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Category: MeditaçõesConteúdo sindicalizado

30, 60 ou 100

Fevereiro 20, 2023 escrito por admin

Padre Louis-Marie Berthe, FSSPX

 

“Outros grãos caíram em boa terra e produziram frutos à razão de cem, ou sessenta, ou trinta para um. »

                                                                                           Mt 9.13

 

A parábola do semeador, que a liturgia propõe antes do tempo da Quaresma, evoca diversos casos em que as sementes caem sem produzir frutos. Mas quando a semente cai em boa terra, a parábola evoca ainda uma possível tripla fecundidade: 30, 60 ou 100 para um!

São números que ultrapassam em muito o normal.

Um rendimento de 10 era considerado uma bela colheita. Por estes números hiperbólicos, Jesus demonstra a extraordinária fecundidade que pode ter a palavra divina quando ouvida, acolhida com bom coração e generosamente posta em prática.

Os Padres da Igreja tentaram descobrir quais eram esses três graus de fecundidade. Por vezes, fizeram tal rendimento corresponder a cada classe de homens. Assim, para as pessoas casadas, 30 para um; para virgens e monges, 60 para um; para os mártires, 100 para um.

São Jerônimo também propõe ver ali os rendimentos em vários momentos da salvação: sob a Lei, 30 para um; nos dias dos profetas, 60 para um; na atual era do Evangelho, 100 para um.

Outras vezes, equipararam este ou aquele desempenho aos méritos pessoais. Produzir 30, 60 ou 100 frutos para um, equivaleria a salvar, pela santidade da própria vida, 30, 60 ou 100 almas da condenação eterna!

Quanto a Santo Agostinho, ele interpreta assim: quando é preciso lutar contra o amor dos bens temporais para deles tirar a vitória, dá-se uma retribuição de 30; quando o amor dos bens terrenos está domesticado e submisso, de modo que facilmente reprimimos seus menores movimentos, o retorno é de 60; quando, finalmente, o amor das coisas do mundo está totalmente dominado, de modo que não mais suscita a menor emoção em nossa alma, alcançamos o rendimento máximo de 100 para um.

Seja como for, Jesus convida-nos a fazer frutificar a palavra divina segundo a medida dada a cada qual.

 

Editorial

Dezembro 27, 2022 escrito por admin

Carta no. 27 Cristo Rei 2022

Mosteiro beneditino de "Notre-Dame de Toute Confiance"

No meio desse mundo que corre para a sua ruína, ouvimos por vezes as questões seguintes: “Que fazer?”, ou mesmo: “Há algo a ser feito?”

Há séculos o homem oscila entre duas atitudes igualmente desordenadas, que vamos resumir com os termos pelagianismo quietismo. Ou bem o homem crê que lhe cabe salvar-se a si mesmo e resolver tudo sozinho. Ou, ao contrário, crê que não há nada a fazer e que cabe a Deus fazer tudo.

Bem se vê que os irmãos do pelagianismo são o voluntarismo, o autoritarismo e o orgulho humano que diz: EU salvarei o mundo! As irmãs do quietismo são a preguiça, a pusilanimidade, a demissão e a fraqueza humana que diz: “Ah! não sou capaz”. Entre os dois extremos, a sabedoria dos santos nos ensina o justo meio: virtus in médio stat (a virtude está no meio).

Consideremos Santa Joana D´Arc -- cuja vida, bem como o sublime Processo de Rouen, acabamos de ler no refeitório. Na sua simplicidade e inspirada pelo Altíssimo, encontrou a resposta lapidar à questão: “Deus não poderia ter dado a vitória sem a batalha?”. Disse ela: “os homens de armas lutarão e Deus dará a vitória”. E ainda: “Deus não age se o homem não quer”. Os seus contemporâneos testemunhavam: “ela sempre fará tudo o que depender dela”.

Eis a chave: tudo depende de Deus e tudo depende do homem. É esse o sentido do ditado popular: “ajuda-te a ti mesmo, e o Céu te ajudará”. Também é o sentido desse outro ditado: “reza como se tudo dependesse de Deus, e age como se tudo dependesse de ti”. É tão estéril rezar sem agir (isto é, sem se converter, cumprir seu dever de estado, praticar a caridade) quanto agir sem rezar (pois a ação não será fecunda e sobrenaturalizada por Deus). “Eu te criei sem ti, mas não te salvarei sem ti” disse Deus a Santo Agostinho, que nos ensinou: “é preciso fazer o que pudermos e pedir o resto a Deus.”

Santa Teresinha do Menino Jesus diz o mesmo com uma imagem tocante: se uma criancinha tenta subir uma grande escada, põe o seu pequeno pé no primeiro degrau, mas não consegue subir; tenta mais uma vez, e outra, e outra. Após algum tempo, a mãe, com pena da criança, pega os seus bracinhos e faz com que suba  facilmente. Essa criancinha somos nós, que queremos subir a rude escadaria que nos leva à perfeição. É preciso tentar, tentar e tentar, sem esmorecer. Após algum tempo, o Bom Deus, com pena de nós, nos tomará nos seus braços e nos fará subir até Ele – mas, se não tentarmos, não fará nada.

Um outro exemplo mais recente e próximo de nós: nosso professor de canto acabou de nos deixar depois de uma semana de trabalho onde nos repetiu: é preciso cantar com serenidade e energia! Aí está o problema, nós confundimos serenidade com moleza, e energia com rigidez! Pobres de nós! Que Santa Joana d´Arc nos ajude a encontra o justo meio: aliar a paz com a força, a alegria com a cruz, a mansidão com a firmeza, a confiança em Deus com o devotamento ao seu serviço. E para nos encorajar a isso, escutemos o que as suas vozes (S. Miguel, Santa Catarina e Santa Margarida) lhe sopravam para lhe encorajar: “Mantenha a calma, o rosto sereno e não te preocupe com o martírio.”

