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"Um escritor irlandês e apóstolo de Cristo Rei" - nota biográfica do Pe. Denis Fahey

Pe. Dominique Bourmaud, FSSPX

 

Em 3 de julho de 1883, veio ao mundo o homem que muitos consideram o Apóstolo do século XX para o Reinado Social de Cristo Rei, o Pe. Denis Fahey, nascido de uma família católica irlandesa verdadeiramente devota e num ambiente ― Golden, Condado de Tipperary ― repleto dos valores da verdadeira Fé. Em sua infância, certamente ouviu muitos relatos dos sofrimentos de seus ancestrais pela Fé católica, num passado não muito distante. Denis Fahey entrou na Congregação do Espírito Santo, que o desenvolveu em seus anos de formação.

 

A formação de um Apóstolo

Enviado para estudar em Roma, sua aguda inteligência floresceu; porém, mais importante ainda, sua fé na Igreja Católica como Corpo Místico de Cristo se aprofundou. O estudo da história, vista do ponto de vista da Fé, “que lança uma nova luz sobre tudo”, mostrou a Fahey o verdadeiro significado do mundo e do homem. Deus sabe bem como o homem deve funcionar. O homem só pode alcançar paz na Terra e felicidade eterna no Céu ao viver como Deus quis que vivesse como indivíduo e cidadão.

O secularismo, conforme definido no Webster’s Dictionary, propõe que a conduta moral deve ser determinada exclusivamente em vista do bem-estar social. É uma visão da vida baseada na premissa de que a religião e considerações sobre Deus e a vida futura devem ser excluídas. Seu outro nome é naturalismo, tão perigoso para as almas. Em seu livro The Kingship of Christ and Organized Naturalism,[1] o Pe. Fahey cita o Cardeal Pie: “Por onde quer que o sopro do naturalismo tenha passado, a própria fonte da vida cristã ressecou.” Não pode haver ilustração mais clara dessa verdade do que a agenda secular promovendo leis que introduziram o divórcio, o aborto e a sodomia em quase todos os países do Ocidente.

Trata-se do imemorial conflito entre Luz e Trevas, Bem e Mal, Cristianismo e Paganismo. O Pe. Fahey anteviu-o e lutou durante toda a sua vida para repelir o ataque a Cristo e à sua Igreja. Certa vez, numa palestra para os estudantes do Espírito Santo, comentando alguns ataques escandalosos que sofria da mídia, declarou: “Eu só disse o que ficaria feliz em dizer no Julgamento”. Esse destemido defensor dos direitos de Deus sabia ter bom humor. Seus estudantes têm carinhosas lembranças de seu mestre:

“Foi como professor de filosofia que a maioria de nós encontrou o Padre Fahey pela primeira vez. Sentíamos que estávamos diante de alguém que era grande porque era bom ― bom com a bondade de Deus. Tinha um raro senso de humor que se expressava freqüentemente com tiradas sobre si mesmo, mas nunca sobre os outros. Estava acostumado a receber muita correspondência da Inglaterra e dos Estados Unidos, grande parte dela de não-católicos, escritores de várias áreas da ciência social, que buscavam seu conselho e crítica. Certo dia, segurando um maço de tal correspondência, observou com sua voz aguda: ‘Eles dizem que o Padre Fahey tem uma abelha no boné,[2] mas agora vêm todos procurando por mel!!’”

 

Firme pelo reinado de Cristo

Porque não aprovou o Artigo 44 da Constituição irlandesa de 1937, foi chamado de “antipatriótico” por muitos.[3] Mas, assinalando que sua desaprovação fluía dos princípios da doutrina social católica tão inevitavelmente quanto a água jorrava de uma fonte, o Pe. Fahey explicava: “Os papas colocaram a premissa maior, o Artigo 44 colocou a premissa menor ― e todos vieram em cima de mim porque tirei a conclusão!” O humor da situação era o humor de alguém versado em lógica. Como padre irlandês, entretanto, percebeu muito perspicazmente a infidelidade a Cristo contida no Artigo 44. Isso assombrava suas horas de vigília e perturbava seus breves momentos de repouso.

