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Art. 1 – Se é lícito desejar o episcopado.

O primeiro discute–se assim. – Parece lícito desejar o episcopado.

1. – Pois, o Apóstolo diz: Se algum deseja o episcopado deseja uma boa obra. Ora, é lícito desejar uma boa obra. Logo, também é lícito desejar o episcopado.

2. – Demais. – O estado dos bispos é mais perfeito que o dos religiosos, como se estabeleceu. Ora, é louvável desejar passar ao estado de religião. Logo, também o é desejar alguém ser promovido ao episcopado.

3. Demais. – A Escritura diz: O que esconde o trigo será amaldiçoado entre os povos, e a bênção virá sobre a cabeça dos que o vendem. Ora, o que é idóneo, pela vida e pela ciência, para o episcopado, parece que esconde o trigo espiritual subtraindo–se ao episcopado; ao passo que o aceitando coloca–se em estado de distribuir o trigo espiritual. Logo, parece louvável desejar o episcopado e censurável, recusa–te.

4. Demais. – Os atos dos santos narrados nas Escrituras são–nos propostos como exemplos, segundo o Apóstolo: Tudo quanto está escrito para nosso ensino está escrito. Ora, lemos na Escritura, que Isaías se consagra ao oficio da pregação, que cabe principalmente aos bispos. Logo, parece louvável desejar o episcopado.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Uma função superior, sem a qual o povo não pode ser governado, embora a desempenhássemos bem não seria contudo conveniente desejá–la.

SOLUÇÃO. – Três coisas podemos considerar no episcopado. – Uma principal e final que é a atividade episcopal, que busca a utilidade de próximo. segundo aquilo do Evangelho: Apascanta as minhas ovelhas. – Outra, a altura da posição, pois, o bispo está constituído sobre os demais segundo ainda o Evangelho: O servo fiel e prudente a quem eu senhor pôs sobre sua família. – A terceira é a consequência dessas duas, a saber: a reverência, a honra e a abastança dos bens temporais, segundo o Apóstolo: Os presbíteros que governam bem sejam honrados com estipêndio dobrado.

Logo, desejar o episcopado em razão desses bens que o acompanham é manifestamente ilícito e constitui cobiça ou ambição. Por isso o Senhor diz contra os Fariseus: Gostam de ter nos banquetes os primeiros lugares e nas sinagogas as primeiras cadeiras e que os saúdem na praça e que os homens lhes chamem mestres.

Quanto à segunda, isto é, à posição elevada, desejar o episcopado é presunção. Por isso, o Senhor argúi os discípulos que queriam o primeiro lugar, dizendo: Sabeis que os príncipes das gentes dominam os seus vassalos. O que expõe Crisóstomo dizendo que, com essas palavras, mostra ser gentio o desejar o primado; e assim, comparando–os com os gentios, reprime­lhes o orgulho.

Mas, desejar ser útil ao próximo é em si mesmo louvável e virtuoso. Como porém o exercício do episcopado implica a posse de uma posição elevada, é presunção querer ser útil ao próximo mediante uma situação preeminente, salvo por premência de manifesta necessidade. Assim, como diz Gregório, em louvável ambicionar o episcopado quando levava indubitavelmente o bispo aos mais duros suplícios; mas então facilmente não se encontrava quem quisesse investir–se desse ónus. E ainda, era necessário que esse zelo da caridade proviesse de inspiração divina; assim, como adverte o mesmo Gregório, Isaías, desejando ser útil aos próximos, louvavelmente desejava o ofício de pregador.