Concluímos com Jesus: “Sem mim, nada podeis fazer” (Jo 15, 5), e São Paulo: “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4, 13).

Corações ao alto! Viva Cristo Rei!

 

Irmã Clara, abadessa

Duas histórias sobre o Padre Pio e as almas do purgatório

Novembro 2, 2021 escrito por admin

Pe. Thierry Gaudray, FSSPX

Em maio de 1922, em uma noite de inverno após uma forte nevasca, o Padre Pio sentava-se junto à lareira do calefatório, absorto em oração, quando um homem idoso, vestindo um casaco antiquado ainda usado pelos camponeses do sul da Itália naquele tempo, sentou-se ao seu lado. Sobre o homem, Padre Pio declarou: “Não conseguia imaginar como poderia ter entrado no convento àquela hora da noite, porque todas as portas estavam fechadas.” Perguntei a ele: "Quem é você? O que quer? "

O velho respondeu: “Padre Pio, chamo-me Pietro Di Mauro, sou filho do Nicola, apelidado de Precoco”. Ele prosseguiu: “Eu morri neste convento no dia 18 de setembro de 1908, na cela número 4, quando ainda era um asilo. Uma noite, enquanto estava na cama, adormeci com um charuto aceso, que ateou fogo ao colchão e morri sufocado e queimado. Ainda estou no purgatório e preciso que uma Santa Missa para ser liberado. Deus me permitiu vir ao seu encontro e pedir sua ajuda. "

Depois de ouvi-lo, Padre Pio respondeu-lhe: "Fique tranquilo que amanhã celebrarei a missa pela sua libertação”. Padre Pio se levantou e acompanhou-o até a porta do convento. Ele percebeu que a porta estava fechada e trancada: abriu e disse adeus. A lua iluminou a praça coberta de neve. Padre Pio sentiu medo quando o homem desapareceu sem deixar vestígios. Fechou a porta e voltou para o calefatório, onde explicou aos colegas o que acabara de lhe suceder.

Poucos dias depois, o Padre Pio também contou a história ao Padre Paolino, e ambos decidiram ir à prefeitura, onde consultaram os registros civis do ano de 1908 e descobriram que, em 18 de setembro daquele ano, um certo Pietro Di Mauro havia de fato morrido de queimaduras e asfixia no quarto número 4 do convento, então usado como abrigo para moradores de rua.

*  *  *

O Padre Pio contou essa história ao Padre Anastasio. “Uma noite, enquanto rezava sozinho no coro, ouvi o farfalhar de um hábito e vi um jovem monge parado perto do altar-mor. Pareceu-me que o jovem monge espanava os candelabros e endireitava os vasos de flores. Pensei que fosse o Padre Leone quem estava a arrumar o altar e, como era hora da ceia, fui vê-lo e disse-lhe: "Padre Leone, vá jantar, não é hora de tirar o pó e endireitar o altar ”. Mas uma voz que não era a do Padre Leone respondeu: "Não sou o Padre Leone". "E quem é você?” Perguntei-lhe.

“Sou um dos seus irmãos que fez o noviciado aqui. Recebi a ordem de limpar o altar durante o ano do noviciado. Infelizmente, várias vezes não fiz a genuflexão a Jesus ao passar pelo altar, desrespeitando o Santíssimo Sacramento guardado no tabernáculo. Por causa dessa grave negligência, ainda estou no purgatório. Ora, Deus, na Sua infinita bondade, enviou-me ao senhor para que apresse a chegada do momento em que desfrutarei do Paraíso. Cuide de mim!” Acreditando ser generoso com esta alma sofredora, exclamei: “Amanhã de manhã estarás no céu, quando celebrarei a Santa Missa”. Essa alma exclamou: “Como o senhor é cruel!” Então chorou e foi-se embora. Essa reclamação produziu uma ferida em meu coração que senti e sentirei pelo resto da minha vida. Na verdade, poderia ter enviado imediatamente esta alma para o Céu, mas a condenei a ficar mais uma noite nas chamas do Purgatório."

 

(La Sainte-Anne 337)

 

 

O Rosário e a Liturgia

Outubro 16, 2021 escrito por admin

Dom Pius Parsch

Costumam censurar-nos, a nós, os amigos da liturgia, de fazer pouco caso da devoção do Rosário (ou Terço). Será exata essa acusação?

Principiemos por estabelecer uma distinção de princípio: a oração das Horas e a Missa, são ofícios litúrgicos, isto é, do culto público da Igreja. O rosário é uma oração particular, uma devoção particular, que é sem dúvida aprovada e recomendada pela Igreja. Ora, uma oração litúrgica tem direito a uma maior consideração que uma oração particular. Eis aí o princípio. Trata-se de duas coisas inteiramente diferentes. Mas, posto isto, o rosário não deve ser desprezado, em absoluto. De mais, nós, os adeptos da liturgia, combatemos o costume espalhado em certos países de recitar o rosário durante a missa, pois queremos que todos os fiéis tomem tanto quanto possível parte integrante no Santo Sacrifício, coisa que certamente não se pode dar, se se rezar nesse mesmo tempo do ofício uma oração diferente como é o rosário.