Profundamente irlandês como era, o Pe. Fahey tinha carinho por suas raízes em Tipperary. Os moradores locais falavam com afeto e orgulho justificado do “Padre Denis”. Seus sermões aos domingos, durante suas estadias temporárias em sua paróquia de origem, eram ansiosamente aguardados. Conhecia sua audiência e talvez por isso um de seus ouvintes pudesse prestar-lhe uma homenagem e fazer, ao mesmo tempo, uma importante distinção: “É um homem de Tipperary, o Padre Denis, e o hurling[4] está no seu sangue. Ele nunca nos atrasa no domingo da final em Munster[5] e não se incomoda em pedalar 25 milhas para estar, ele mesmo, presente lá!”

Forçado a escrever sua defesa, o Pe. Fahey nos dá uma visão interessante e reveladora sobre seus dias de estudante em Roma durante o pontificado de São Pio X:

“Estando em Roma, comecei a me dar conta mais plenamente do significado real da história do mundo como narrativa da aceitação e da rejeição do programa de Nosso Senhor para a ordem social. Costumava pedir permissão para ficar na Capela da Confissão[6] enquanto os outros estudantes iam passear pela Basílica. Gastava tempo lá percorrendo a história do mundo e prometia repetidamente a São Pedro que se eu tivesse a chance, ensinaria a verdade sobre o seu Mestre da forma como ele e seus sucessores, os romanos pontífices, queriam que fosse feito. Isso é o que tenho me esforçado para fazer e o que estou fazendo.”

Apesar de seus escritos serem, à primeira vista, tão variados, indo desde um tratado sobre oração mental até um livro sobre dinheiro, há continuidade e consistência entre eles. Desaprovou o Artigo 44 porque este não podia ser reconciliado com o ensinamento tradicional dos soberanos pontífices sobre os Direitos Sociais de Cristo Rei. Opôs-se à maçonaria porque esta sustentava uma oposição organizada e insidiosa à influência do Corpo Místico na sociedade. Expunha e deplorava as maquinações das Finanças Internacionais como uma perversão da ordem divina. Dinheiro nas mãos de uma pequena mas poderosa minoria, em vez de estar a serviço de uma vida familiar próspera, significava impor a milhões de pessoas condições iníquas e hostis à vida da Graça.

Além de seus deveres de sacerdote, professor e escritor, o Pe. Fahey engajou-se em considerável “ativismo”. Fundou a Maria Duce [“Com Maria Nossa Líder”], uma organização composta por clérigos e leigos de mentalidade semelhante, cujo propósito era combater o marxismo cultural que começava a se infiltrar e corromper a vida irlandesa. Detestada por modernistas até hoje, a Maria Duce empreendeu ações concretas para organizar protestos, petições políticas e para distribuir material escrito. Seu periódico mais incisivo, Fiat, dava nome aos bois e mantinha registros daqueles que buscavam poluir e destruir a vida tradicional irlandesa.

 

Desafiando a mídia em nome da Verdade

Por causa de seus livros, o Pe. Fahey ganhou seguidores internacionais, especialmente nos Estados Unidos, onde sua obra recebeu notoriedade por meio de sua associação com o Pe. Charles Coughlin, apresentador de rádio, que freqüentemente citava passagens de livros do Pe. Fahey em suas transmissões e nas páginas de sua publicação, Social Justice. Apesar de Pe. Coughlin ter interrompido seu popular programa de rádio em 1942 (mesmo ano, por coincidência, em que Pe. Fahey iniciou a Maria Duce), principalmente por causa de pressões das autoridades da Igreja devido a suas críticas à Administração Roosevelt e a seu suposto “anti-semitismo”, o Pe. Fahey continuou suas atividades mesmo com a crescente frieza dos eclesiásticos irlandeses em relação a seus empreendimentos.

