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Quem é meu filho?

A mãe se debruça sobre o berço de seu filho: “Aqui está meu pequenino, a quem amarei, cuidarei e educarei pelos próximos vinte anos. Quem é você, pequeno Pedro, que foi confiado a mim por Deus?”. Com efeito, essa é uma questão fundamental. Quem é esse pequeno homem? Da resposta à essa questão depende a escolha do tipo de educação que ele irá receber. Se a resposta for de acordo com Jean-Jacques Rousseau (“A criança é boa por natureza”), ela será educada segundo os padrões da sociedade atual. O resultado, lamentavelmente, não é muito empolgante.

 

DAS SENSAÇÕES À INTELIGÊNCIA

Santo Tomás de Aquino baseou-se no filósofo grego Aristóteles ao dizer que o Homem é um “animal racional”. A mãe protesta: “Meu Pedrinho não é um animal!”. Não; claro que não! Há um abismo entre um felino e um homem: a inteligência. O pequeno Pedro, porém, tem um corpo e seus sentidos — e são esses que solicitam primeiramente a atenção dos pais. Ele precisa receber cuidados físicos, mas desde o início de sua vida, há os bons hábitos que também necessitam ser-lhe transmitidos. Essas são as primeiras bases da educação: ter uma rotina regular para as refeições e a hora de dormir, aprender a obedecer sem chorar, não pôr o dedo na tomada elétrica (e, caso o faça, receberá um tapinha na mão), sentar reto numa cadeira sem se contorcer etc.

É claro que não limitaremos seu desenvolvimento a isso porque sua inteligência e sua vontade precisam ser formadas. Porém, é somente de forma gradual que sua inteligência floresce. É também de forma gradual que a criança adquire a linguagem, que é a ferramenta do pensamento, e que será aperfeiçoada desde a infância até as dissertações filosóficas próprias do último ano escolar. Pouco a pouco ela adquire o hábito do julgamento e da reflexão, e terá muitos momentos de tentativa e erro antes de chegar aos pensamentos que serão totalmente seus. Por esse motivo faz-se necessária uma adaptação da educação à capacidade de compreensão da criança. No início, os pais é que pensam por ela, pela sua incapacidade de fazê-lo sozinha. É inútil dizer a uma criança de três anos que ela precisa comer feijão “porque esse alimento contém vitaminas indispensáveis ao seu crescimento”! É mais eficaz dizer apenas “Coma o feijão ou não terá sobremesa”. Pronto. O resto seria supérfluo. O que a criança é capaz de entender com essa idade, e o que precisa aprender, não são os princípios da boa nutrição, e sim que os pais mandam e o filho obedece. Somente mais tarde a criança entenderá que tudo isso é para o seu bem. 

Obviamente, quanto mais a criança cresce, mais receberá as explicações necessárias. Um adolescente não obedece simplesmente porque seu pai mandou. Mas o que ele precisa, entretanto, é de explicações, e não de justificativas. Uma autoridade não precisa “justificar” em detalhes os motivos de suas ordens. Os pais dão as ordens por serem os responsáveis, perante Deus, pela criança a eles confiada. Porém, para que as crianças obedeçam, é necessário dar-lhes alguns motivos e circunstâncias — afim de que aprendam, com isso, a caminhar sozinhas quando adultas. Por exemplo: “Não, Pedro, você não vai passar o fim de semana com o Kevin. Ele tem uma coleção enorme de video games e vocês passariam o tempo todo jogando. Você sabe bem o que penso desses jogos! Convide-o para vir até aqui. Ele pode se beneficiar do contato com um ambiente familiar sadio. O valor de uma amizade é medido pelo bem que um proporciona ao outro”. Esse exemplo poderia ser utilizado como uma boa ocasião para pai e filho conversarem sobre amizades verdadeiras.