A Missa é um Sacrifício e um ato, enquanto o Rosário é uma meditação e uma oração. Não negamos certamente que o rosário possa ser uma boa preparação e um excelente complemento da Missa. A essência dos mistérios do rosário é a "vida, a morte e a ressurreição" do Senhor, e portanto, a obra redentora do Cristo que a Missa representa. Mas, podemos ainda estabelecer um ponto de contato entre o rosário e a liturgia. É ainda hoje chamado o saltério de Maris. As 150 Ave-Marias, de que ele se compõe, são para muitos um sucedâneo resumido da oração das Horas que eles não podem recitar, por falta de tempo, de costume ou de comodidade. O saltério de Maria é, portanto, um "breviário" mais curto e simples (um ofício abreviado) acompanhando de perto o ofício comum da Igreja.

Se considerarmos agora os salmos dentro do conjunto da oração litúrgica das Horas, vemos então quantos pontos de contato há entre o rosário e a liturgia. O símbolo dos Apóstolos acha-se no começo do rosário e das Matinas, e encontra-se várias vezes no curso do ofício. Da mesma maneira, o Pai Nosso aparece no começo de cada dezena como no princípio de cada Hora Canônica. O mesmo acontece com a Ave Maria, que constitui a essência da oração vocal do rosário. Cada salmo termina pela invocação em honra da SS. Trindade; assim também, cada dezena do rosário termina com o Gloria Patri... Os quinze mistérios do rosário que constituem sua própria essência, fazem passar rapidamente aos nossos olhos a vida de Jesus e Maria! Eles nos transportam diretamente ao Evangelho e à Bíblia; não podemos meditá-los convenientemente sem considerar a Bíblia; em vários lugares, antes de recitar a dezena, faz-se uma leitura referente à narração bíblica para facilitar e servir de assunto à meditação, coisa essa profundamente litúrgica. Desta maneira chegamos a recitar o rosário seguindo um método que se assemelha ao método litúrgico.

Quem reza o rosário não pensa em cada Ave Maria ou em cada palavra da oração; mas enquanto seus lábios pronunciam as palavras, seu espírito, sua atenção e piedade são empolgados por alguns pensamentos elevados, algumas cenas grandiosas ou altos sentimentos, e sobretudo pelos mistérios. O resto é posto de lado, como faz aquele que recita os salmos, ou qualquer outra oração litúrgica. Em vez de meditar nas idéias em seus detalhes, aquele que recita os salmos frequentemente só se prende à idéia dominante, nem mesmo às vezes considera o salmo todo senão o versículo que o encerra, o texto básico, ou mesmo a antífona.

O método da oração litúrgica não é, portanto, estranho a quem recita o rosário; pelo contrário, suas disposições de alma se harmonizam frequentemente com ela.

Note-se somente que a oração litúrgica das Horas é muito mais rica, mas variada, mais bela e mais profunda, sem falar da Vida que ela encerra. Mas o método ativo de oração litúrgica, esse que vem da origem, a recitação alternada, sempre é possível e fácil àquele que tiver a devoção do rosário: ele está habituado a pronunciar com exatidão e dignidade as orações vocais, ao mesmo tempo que reflete, medita e contempla. O rosário pode assim conduzir à oração litúrgica e andar de par com a oração das Horas. O leigo conhecedor da liturgia recitará uma ou outra das Horas Canônicas, sobretudo em Domingo ou dias de festa; subordinará sua meditação a uma leitura, seja da Bíblia, seja dos Padres da Igreja, seja da vida de um santo. Os dias em que não recitar uma parte qualquer do breviário, especialmente nos dias de doença, o rosário será para ele uma companhia sobremodo apreciada. O saltério de Maria e o saltério litúrgico hebdomadário vão juntos, amigavelmente unidos. Não se colocam como adversários. Há um coro imenso de orações que se unem; enquanto rezam multidões o rosário, por todo o mundo outras multidões recitam a oração litúrgica das Horas. Seja isto portanto um coro harmonioso de orações e de cantos, cujas vozes ressoem e subam alegremente até o trono de Deus!

 

(Traduzido de "Le guide dans l´année liturgique" - A Ordem)

Um mínimo de violência

Maio 23, 2021 escrito por admin

Pe Xavier Beauvais, FSSPX

Diz-se que a violência é condenável por atentar contra a liberdade do outro. Ora, isso imediatamente suscita uma questão: A que nível se situa essa liberdade, e que uso se faz dela? O mau uso é considerado por todos os moralistas como uma alienação da liberdade. Esquece-se muitas vezes que a liberdade não é um dado imutável e definitivo: costuma-se ser pressuposta quando deve ser buscada. A liberdade no homem é um esboço sempre aperfeiçoável e sempre ameaçado; é um começo sem fim, uma elaboração contínua, e a violência sempre tem um lugar aí. Uma absoluta não-violência nesse domínio só poderia resultar no triunfo de todos os instintos de preguiça e anarquia, ou seja, na ruína de toda a liberdade real.

Daí a necessidade e mesmo a legitimidade de certas formas de violência, não só para melhorar o indivíduo, mas para proteger a sociedade. 

Existe uma violência educadora: É aquela que exercemos sobre a criança que educamos. Ao educar uma criança, nós a obrigamos a renunciar agora a uma parte da sua liberdade para garantir melhor a sua liberdade amanhã. Sacrificamos algo no presente para o repormos amanhã.

“A cultura -- dizia Alain, que não é suspeito de ser um direitista – a cultura começa com o aborrecimento.”