Pe. Fahey entendeu melhor do que a maioria como o cinema, a televisão, o rádio, a música e a indústria gráfica eram usados pelos inimigos de Cristo Rei para subverter a sociedade. Valendo-se da Maria Duce, procurou enfrentar e se opor a esses meios de comunicação de massa. Seria quase impossível negar que a revolução cultural que varreu o Ocidente durante os anos 60 tenha sido produzida, em grande medida, pelas forças que controlavam a mídia. Esta, pela metade do século XX, já teria se tornado tão importante na formação da opinião, valores e costumes públicos quanto escolas, igrejas, academia e governos. Foram luminares como o Pe. Fahey e os papas pré-Vaticano II que entenderam e combateram o que estava acontecendo em sua própria época. Infelizmente, aquele combate se ausentou dos corações e mentes de muitos ocidentais que abandonaram a defesa de sua sociedade contra a investida dos marxistas culturais.

Ao examinar esses feitos, pode-se ficar tentado a pensar no Pe. Fahey como o perpétuo oponente, condenando isto, deplorando aquilo. Um estudo cuidadoso do homem e de seu ensinamento revela a lógica daquela oposição, a saber, sua inabalável lealdade a Cristo. Talvez sua maior desvantagem, humanamente falando, tenha sido sua sabedoria. Ele sabia demais! Alguns achavam que era anormal. Certo dia, ouviram-no dizer a respeito de um ataque recente: “Tenho estudado o problema por 40 anos e acontece que é possível que eu esteja certo apesar de tudo.” Havia se dado conta intimamente e quase visceralmente de que as idéias determinam o curso da história. Assim, penetrava sem esforço através da cortina de fumaça da propaganda política e via Satanás manobrando seus agentes para mais um ataque à vida divina da Graça.

 

O que podemos aprender com seu exemplo?

O que católicos tradicionais podem aprender com esse herói? Enquanto a Igreja pós-conciliar apresenta Cristo erroneamente como alguém “água-com-açúcar”, a Sagrada Escritura O revela freqüentemente como uma figura combativa. Seguindo os passos de seu divino Mestre, o Pe. Fahey era um lutador. Enquanto o mundo e mesmo homens da Igreja o contradiziam, ele continuava a batalha. Para ele, a idéia de ceder, sejam lá quais fossem as propostas sedutoras oferecidas, era anátema.

O Pe. Fahey entendia que, se Cristo não fosse o Rei dos corações, mentes e sociedades criadas pelo homem, a humanidade estaria, no fim das contas, condenada. Afligia-se por sua amada Irlanda ao vê-la afastar-se mais e mais da antiga Fé, e alertava que, se uma reversão espiritual não acontecesse, seus compatriotas seriam varridos pelas convulsões culturais que sobreviriam. O lamentável estado do catolicismo hoje na Ilha da Esmeralda só demonstra o quanto o padre estava certo. Hoje em dia, os que esperam fazer mais uma vez do ideal de Cristo Rei o caráter governante da sociedade precisam assumir a mentalidade do infatigável Pe. Fahey. Isso também exige que aprendamos esses princípios católicos e os defendamos como as muralhas da cidade.

(The Angelus, 447. Tradução: Permanência)

 

[1] “O Reino de Cristo e o Naturalismo Organizado”, obra não publicada em português. [N. do T.]

[2] “a bee in his bonnet”, expressão que significa que alguém fala sem parar sobre um assunto que considera muito importante. [N. do T.]

[3] No Artigo 44 da Constituição irlandesa de 1937, o Estado reconhecia uma indefinida “posição especial” da Igreja Católica “como guardiã da Fé professada pela grande maioria dos cidadãos”, mas reconhecia também “a Igreja da Irlanda, a Igreja Presbiteriana da Irlanda, a Igreja Metodista da Irlanda, a Sociedade Religiosa de Amigos na Irlanda, assim como as Congregações Judias e outras denominações religiosas existentes na Irlanda”. [N. do T.]

[4] Hurling é o esporte nacional da Irlanda, parecido com o hockey. [N. do T.]

[5] Geralmente no segundo domingo de julho. [N. do T.]

[6] Localizada no coração da Basílica de São Pedro, sob o altar-mor. [N. do T.]

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