Tomem cuidado! Mesmo que a criança ainda não saiba se expressar bem, a inteligência está nela; e os menores compreendem o que dizemos muito mais do que pensamos. Cuidado com os comentários feitos entre adultos sobre as crianças, porque elas certamente estão ouvindo, sem aparentar fazê-lo. “Minha amiga, como a Ágata está bonita com esses olhos azuis e esses cachinhos! E o vestido que você mesma costurou! Ela é adorável!”. Observe que esse tipo de declaração nunca deixa de ser ouvido...

 

DO PECADO À GRAÇA

Não teremos completado a descrição da criança dizendo apenas que é um animal racional. Pedrinho também é filho de Adão, marcado pelas consequências do pecado original. Após seu Batismo, foi elevado à categoria de filho de Deus e ao estado sobrenatural pela graça santificante, e destinado à vida eterna.

Pedrinho é marcado pelo pecado original, e pela tendência ao mal que dele decorre, como infelizmente se observa desde a mais tenra idade; isso é uma verdade muitas vezes confirmada pela experiência. As primeiras birras surgem muito cedo. Desde os seis meses, a criança já é capaz de criar complicações injustificáveis. Emília, por exemplo, cai no choro assim que sua mãe a coloca no berço, fazendo com que precisem pegá-la. Ela só dorme quando está no limite da exaustão. João tem fome de sobremesas, mas não de espinafre; está sempre cansado quando é hora de arrumar seu quarto, fazer lições ou ajudar sua mãe. Sua vitalidade reaparece, porém, quando quer jogar futebol ou implicar com sua irmãzinha. Sem falar na capacidade incrível que possui de inventar mentiras para soar importante. Não; não importa o que Rousseau disse, ao afirmar que o homem é naturalmente bom. Seria um crime deixar uma criança fazer exatamente o que quer e quando quer. Pobres crianças de hoje a quem nunca lhe negam nada e não são nada além do objeto de seus impulsos e suas paixões desenfreadas! Ao se tornarem adultas, perceberão que são essas mesmas paixões que as destróem (preguiça, impurezas, ambição, álcool, prazeres etc.). Porém, acorrentadas aos maus hábitos por vinte anos, já não possuem forças para resistir a eles.

Por sorte a graça de Deus está presente nas almas dos batizados para curar, pouco a pouco, essas tendências más e elevá-las às alturas de futuros habitantes do paraíso. Uma criança batizada abre-se muito rápida e espontaneamente para o universo sobrenatural. Ela prontamente sopra um beijo para Jesus antes de dormir — sinal de suas futuras orações noturnas. Há todo um universo sobrenatural no qual mergulha de cabeça. A história de Jesus e Maria chama a alma ungida pela graça a explorar os mistérios divinos. A prática do bem é outra motivação. Quanto entusiasmo a jovem alma mostrará ao perguntarem a ela: “O que você fará durante a Quaresma para consolar Jesus, tão triste por causa dos nossos pecados? Você fará um esforço e limpará seu quarto toda noite sem que eu precise mandar? Isso deixará Nosso Senhor muito feliz”. Para ajudar os missionários, por exemplo, as crianças podem ficar sem presentinhos e enviar o dinheiro que seria destinado a eles, com a ajuda dos pais, para missões em países pobres. Para converter os pecadores ou livrar almas do purgatório, crianças são capazes de grandes atos de generosidade. Cabe aos adultos provocar, encorajar e canalizar esses atos. No Batismo, essa vida de fé planta nas almas as sementes e precisarão de uma educação abundante para se desenvolverem integralmente: os bons exemplos, as orações em família, a educação religiosa e o recebimento dos sacramentos…

Dividido entre tantas tendências contrárias (É um animal; porém é inteligente. Pecador; porém assistido pela graça), como no surpreender que a alma de uma criança lembre por vezes um campo de batalha, onde tendências opostas se confrontam? É aqui que se encontra o equilíbrio da educação: ao nos darmos conta, como adultos, de que o pequeno indivíduo necessita compreender que é um general pronto para o combate. Ele deve assumir a responsabilidade de suas lutas durante a vida, para que a graça triunfe no objetivo de santificá-lo.

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