Começa quando se faz com que uma criança faça o que não quer fazer. Hoje em dia, esse tipo de violência é negado. Quantas crianças pisariam na escola se tivessem escolha? Como dizia o poeta: “Com a recusa, tudo começa; com a liberalidade, tudo acaba”.

Hoje em dia é exatamente o oposto: as crianças são pequenos deuses que aprenderão todas as coisas de modo espontâneo, com boa vontade, tudo será maravilhoso. -- É assim que fazemos delas uns monstrinhos.

Existe uma violência repressiva, representada pelos organismos da terapêutica social que são, para citar alguns, a polícia e a justiça penal. Como ensinava Santo Agostinho: “o castigo é a ordem do crime”. Sua função é reeducar os delinquentes.

Exista uma última forma de violência que é muito legítima: a violência defensiva, que consiste, por exemplo, em resistir a agressão anticristã, ou na revolta de uma nação contra outra, ou contra uma casta opressora. Há também a guerra justa, ou a sublevação desencadeada contra uma tirania.

Há no homem faculdades e tendências que exigem um mínimo de violência. De um lado, os mecanismos da sensibilidade e dos humores precisam ser adestrados e disciplinados; de outro, a inclinação ao mal que deve ser freada ou, no limite, extirpada. E aos indivíduos ou às coletividades que se mostram incapazes de exercer essa violência sobre si mesmas – em outras palavras, de curar-se desde o interior – é legítimo e mesmo benfazejo que lhe sejam impostas desde fora.

[...] 

Não se esqueçam de que a vida do homem será sempre um combate; as virtudes guerreiras sempre terão o seu lugar, pois o mal sempre adquirirá novas faces e disfarces. Para a boa violência, à serviço da verdade e do bem, sempre haverá emprego. O homem se reduz com a paz falsa: O que tiraríamos de uma espécie de tranquilidade no pântano? Não devemos esquecer, enfim, que toda facilidade exterior que não cria uma exigência interior, degrada o homem. Não devemos nos iludir. Enquanto existir o mal, o bem não poderá jamais se defender sem um mínimo de violência.

 

(L´Acampado, 170)

A ressurreição de Cristo

Maio 2, 2021 escrito por admin

Meditada pelo Padre Leonardo Castellani

 

“Ao terceiro dia ressurgiu dos mortos”: não significa dizer que Cristo Nosso Senhor tenha estado três dias no sepulcro, senão que, morto na Sexta-feira, ressuscitou e saiu do sepulcro no Domingo de manhã. Esteve no sepulcro por mais de 30 e menos de 40 horas.

A Ressurreição de Nosso Senhor é um acontecimento histórico, o evento sustentado com maior peso de testemunho histórico do que qualquer outro evento no mundo.

Os quatro evangelhistas narram os fatos do Domingo de Páscoa de forma totalmente impessoal, assim como o resto da vida de Cristo; não há exclamações, comentários, afetos, espantos ou gritos de triunfo. Os Evangelhos são quatro crônicas inteiramente excepcionais: o cronista registra uma série de eventos de maneira inteiramente enxuta e concisa. Aqui, os fatos são as aparições de Cristo revivido, as quais viram, ouviram e tocaram aqueles que iriam dar testemunho.

Este testemunho pode ser resumido brevemente pelas seguintes circunstâncias:

1° - São quatro documentos distintos, escritos em momentos diferentes e sem conivência mútua, cujos autores não tinham o menor interesse em fabricar uma enorme e incrível impostura, mas, pelo contrário, arriscaram a própria vida ao escrevê-los.

2° - Os Fariseus e Pôncio Pilatos não fizeram nada. Eles teriam que ter feito alguma coisa para criar uma impostura, e seria uma impostura facilíma de se inventar: bastava mostrar o cadáver. Depois julgar e condenar os impostores. Mas, ao invés disso, mentiram e usaram de violência para fazê-los calar.

3° - Na manhã de Pentecostes, os antes amedrontados apóstolos corajosamente saíram para pregar à multidão que Jesus era o Messias e que havia ressuscitado. Na multidão havia muitas testemunhas oculares das obras de Cristo, inclusive de Sua Paixão e Morte. A multidão acreditou nos apóstolos.

4° - No espaço de uma vida humana, por todo o vasto Império Romano havia grupos de homens que acreditavam na Ressurreição de Cristo, e se expunham aos piores castigos por crer e confessa-la.

5° - Três séculos depois, todo o Império Romano, ou seja, todo o mundo civilizado acreditou na Ressurreição de Cristo; e a religião cristã era a religião oficial de Roma; para chegar até aí, houve milhares e mesmo milhões de mártires, entre as quais as doze primeiras testemunhas que deram suas vidas em meio a tormentos atrozes. “Eu acredito em testemunhas que dão suas vidas” - disse Pascal no século XVII.

Claro que havia incrédulos no Império Romano: sempre os há. Contra eles, Santo Agostinho escreveu seu famoso argumento: "Os Três Incríveis".

INCRÍVEL é que um homem tenha ressuscitado dentre os mortos; INCRÍVEL é que tantos tenham acreditado nesse incrível; INCRÍVEL é que doze homens rudes, simples e plebeus, sem armas, iletrados e desconhecidos, tenham convencido o mundo, sábios e filósofos, daquele primeiro INCRÍVEL.

 “O primeiro INCRÍVEL não queirais crer; no segundo INCRÍVEL, não tens outro remédio que constatá-lo; de onde tereis que admitir o terceiro INCRÍVEL. Mas esse terceiro incrível é uma maravilha tão assombrosa quanto a Ressurreição de um morto

Assim dizia Santo Agostinho; e isso é o que o Concílio Vaticano I chamou de "o milagre moral" da Igreja.

