão de invectivas ardia de caridade.
Ele e não eu? Infelizmente é a pura verdade, mas para dizê-lo, é preciso escrutar minhas intenções, o que também não é evangélico, e ir além do meu comportamento literário, já que minhas expressões não são mais fortes do que “sepulcros caiados” que está no Evangelho, e que “borrou-se nas calças” que está na carta para Eustochium.
O senhor se escandaliza por encontrar a invectiva numa publicação que se intitula católica. É, simplesmente, porque a invectiva é católica, como prova o Evangelho; como provam não só os onze volumes de São Jerônimo em Migne como cem outros tomos de Patrologia. Ela não é, por si mesma, em todos os casos contrária à caridade. A caridade transcende a invectiva e a mansidão das palavras, ela “impera” sobre uma e outra, conforme as circunstâncias. Verdadeiramente, “o Evangelho só fala de caridade?” Muito bem, estou de acordo; no entanto ele contém invectivas, portanto as invectivas não são, por si mesmas, contrárias à caridade do Evangelho. E quanto a uma caridade que não é a do Evangelho, pouco me importa faltar-me.
Mantenho, pois, absolutamente, meu direito à invectiva; repilo absolutamente a censura de falta de caridade fundada unicamente sobre o uso da invectiva; digo que essa censura procede de um erro sobre a própria natureza da caridade. Pode-se, é verdade, faltar à caridade na invectiva, e eu posso ter tido essa infelicidade; mas pode-se também faltar à caridade na mansidão, e condenar a invectiva em nome da caridade não está de acordo com a noção de caridade que o Evangelho do dulcíssimo e terrível Senhor Jesus nos dá e da qual nos mostra a prática.
Veuillot é cheio de invectivas e se pode dizer que São Pio X canonizou não a sua pessoa mas o seu modo de ser. O Breve de 1913 é minha carta magna e a ela me atenho.
Mas Veuillot era leigo! Sim e daí? Interdizer ao padre, porque é padre, a invectiva é aceitar uma imagem convencional e artificial do padre, que tem sua origem em outro lugar que não é o Evangelho nem a Igreja, sendo a imagem mundana do padre, ou melhor, sua caricatura, benevolente, untuosa, efeminada. Não quero me parecer com essa caricatura degradante; quero ter ao alcance de minha mão o chicote de que se serviu o Soberano Padre, único modelo verdadeiro dos padres ministeriais. Posso ter usado pouco caridosamente esse chicote de caridade, pouco evangelicamente esse chicote evangélico, pouco sacerdotalmente esse chicote sacerdotal; mas ele é o chicote de caridade, é evangélico, é sacerdotal, e eu tenho duplamente como padre, o dever de conservá-lo em uso, porque duas vezes, como padre, tenho o dever de revestir-me com a semelhança de Jesus.
É verdade que são padres, religiosos os que encontro, em meu caminho. Mas se eles fazem uma obra nefasta, a caridade me ordena deixá-los realizá-la porque são padres ou religiosos? Ao contrário, me ordena impedir que o seu caráter religioso proteja seus empreendimentos. Ao mesmo tempo, me ordena, é verdade, respeitar neles aquilo que permanece respeitável, suas vidas privadas, das quais não trato nunca, suas intenções, que não presumo nunca perversas, a pureza de sua fé que não me arrogo nunca o direito de contestar.
Quanto ao mais, a caridade que me obriga a amá-los como meu próximo, me impõe como um dever odiá-los “perfecto odio” como publicistas, se pregam uma teologia inexata, se têm uma pastoral funesta, se têm um estilo ridículo, se seu juízo é falso, se têm o gosto sofisticado, e raciocinam contra o bom senso, se confundem o unívoco e o análogo, a geometria e a finura, o essencial e o existencial, sobretudo se, enfim, conseguiram uma audiência bastante grande para semear a desordem em muitos espíritos, para atrapalhar uma grande quantidade de cabeças fracas. É lastimável, é doloroso que padres e religiosos que se metem a escrever dêem o espetáculo de uma ou de outra dessas disformidades ou de várias ao mesmo tempo; mas se o dão, a caridade impõe uma indignação tanto maior quanto maior a indecência da parte deles, e tanto mais saudável quanto mais urgente tirar-lhes o crédito.
(Transcrito de “Le Chardonnet”, n° 42, republicado em PERMANÊNCIA n° 252-253, Nov.-Dez. de 1989.)