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Artigo 1 - Se a acédia é pecado.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a acédia não é pecado.

1. – Pois, por causa das paixões não somos louvados nem vituperados, segundo o Filósofo. Ora, a acédia é uma paixão, pois é uma espécie de tristeza, como diz Damasceno e como já se estabeleceu. Logo, a acédia não é pecado.

2. Demais. – Nenhuma privação corpórea, que se verifica em horas determinadas, tem natureza de pecado. Ora, tal é a acédia; pois, diz Cassiano: A acédia inquieta o monge sobretudo na sexta hora, como uma febre que o ataca num tempo determinado, suscitando na alma do doente, em horas habituais e fixas, os ardentíssimos calores dos seus acessos, Logo, a acédia não é pecado.

3. Demais. – O que procede de uma boa raiz não pode ser pecado. Ora, a acédia procede de boa raiz; pois, como diz Cassiano na mesma obra ela provém de o religioso gemer por não produzir frutos espirituais; e de exaltar os mosteiros longínquos onde não se encontra; o que parece próprio da humildade. Logo, a acédia não é pecado.

4. Demais. – Devendo fugir todo pecado, conforme aquilo da Escritura: Foge dos pecados como da vista duma cobra. Ora, Cassiano diz, no mesmo livro: a experiência prova que devemos evitar o ataque da acédia, fugindo-o, mas vencê-lo, resistindo. Logo, a acédia não é pecado.

Mas, em contrário. – O que a Sagrada Escritura proíbe é pecado. Ora, tal é a acédia, da qual diz: Submete o teu ombro e Leva-a às costas, isto é, a sabedoria espiritual, e não te enojes com as suas prisões. Logo, a acédia é pecado.

SOLUÇÃO. – A acédia, segundo Damasceno, é um tédio que acabrunha; isto é, que deprime de tal modo a alma do homem que não lhe apraz fazer nada; assim como tudo o que é ácido é ao mesmo tempo frio. Pois isso, a acédia produz um certo tédio de agir, como claramente o diz a Glosa aquilo da Escritura: A alma deles aborreceu toda a comida, e certos também dizem que a acédia é um torpor da alma, que desiste de começar o bem. Ora, tal tédio sempre é mau; quer, em si, mesmo, quer pelos seus efeitos. Pois, é em si mesmo mau o tédio causado por um mal aparente, que é verdadeiramente um bem; assim como, ao contrário, é mau o prazer causado por um bem aparente, que é verdadeiramente um mal. Ora, sendo o bem espiritual um verdadeiro bem, o tédio causado por ele é mau, em si mesmo. Mas também o tédio causado por um mal verdadeiro é mau pelos seus efeitos, se acabrunhar o homem de modo a retrai-lo totalmente das boas obras. Por isso, o Apóstolo não quer que o penitente seja consumido de demasiada tristeza, por causa do pecado. Por onde, a acédia, no sentido em que aqui a consideramos, designando o tédio causado pelo bem espiritual, é duplamente má: em si mesma e nos seus efeitos. Logo, a acédia é um pecado, pois, chamamos pecado aos movimentos apetitivos maus, como do sobredito se colhe.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– As paixões em si mesmas não são pecados; mas são repreensíveis quando aplicadas ao mal, assim como são louváveis quando aplicadas ao bem. Por onde, o tédio em si mesmo não designa nada de louvável nem de repreensível. Mas o tédio moderado, por causa do mal designa uma coisa louvável; ao passo que designa uma coisa repreensível a tristeza provocada pelo bem, assim como a tristeza moderada por causa do mal. E a esta luz a acédia é considerada pecado.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As paixões do apetite sensitivo podem em si mesmas, ser pecados veniais e inclinam a alma para o pecado mortal. E estando o apetite sensitivo ligado a um órgão corpóreo, resulta que, por alguma transmutação corpórea, o homem se torna mais disposto a certos pecados. Por isso pode acontecer que, por causa de certas transmutações corpóreas, ocorrentes em determinados tempos, certos pecados nos ataquem de preferência. Ora, toda privação natural dispõe, por si, à tristeza. Por isso, os que jejuam, quando começam, pelo meio dia, a sentir a falta de alimento, e a serem castigados pelo ardor solar, são mais atacados pela acédia.

RESPOSTA À TERCEIRA. – É próprio da humildade levar o homem, considerando os seus próprios defeitos, a não se exaltar. Mas próprio da humildade não é, senão antes, da ingratidão, desprezarmos os bens que possuídos como dons de Deus. E desse desprezo nasce a acédia, pois, nós nos entristecemos com o que reputamos, por assim dizer, mau ou vil. Por isso devemos exaltar os bens dos outros, sem contudo desprezarmos os que nos deu a Divina Providência, porque do contrário nos causariam tristeza.

RESPOSTA À QUARTA. – Devemos sempre fugir do pecado; mas o ataque do pecado devemos vencê-lo, umas vezes, fugindo, e outras desistindo. Fugindo, quando o pensamento continuado lhe agrava o incentivo; tal é o caso da luxúria, que faz dizer ao Apóstolo: Fugi da fornicação. Resistindo, quando o pensamento perseverante elimina o incentivo do pecado, proveniente de uma leve apreensão. E tal se dá com a acédia; pois, quanto mais pensamos nos bens espirituais, tanto mais se nos tornam agradáveis, e isso faz cessar a acédia.

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