 

Padre Leonardo Castellani, em “El Rosal de Nuestra Señora”, Buenos Aires, Ediciones Nuevas Estructuras, 1964 – páginas 103 a 105.

Satanás, onde te escondes?

Março 13, 2021 escrito por admin

Pe. Gabriel Billecocq, FSSPX

No alvorecer do dia 13 de outubro de 1884, enquanto fazia a sua ação de graças, Leão XIII viu o diabo sendo desacorrentado no nosso mundo contemporâneo. Como age hoje em dia o anjo caído para atrair as almas? É o que veremos no presente artigo.

 

Por modo de ausência

Um espião invisível é bem mais poderoso do que um inimigo descoberto. Eis a razão do demônio gostar de ser esquecido: quanto menos se fala dele, menos é notado e denunciado, tornando-se mais poderoso e satisfeito. Pois, desse modo, os homens não se previnem.

É o que ocorreu no fim do século XX. O diabo se esconde por detrás de todos os erros que promovem o homem. Poderíamos pensar, inicialmente, no ceticismo. Realmente, o racionalismo e, sobretudo, o cientificismo, são engenhosos esconderijos para o príncipe deste mundo. O cientismo particularmente, que busca demonstrar tudo por meio da ciência moderna postulando a inutilidade de Deus, o poderio do homem e, portanto, a ausência do demônio. Auguste Comte o formulou muito bem, ele, que chegou a inventar a religião cientista, na qual o gênero humano seria o sacerdote da natureza.

Infelizmente, a igreja conciliar tomou a frente desse mecanismo diabólico. O ecumenismo, cujo fundamento é a relativização de toda verdade, tem por sucedâneo uma tamanha tolerância que tudo se torna verdadeiro desde que os homens assim o pretendam. O mal não existe mais, as forças diabólicas não têm razão de ser. Como disse recentemente o Papa Francisco a propósito do vírus universal: o homem agrediu a natureza e ela lhe deu o troco com esta doença.

Exit Deus da vida do homem. Exit portanto o demônio, que reina melhor quanto mais escondido está.

 

Por modo de sugestão

O fato de ser ignorado não significa que ele não age, muito ao contrário. E seu modo de agir é velho como o mundo. Desde Eva e até o final dos tempos, a estratégia é a mesma. A tentação passa pelos sentidos exteriores, penetra a imaginação para excitá-la antes de se propagar mais profundamente na alma, com o intuito de arrancar da vontade o consentimento.

O ponto de partida não é difícil de se conhecer: são as três concupiscências. O amor dos prazeres sensuais e grosseiros, a posse imoderada de riquezas e bens desse mundo, o desejo de poder e o orgulho, tais são, infelizmente, as tristes engrenagens de toda alma humana manchada pelo pecado original. Não há nada de novo, a tática é sempre a mesma, mas funciona.

No tocante ao católico que combate e faz sacrifícios, o demônio percebe logo que as sugestões grosseiras tem menos influência. É por isso que, antes de tentá-lo no sentidos, obceca a imaginação ao ponto de perturbar a sua inteligência. Ele quer que o vejamos por toda parte, que sua presença assombre a tal ponto a alma que o pobre católico creia que atua de modo universal em todos os acontecimentos da sua vida. Essa obsessão engendra a necessidade impulsiva de falar do diabo a todo tempo, chegando ao ponto de pedir um exorcismo. Sugestão terrível e diabólica que nos faz pensar no gato que brinca sem parar com uma bola de meia.

 

Por modo de temor

Para além da sugestão a se mostrar por toda parte, o diabo concentra a alma do infeliz homem. Então, a alma vive no temor, enxerga pecado em tudo, dá à vida humana um aspecto pessimista e sombrio, em seguida engendra o descorajamento interior.

Nisso, o demônio é fortíssimo. Ele insiste em uma verdade essencial: é preciso combater o pecado e não abandonar a nossa alma no mal. Mas, insiste a tal ponto nessa verdade, que nos faz esquecer o correlativo necessário e redentor: a luta contra o pecado passa primeiro pelo amor de Deus. Assim, a alma humana, ao invés de se entregar à confiança e à esperança teologal, fecha-se num temor desmedido do demônio.

O mundo moderno que tanto escraviza os homens estimula o medo nas almas humanas. O demônio se aproveita desse temor onipotente, aguça-o para afastar as almas de Deus. O medo do demônio domina a alma e faz com que se dê ao demônio demasiada importância. Quanto mais nos ocupamos dele e nos concentramos na sua presença, mais nos esquecemos de que a alma é feita para Deus e que, pela graça divina, ela está nas mãos do seu Criador.

 

Por modo divino

Finalmente, excetuando-se os católicos que conhecem o demônio, obcecam-se por ele e caem nas suas redes, há ainda outros homens que o conhecem bem. Infelizmente, não são católicos. Estes votam-lhe um verdadeiro culto.

Essa é a vitória mais terrível do demônio, na qual toma o lugar de Deus para ser honrado. Pense-se nos sacrifícios humanos, bem mais numerosos do que parece. Pensem nas missas negras e comércios de crianças para cumprir esses ritos. Pense-se finalmente como os príncipes da igreja conciliar se entregam agora ao jogo do globalismo e da maçonaria, tornando o príncipe desse mundo mestre do universo inteiro.

