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O bom samaritano da década de 1970 nos Estados Unidos

[Nota da Permanência: O texto a seguir foi escrito por um monge beneditino norte-americano em homenagem a Dom Marcel Lefebvre. Tudo aquilo que o religioso escreveu acerca da importância do grande bispo para os católicos do seu país, podemos subscrever no que se refere aos católicos do Brasil]

 

A década de 1970 foi uma época turbulenta para a Igreja Católica. A aplicação das mudanças litúrgicas na Igreja foi brutalmente implementada com o assim chamado espírito do Concílio. Nós testemunhamos a destruição dos altares principais das igrejas, sendo substituídos pelo que ficou conhecido como as mesas de açougueiro de 19701 . Vimos as igrejas sendo destituídas da mesa de comunhão dos fiéis, das imagens dos santos e do crucifixo acima do altar principal, o qual foi substituído por uma cruz vazia e um véu branco representando o Cristo ressuscitado em oposição ao sacrifício de Cristo na Cruz. O tabernáculo foi escondido em alguma parte obscura da igreja. O sagrado canto gregoriano foi substituído, na melhor das hipóteses, por “Kumbaya, My Lord” 2, ou, na pior das hipóteses, com as missas “clown” 3 ou “rock-n-roll”. A mais devastadora mudança foi no rito sagrado da missa em si, que ficou desfigurado a ponto de ficar essencialmente irreconhecível. Os clérigos daquela época tornaram-se centrados no homem. Eles não mais pregavam sermões sobre Deus e as almas, mas denunciavam a injustiça social sobre o proletariado.

As vítimas de todas essas mudanças foram os próprios padres e os fiéis sob seus cuidados. Algumas estimativas falam de 120.000 padres abandonando o sacerdócio. Só Deus sabe o dano feito às almas dos fiéis durante estes tempos terríveis. Esses pobres padres foram vítimas da ilusão de que o homem e o mundo têm mais a oferecer do que Deus. Foi nesses mesmos anos que os EUA aceitaram legalmente o assassinato de crianças ainda não nascidas.

Essa era a triste situação da Igreja na década de 1970. Esses exemplos são bem conhecidos, mas há muitos outros que permanecem ocultos na consciência das vítimas. Era como se os ladrões tivessem nos despojado de nossa Igreja, deixando-nos meio mortos à beira da estrada da vida. A maioria das famílias, confundidas por seus pastores, simplesmente deixaram a Igreja em busca de um sentido para a vida. Muitas almas desiludidas voltaram-se para as comunidades hippies, onde tentaram satisfazer sua sede pelo sobrenatural com drogas alucinógenas e prazer sensual que chamavam de "amor livre".

Essas feridas infligidas a toda a sociedade nos fazem pensar na parábola do Bom Samaritano. Nosso Senhor explica que a maior lei é o amor a Deus e a segunda é o amor ao próximo como a si mesmo. Um doutor da lei, para O tentar, pergunta: “Quem é meu próximo?” Nesta ocasião, Nosso Senhor apresenta a parábola do Bom Samaritano.

Um homem descia de Jerusalém para Jericó. Jerusalém simboliza a cidade da paz celestial e

Jericó, a cidade da vaidade mundana. Na década de 1970, desejamos descer da vida católica tradicional para a vaidade de uma sociedade decadente infestada de drogas. Caímos nas mãos de ladrões que nos despojaram do sacrifício da Missa tradicional e da formação de verdadeiros sacerdotes. Eles bateram em nossas almas com um catecismo herético deixando-nos moralmente meio mortos à beira da estrada da vida. Os antropocêntricos padres do Novus Ordo e os grupos de apostolado ofereciam treinamento da sensibilidade em vez de doutrina, eles não podiam ajudar nossas almas feridas. Esses foram tempos sombrios para o Corpo Místico de Cristo. Parecia não haver esperança enquanto esperávamos o que parecia ser uma morte certa para nossas almas.

Para aqueles que não viveram na década de 1970, tentem imaginar-se espiritualmente meio mortos, largados a beira da estrada, esperando a morte, incapazes de socorrer a si mesmos. Aqueles que deveriam ajudá-los passavam ao largo. Tentem olhar através dos olhos de uma alma meio morta quando finalmente vê alguém parando para ajudar. Imagine a sua alegria ao se deparar com um rosto desconhecido que olha com compaixão. Alegria, esperança e gratidão voltam a este corpo ferido. O único desejo deste tipo o homem é ajudar sem esperar nada em troca.

Para nós que atravessávamos aquela terrível tempestade, podemos dizer com sinceridade que a alegria, esperança e gratidão voltaram às nossas almas feridas quando Dom Marcel Lefebvre veio para a América. Ele não precisava de nós, apenas se ofereceu para ajudar nossas almas angustiadas porque nenhum outro bispo nos EUA vinha em nosso auxílio. Ele era realmente como o Bom Samaritano. O vinho que derramou em nossas feridas pode ser comparado ao Santo Sacrifício da Missa que mais de uma vez foi oferecida em nossas capelas improvisadas. O óleo que ele derramou sobre nós foi a unção do sacerdócio concedido ao nosso país com o seminário que fundou em nosso solo. Ele nos levou para a estalagem fortalecendo a nossa fé na Santa Mãe Igreja. Ele confiou nossas almas ao dono da estalagem que pode ser comparado aos jovens padres da Fraternidade São Pio X. As duas moedas dadas ao dono da estalagem para o nosso cuidado foram a formação que ele lhes deu na verdadeira doutrina católica e na vida moral de sempre.

Na realidade, o único Bom Samaritano é Nosso Senhor, mas Ele atua por meio dos ministros da Igreja. Na década de 1970, o ministro do Bom Samaritano para os católicos feridos da América foi Sua Excelência Reverendíssima Dom Marcel Lefebvre. Ele descobriu que nosso país fora espancado, ferido e deixado meio morto. Seu amor a Deus e ao próximo o impulsionou a vir em nosso auxílio. Vimos com nossos olhos sua caridade em ação. “Bem-aventurados os olhos que veem o que vós vedes”.

(The Angelus, Novembro de 2020)

  1. 1. “1970 butcher block table”: O autor refere-se a grandes blocos de madeira quadrados ou retangulares usados inicialmente por açougueiros como mesa de corte, porém em alguns continentes passou a ser usado também em cozinhas domésticas. Nota do tradutor.
  2. 2. "Kum ba yah" (“Vinde” em um dialeto africano) “My Lord” (Meu Senhor): Cântico de data ainda disputada, sabe-se que era cantado por escravos africanos cristianizados nos E.U.A. Durante as décadas de 1950 e 1960 do século XX ganhou forte conotação política sendo usado em movimentos por direitos civis também nos E.U.A. A letra em si não possui nada de contrário à doutrina católica, são insistentes súplicas de um pecador para que Deus não o abandone, porém no conjunto o cântico é inapropriado para a liturgia, ainda mais por ter sido impregnado de conotação política. Nota do tradutor.
  3. 3.Missas “clown” (Palhaço): Série de conhecidos ultrages à missa católica onde pessoas fantasiadas de palhaço cumprem funções litúrgicas e recebem a Sagrada Comunhão. Nota do tradutor.