Pode porém, sem presunção, desejar alguém a prática de tais obras, se vier a desempenhar tal ofício, ou mesmo ter o desejo de praticá–las. de modo que o objeto do desejo seja a boa obra e não o primado da dignidade. Por isso Crisóstomo diz: Desejar praticar boas obras é bom; mas é vaidade ambicionar o primado das honras; pois, o primado busca a quem dele foge e foge a quem o ambiciona.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Gregório, o Apóstolo escrevia no tempo em que o chefe do povo era o primeiro arrastado aos tormentos do martírio; e então nada mais se podia desejar no episcopado senão a prática de boas obras. Por isso, nota Agostinho. quando o Apóstolo diz – Se alguém deseja o episcopado, deseja uma boa obra quis ensinar o que é o episcopado, nome desumatixo de uma função e não de honrarias. Pois, a palavra grega – scopos – significa, intenção. Por onde, podemos traduzir em latim o vocábulo grego – episcopein – de modo a significar que não exerce o episcopado quem quer ser superior e não, ser útil. Pois, como pouco antes tinha dito, na atividade que devemos desenvolver nesta vida, não devemos amar as honras nem o poder, porque tudo é vão debaixo do sol; mas sim, amar a obra mesma realizada mediante a honra ou o poder. E contudo, como diz Gregório, o Apóstolo, depois de ter louvado o desejo das boas obras, logo nos faz recuar ante o que louvou quando acrescenta. Importa logo que o bispo seja irrepreensível ­ como se abertamente dissesse – louvo o que ambicionais, mas, primeiro procurai bem compreender o que quereis.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O estado de religião e o episcopado não têm a mesma natureza, por duas razões. – Primeiro, porque o estado episcopal preexige a perfeição da vida; o que o demonstra a interrogação feita pelo Senhor a Pedro, antes de lhe cometer o ofício pastoral, quando lhe perguntou se o amava mais que os outros. Ao passo que o estado de religião não preexige a perfeição, mas é uma via para a perfeição. Por isso o Senhor não disse – Se és perfeito, vai, vende o que tens – mas – Se queres ser perfeito. E a razão dessa diferença é que, segundo Dionísio, a perfeição ativamente é própria ao bispo, como ao que aperfeiçoa; mas ao monge, só passivamente, como ao aperfeiçoado. Ora, é preciso ser perfeito quem deve conduzir os outros à perfeição; o que não se dá com quem deve ser conduzido à perfeição; Ora, é presunçoso quem se julga perfeito; mas não o é quem tende para a perfeição. – Segundo, porque quem entra para o estado de religião sujeita–se aos outros para ser guiado na vida espiritual, o que a todos é lícito. Por isso, diz Agostinho:– É uma louvável ocupação e que não pode ser impedida a ninguém o estudo para conhecer a verdade. Mas, quem ascende ao estado episcopal é elevado a uma situação em que deve dirigir os outros. E essa preeminência ninguém deve por si mesmo tomá–la, segundo aquilo do Apóstolo: Nenhum usurpa para si esta honra senão o que é chamado por Deus. E Crisóstomo diz: Não é justo nem útil ambicionar o primado da Igreja; pois, qual o homem prudente que queira espontaneamente se sujeitar a uma tal servidão e a um perigo tal de dar contas por toda a Igreja? Só talvez quem não temer o juízo de Deus e, abusando secularmente do primado eclesiástico, converter­se a si mesmo em secular.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A dispensação do trigo espiritual não deve ser feita ao arbítrio de qualquer; mas, principalmente, pelo arbítrio e disposição de Deus e, secundariamente, pelo arbítrio dos prelados superiores, da pessoa de quem diz o Apóstolo: Os homens devem nos considerar como uns ministros de Cristo e como uns dispensadores dos mistérios de Deus. Portanto, não se pode dizer que esconda o trigo espiritual aquele a quem a dispensação dele não foi confiada pelo seu cargo ou imposta pela ordem do superior, e que por isso se abstém de corrigir ou governar os outros. Só é culpado dessa omissão se descurar a dispensação que por dever lhe cabe, ou se pertinazmente se recusar a aceitar o encargo que se lhe comete. Por isso, diz Agostinho: O amor da verdade aspira a um santo repouso; mas, sendo necessário, a caridade aceita um justo trabalho. Mas essa carga, se ninguém nô–la impuser, devemos vacar à compreensão e à contemplação da verdade. Se nô–la impuserem porém, devemos aceitá–la por imposição da caridade.

RESPOSTA À QUARTA. – Gregório diz: Isaías quis ser enviado, mas antes viu os seus lábios purificados pelo carvão do altar; e isso nos mostra que ninguém deve se entregar ao santo ministério sem estar purificado. Mas, como é extremamente difícil sabermos se estamos purificado, o mais prudente é declinar o ofício da pregação.

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