 

Um brilho sublime de esperança

Em vista desse quadro, haveria motivo para se desesperar ou, ao menos, para desanimar. Mas isso seria esquecer duas coisas:

A primeira, que nós não pertencemos àquela raça de fariseus que procuravam a felicidade aqui embaixo. Os sequazes de Satanás podem fazer o que querem, mas não podem nos fechar o Céu. Antes, é o Céu que se fecha para eles.

A segunda é a palavra de Nosso Senhor aos seus apóstolos: “tende confiança, eu venci o mundo”, subentende-se aqui o império de Satanás. E acrescenta: “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.

Se Nosso Senhor está conosco, quem será contra nós?

(Tradução: Permanência. Le Chardonnet, nov/2020)

A unidade... por acréscimo!

Fevereiro 21, 2021 escrito por admin

A unidade por acréscimo

Ao criticar as reações de alguns católicos diante das decisões episcopais tomadas em resposta às restrições de culto impostas pelo governo, um bispo francês afirmou, numa recente emissão de rádio, que ele era o “garantidor da unidade” da sua diocese. Para além da banalidade dessa observação – pois toda autoridade legítima e reconhecida é, em si mesma, garantia da unidade do organismo do qual está à frente – essa afirmação causa espanto: esperaríamos antes que um bispo se apresentasse como “garantidor da fé”, como ensina o catecismo.

Sem dúvida, deve-se atribuir a esse episódio um caráter talvez aproximativo, próprio do discurso verbal; o autor talvez não escreveria o que disse. Pois, desde quando garantir a unidade do rebanho que lhe foi confiado é a função primeira de um bispo? Não seria antes a consequência de outro atributo da função episcopal? De todo modo, é uma definição incompleta.

 

Que unidade?

A unidade é certamente um bem e, a esse título, merece ser procurada. Mas, a unidade pode servir a fins diferentes, nem todos necessariamente honestos: é possível haver unidade no erro -- nesse caso, a unidade já não é um bem. De modo análogo, quando reconhecemos que a união faz a força, isso nem sempre é bom, pois a união faz a força... tanto para os bons, como para os maus, infelizmente!

Desse modo, é preciso definir de que unidade se trata. A unidade pode ser constituída de diversos modos: ao redor de um homem, de um princípio, de uma tarefa a ser realizada... Pode haver uma unidade exterior, formal, visível, circunstancial, que se traduza em atos concretos, mas não implique em uma unidade interior acerca dos princípios ou dos fins a serem alcançados. A unidade pode ser substancial, como a do corpo humano, apesar da diversidade dos seus órgãos. Pode ser uma unidade simplesmente de ordem, como a que há em uma família ou em um exército.

Portanto, há diferentes formas de unidade; nem todas possuem o mesmo valor ou força. Dizer-se garantidor da unidade é, por conseguinte, insuficiente para definir uma função.

Contudo, objetarão alguns, Nosso Senhor disse: “(...) que sejam todos um, como tu, Pai, o és em mim, e eu em ti, para que também eles sejam um em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21). Sim, mas, quando disse isso, Nosso Senhor não se dirigia aos apóstolos, antes, pedia uma graça ao seu Pai. A Pedro, Jesus não disse: “guardai os teus irmãos na unidade”, e sim: “E tu, uma vez convertido, conforta os teus irmãos” (Lc 10, 32). Ao enviar os apóstolos, não disse: “uni as nações!”, mas: “Ide, pois, ensinai todas as gentes, batizando-as em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).

 

Um princípio de unidade

No seu tempo, Santo Agostinho ensinava: “In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas.” (Nas coisas necessárias, união; nas debatidas, liberdade; em todas as coisas, caridade”). Para esse grande doutor da Igreja, a unidade devia ser procurada, portanto, antes de tudo nos princípios. E até em época recente, a união dos batizados se fazia em torno dos princípios da fé, como o símbolo de Nicéia-Constantinopla, ou nas três grandes referências: a Santa Virgem, a Missa e o Papa.

Mas, nos nossos dias, em favor da abertura ao mundo preconizada pelo Vaticano II, um desvio realizou-se: a união é frequentemente procurada não mais em torno da adesão a princípios claros, mas ao redor de uma participação ativa em atos exteriores. Por exemplo, pede-se aos padres apegados à missa tradicional marcar a sua unidade com o seu bispo participando da missa crismal. O novo rito do batismo leva a ver o sacramento mais como uma acolhida pela comunidade eclesial do que o apagar da mancha original e a recuperação da vida sobrenatural.

A união, portanto, não é mais marcada pela afirmação de uma mesma fé, mas pela participação em um novo cerimonial. Claro, a participação em uma cerimônia marca uma certa forma de unidade, mas de nível inferior. A unidade espiritual em torno dos dogmas da fé é de ordem superior pois ela conduz a outra unidade, dessa vez exterior: a participação em ações comuns. O inverso não é verdadeiro: podemos participar em uma cerimônia sem, contudo, partilhar da mesma fé. Os encontros de Assis são prova disso.

 

Unidade na verdade

Portanto, é necessário buscar a unidade na verdade: antes de tudo, é preciso que haja união na fé, união em Jesus Cristo. Era essa unidade na fé que produzia a união da Europa, antes da Reforma a ter implodido; isso apesar das lutas, por vezes ferozes, entre os diferentes reinos.

A unidade europeia quebrou-se quando o catolicismo deixou de ser a referência comum. A Europa moderna marcha para a sua perdidão pois busca recuperar sua unidade em torno de valores materiais: dinheiro, fronteira, defesa... recusando toda referência às suas origens cristãs.

