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Liberalismo mortífero

Pe. François-Marie Chautard

“O fim dos modernos é a segurança na fruição privada; e eles chamam de liberdade
as garantias concedidas pelas instituições a essa fruição”
(Benjamim Constant)

 

Fecundação artificial, “barriga de aluguel”, uniões homossexuais, eutanásia, aborto, contracepção, divórcio, a lista dos vícios validados, avalizados e encorajados pelas leis não cessa de crescer.

E se por acaso os católicos buscam — ainda que timidamente — impedir uma nova legislação imoral, lança-se ao seu rosto o repetitivo argumento: Como vocês ousam se opor a uma disposição legal que não faz mal a ninguém? Com base em quê a opinião dos católicos deveria prevalecer sobre a dos demais cidadãos, quando se trata de práticas que em nada lesam os católicos? Não é prova de intolerância querer impor aos demais uma conduta que não lhes diz respeito? 

O argumento é revelador do princípio fundamental que caracteriza os tempos modernos: a autonomia absoluta do homem como único limite da liberdade dos demais.

Desde que uma lei não fira um “direito” individual nem [incomode] uma minoria, desde que não gere transtornos à ordem pública, o homem é soberanamente livre de promulgar leis: eis o credo do “homo modernus”.

Benjamin Constant exprimia esse princípio de um modo límpido: 

“Eu defendi por quarenta anos o mesmo princípio, a saber, liberdade em tudo, em religião, filosofia, literatura, indústria e política: e por liberdade, compreendo o triunfo da individualidade, tanto sobre a autoridade que gostaria de governar pelo despotismo, como sobre as massas que reclamam o direito de sujeitar a minoria à maioria. O despotismo não tem direito algum. A maioria tem, sim, o direito de obrigar a minoria a respeitar a ordem: mas tudo o que não perturba a ordem, tudo o que é meramente interior, como a opinião; tudo o que, na manifestação da opinião, não perturba o próximo, quer provocando violências físicas, quer impedindo a manifestação contrária; tudo o que, de fato, em assuntos industriais, permite à indústria rival operar livremente, é individual e não poderia ser legitimamente submetido ao poder público.”

Essa pretensão é duplamente especiosa. Primeiro porque essa autonomia é a recusa categórica de uma autoridade transcendente que veio dar uma regra à qual o homem está obrigado a se submeter. Jacques Chirac é conhecido por ter dito esta máxima digna das lojas maçônicas: “Não pode haver leis ‘religiosas’ acima das leis da República”, isto é, das leis humanas.

Creonte não se exprimia de outro modo a Antígona: “É preciso obedecer àquele que a cidade escolheu como senhor, tanto nas coisas pequenas como nas grandes, nas justas e nas iníquas”. 

No fundo, nessa recusa obstinada de uma autoridade superior à do homem, ouve-se o eco do grito de Lúcifer: non serviam, não servirei.

Essa legislação dita liberal é, na verdade, uma legislação intrinsecamente blasfematória. A autoridade humana erige-se em juiz supremo da boa conduta humana, e recusa-se a se submeter à autoridade de seu criador. E quando os católicos repetem o grito de São Miguel, “Quem é como Deus?”, um ódio surdo vindo dos infernos se levanta contra eles.

Em segundo lugar, o individualismo congênito dos “Direitos do homem” supõe que as ações imorais, mesmo privadas, de uma parte considerável da população, não exercem nenhum impacto sobre o resto da nação e não lesam em nada os demais cidadãos.

Isso equivale a esquecer que o homem não é, nem de longe, um ser isolado de seus semelhantes. Por suas escolhas, seus julgamentos, suas afirmações, suas ações e mesmo seus hábitos de consumo e todo o resto do seu comportamento, ele imprime uma marca ao redor.

Quando uma lei iníqua é votada, a virtude é ipso facto humilhada, a tentação facilitada, o pecado banalizado, o vício encorajado. O simples fato de autorizar legalmente o pecado põe, publicamente, o vício em pé de igualdade com a virtude. Isso é começar uma falsificação da consciência pública, é abrir as portas à degradação moral de uma parcela importante do país. Pouco a pouco, esse vício que rompeu as amarras se espalha tão facilmente quanto uma epidemia. O nível moral do país se rebaixa, e já se prepara para novas quedas, ainda mais graves.

A decadência de um país segue um itinerário semelhante à decadência de um indivíduo. Uma primeira queda — sobretudo se não é corrigida, mas admitida em seu princípio — facilita uma outra, torna a queda seguinte menos chocante e até mais sedutora.

É impressionante ver um país manter-se numa indiferença tão avassaladora diante das leis iníquas votadas por um Parlamento democraticamente eleito. Como milhões de homens podem aceitar sem pestanejar que se permita que crianças não sejam concebidas, gestadas, paridas, amadas e educadas como eles mesmos o foram, e como o foram os seus pais desde a aurora dos tempos?

Mas nos impressionaremos menos se considerarmos que o vício tão difundido da luxúria, exibido por toda parte na nossa sociedade, penetrou tão completamente a alma, o coração e o espírito de nossos contemporâneos que eles já não vêem mal algum em liberar novas depravações. Mesmo privado, mesmo escondido, o vício produz, mais dia, menos dia, os seus efeitos na esfera pública. Uma alma que decai, diminui o mundo.

Segue verdadeiro, no entanto — e a esperança católica estriba-se nesse belo dogma da comunhão dos santos — que uma alma que se eleva, eleva consigo o mundo. Cabe a nós sermos uma dessas almas, discípulas do Salvador.

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