Pois há uma unidade do gênero humano que Nosso Senhor não quer: aquela que se faz sem Ele. A única e verdadeira fonte de união é a que se faz na fé e na verdade ou, se quisermos, a união pela verdade ou em torno da verdade.

É por isso que, bispos ou não, a atitude que devemos ter deve se inspirar no Sermão da Montanha (São Mateus, capítulos 5 e 6), em que Nosso Senhor declara o seguinte:

Buscai pois, em primeiro lugar, o reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo

 

(Action Familiale et Scolaire, 247. Tradução: Permanência)

Deus é tudo

Dezembro 12, 2020 escrito por admin

Um monge beneditino

 

São Bento morreu 1360 anos antes de São Pio X escrever sua encíclia Pascendi em 1907, descrevendo o modernismo. Apesar dos vários séculos que separam esses dois homens da Igreja, eles tinham pensamentos sobre a sociedade muito semelhantes. São Bento, no Capítulo IV da sua Regra, afirma que o monge “não deve preferir nada a Cristo”. São Pio X, no começo de seu pontificado, declarou que seu objetivo, como Vigário de Cristo na terra, era “… restaurar todas as coisas em Cristo”. Apesar desses dois estarem tão distantes na história da Igreja, eles desejavam que tanto a alma individual quanto a sociedade como um todo fossem consagrados a Cristo.

O modernista, de acordo com um autor, tem “… a ambição de eliminar Deus da vida social”. O homem que tenta remover Deus da vida social já O removeu da sua alma. Como diz o adágio, “a natureza abomina o vazio”. Se removermos Deus da humanidade, o vazio precisa ser ocupado com alguma coisa. O modernismo substitui Deus pelo homem, negando a Deus seus direitos como nosso Pai. São Pio X explica que o modernismo crê numa “imanência vital”, que nada mais é que a vida humana transcorrer sem Deus. Na sua Regra, São Bento também repreende comunidades monásticas instáveis que substituem a vontade de Deus pelos seus caprichos pessoais. Tudo de que eles gostam é considerado lícito, e seus desgostos são ilícitos.

Todo pecado é uma declaração de independência a Deus e a sua Igreja. Nós, como pecadores, substituímos a vontade de Deus pela nossa vontade própria. Nós, injustamente, usurpamos sua autoridade e convencemo-nos de que não precisamos de seu auxílio. A crise dos nossos tempos, tanto na Igreja, quanto na sociedade, não é um ataque externo, mas interno. É uma espécie de decadência intelectual da capacidade do homem de raciocinar. Através do orgulho, o modernista se convence de que tudo vem dele e de que toda a realidade depende da sua opinião pessoal. O depósito da fé imutável revelado por Deus e confiado à Igreja, agora, está sujeito ao julgamento pessoal e à opinião de cada homem. O conceito modernista de verdade se desenvolve dentro e através do homem, não existe mais fora do pensamento humano. A verdade de Deus não mais transcende, vinda de cima como um dom de Deus, mas desenvolve-se pelo complexo progresso do pensamento humano. Com esse mindset, os deveres religiosos do homem, o conteúdo de sua fé e seu comportamento moral estão excluídos da autoridade da Igreja. Todas as suas decisões vêm de dentro e não mais dependem de Deus e da Igreja. Essa evolução confirma a frase darwiniana “sobrevivência dos mais aptos” no campo do pensamento.

O modernista considera a coerência contínua da fé do ensinamento da Igreja como um grande obstáculo ao progresso da humanidade. Essa doutrina constante e estável impediria o desenvolvimento natural do homem e, portanto, seria maléfica à sociedade. Eles, em essência, afirmam que a estabilidade da Verdade bloqueia o processo evolutivo necessário do homem. Se perdermos de vista nossa absoluta dependência de Deus como nosso Criador e Autor de toda a verdade, criamos um mundo artificial sem Pai. O modernista substitui Nosso Pai celestial por alguns slogans idealistas e torna-se um órfão numa sociedade sem Pai. O modernista declara, em essência, que ele é Deus.

A sociedade de hoje é órfã. A vida de um modernista existe por imanência vital, que se desenvolve por uma energia interior impossível de ser controlada. Essa é a mesma ideia de evolução que Teilhard de Chardin proclama: “… é uma condição geral, à qual todas as teorias, todas as hipóteses, todos os sistemas devem reverência e que eles devem satisfazer daqui em diante se anseiam ser cogitáveis e verdadeiros. A evolução é uma luz que ilumina todos os fatos, uma curva que todas as linhas devem seguir”. Karl Rahner também afirma que “a graça pode ser considerada como pertencendo à existência do homem”. Dessas ideias, o modernista conclui que ele se tornou Deus, não precisando, assim, de um Pai.

Esses erros levam às sublevações em geral que vemos na sociedade de hoje. As crianças de hoje podem escolher seu sexo se não estiverem satisfeitas com a maneira como nasceram. Pode-se, legalmente, casar-se com outra pessoa do mesmo sexo e adotar filhos. A estranha doutrina do transhumanismo proclama que o homem pode e deve direcionar, material e intelectualmente, seu processo evolutivo. Ele pode, portanto, melhorar, com a ciência moderna, suas capacidades físicas e intelectuais. Eles até mesmo pensam em como viver eternamente, vencendo a morte através da ciência. Eles também falam de transferir seus intelectos a algum tipo de robô para que, através da tecnologia, eles possam continuar a existir. Eles não querem um Pai.

A associação moderna chamada Black Lives Matter tem sido um catalisador de muitos protestos violentos pelos EUA. Eles buscam uma sociedade sem paternidade, tal como a conhecemos. De acordo com a declaração oficial de sua missão, eles afirmam desejar “desmantelar as práticas patriarcais” e também “romper a estrutura familiar nuclear ocidental, que requer que um ajude o outro como famílias extendidas e ‘vilarejos’ que se preocupam uns com os outros coletivamente...” Isso é um novo tipo de sociedade comunista sem um Pai e é um grito de independência de Deus.

São Bento nos pede que aceitemos Cristo como a fonte e o centro de nossas vidas. Ele nos ensina sobre um Deus transcendental que nos ama como um Pai, não o deus modernista da imanência vital. A Divina Providência continua envolvida no desenvolvimento de nossos corpos e nossas almas. Ela nos pede que, humildemente, pratiquemos a caridade com os mais velhos, os mais novos e os enfermos, sabendo que aquilo que fazemos aos menores fazemos a Cristo: diferentemente da ideia de Darwin de sobrevivência do mais apto. Nossa maior glória é que temos um pai na pessoa do superior do mosteiro, que exerce o papel de Cristo em nossas vidas. Se pudéssemos resumir a Regra de São Bento, ela é como o eco de Nosso Senhor, ensinando-nos a rezar: “Pai nosso, que estais no Céu...”

(The Angelus, Set-Out 2020)

É chegado o tempo do anticristo?

Novembro 28, 2020 escrito por admin

Pe. Pierpaolo Maria Petrucci, FSSPX

São Pio X, na sua primeira encíclica, constatando a existência de uma “guerra ímpia suscitada contra Deus, que progredi em quase toda a parte”, chega a se indagar se “uma tal perversão dos espíritos” não seria “o começo dos males anunciados para o fim dos tempos”, e se “o filho de perdição de que fala o Apóstolo” já não teria “feito o seu advento entre nós”1. É claro que o papa fala do anticristo. Mas, o que ele é?

Segundo São João, “Quem é mentiroso senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é um anticristo, que nega o Pai e o Filho”2. E ainda: “porque muitos sedutores se têm levantado no mundo, que não confessam que Jesus Cristo tenha vindo em carne; estes tais são os sedutores, são o anticristo”3. São Paulo nos diz que o anticristo virá num tempo de apostasia e o apresenta como o homem do pecado, o filho da perdição, e diz que ele se oporá a tudo que se chama Deus. É o iníquo cuja vinda é por obra de Satanás, e que se apresentará como se fosse Deus. Empregará todo tipo de poder e sinais prodigiosos. Virá no dia do Senhor, ou seja, antes do julgamento final, para seduzir o mundo4.

São João apresenta a sua vinda como iminente5. Contudo, é preciso compreender essa passagem no seu contexto: ele fala dos precursores do anticristo. Com efeito, São Paulo escrevia aos tessalonicenses para não se deixarem quebrar facilmente, nem se alarmar, como se o dia do Senhor fosse iminente. Com efeito, um obstáculo retém a manifestação do anticristo e terá de ser levantado antes que ele venha6. Alguns Padres da Igreja, como São Cirilo, julgaram que esse obstáculo fosse o Império Romano, mas Santo Tomás afirma que se trata do Império Romano espiritual, ou seja, a Igreja católica e o Papa, sobre o qual ela se funda, único poder capaz de deter as forças do mal7.

Estamos nos tempos do anticristo? É o que podemos nos perguntar. Que diria São Pio X dos nossos tempos, ao ver as leis ímpias que regem os Estados outrora católicos? Que diria diante dessa crise terrível que assola a Igreja, na qual o próprio papa tornou-se a ponta de lança da revolução, e se insurge contra a fé e a moral católica8. A ditadura sanitária a qual o mundo inteiro se submeteu atualmente, é um indício suplementar: o poder capaz de reter a manifestação das forças das trevas parece desfalecer e, sem uma intervenção da Providência, é bem provável que as forças das trevas avancem até às últimas consequências.

Contudo, se é lícito nos colocarmos essas questões diante desse mistério de iniquidade, convém nos lembrar que o plano de Deus é sempre regido por seu amor misericordioso. É Ele que detém as rédeas da história e de todos esses acontecimentos, para o grande bem dos que o amam.

Nosso futuro está nas suas mãos -- logo, está em mãos excelentes. Qual deverá ser o nosso papel? Devemos, à luz da fé, buscar enxergar claro nessa época tão difícil, e combater pelo reino de Jesus Cristo; instaurá-lo nas nossas almas pela vida da graça, pela prática das virtudes e pelo cumprimento quotidiano das vontades divinas: preservar nossas famílias do espírito mundano, pois elas são os últimos bastiões contra as trevas atuais; esforçarmo-nos, enfim, para conquistar almas pelo nosso espírito apostólico. Assim, aconteça o que acontecer, alcançaremos a vitória sobre a terra e, na hora de nossa morte, Nosso Senhor nos receberá como bons e fiéis servidores.

(Le Chardonnet, Outubro de 2020)

  1. 1. E Supremi apostolatus, 4 de outubro de 1903
  2. 2. 1Jo 2, 22
  3. 3. 2Jo 1, 7
  4. 4. 2Ts 2, 3
  5. 5. 1Jo 2, 18
  6. 6. 2Ts 2, 6
  7. 7. in II Epist. Ad Thessal., c. II, lect. I
  8. 8. Ver Amoris Laetitia, 19 de abril de 2016, e a declaração de Abu Dhabi, 4 de fevereiro de 2019