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Art. 4 – Se a vida contemplativa consiste só na contemplação de Deus ou também na consideração de qualquer verdade.

O quarto discute–se assim. – Parece que a vida contemplativa não consiste só na contemplação de Deus, mas também na consideração de qualquer verdade.

1. – Pois, diz a Escritura: Maravilhosas são as tuas obras e a minha. alma o conhece muito. Ora, o conhecimento das obras divinas nós o conseguimos pela contemplação de alguma verdade. Logo, parece que à vida contemplativa pertence contemplar não só a divina verdade, mas qualquer uma.

2. Demais. – Bernardo diz, que a primeira contemplação é a admiração da majestade; a segunda, a dos juízos de Deus; a terceira, a dos seus benefícios; a quarta, a das suas promessas. Ora, destas quatro coisas, só a primeira respeita à divina verdade; as outras três dizem respeito a efeitos dela. Logo, a vida contemplativa não consiste só na contemplação da verdade divina, mas também na consideração da verdade relativamente aos efeitos divinos.

3. Demais. – Ricardo de S. Vitor distingue seis espécies de contemplação. A primeira, só fundada na imaginação, é a pela qual consideramos as coisas corpóreas. A segunda se funda na imaginação racional e por ela consideramos a disposição e a ordem das coisas sensíveis. A terceira se apoia na razão imaginativa, e é quando pelo exame das coisas visíveis nos elevamos às invisíveis. A quarta é a pela qual, apoiada na razão racional, a alma considera as coisas invisíveis, desconhecidas da imaginação. A quinta, superior à razão, é quando, pela divina revelação, conhecemos o que não pode a razão humana alcançar. A sexta, enfim, superior à razão e fora do seu alcance, quando, por iluminação divina, conhecemos o que parece repugnar à razão humana, como por exemplo, a doutrina do mistério da Trindade. Ora, só a última espécie é que tem como objeto a verdade divina. Logo, a contemplação da verdade não só recai sobre a verdade divina mas também sobre a que as criaturas manifestam.

4. Demais. – A vida contemplativa busca a contemplação da verdade, enquanto constitui uma perfeição do homem. Ora, qualquer verdade é uma perfeição do intelecto humano. Logo, a vida contemplativa consiste na contemplação de qualquer verdade.

Mas, em contrário, Gregório diz, que a contemplação tem por objeto Deus, como princípio.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos o que constitui a vida contemplativa pode constituí–la de dois modos: principalmente e secundária ou dispositivamente.

Principalmente, à vida contemplativa consiste na contemplação da verdade divina; pois, tal contemplação é o fim de toda a vida humana. Donde o dizer Agostinho: Pela contemplação de Deus é–nos prometida o fim de todas as atividades e a perfeição eterna da alegria. A qual será perfeita na vida futura, quando virmos a Deus face a face; e então ela nos tornará perfeitamente bem–aventurados. Nesta vida porém a nossa contemplação da verdade divina é imperfeita, como por um espelho, em enigmas; o que já nos constitui um começo de bem–aventurança, iniciada nesta vida e que continuará na futura. Por isso o Filósofo põe a felicidade última do homem na contemplação do ótimo inteligível.

Ora, pelos efeitos divinos somos levados à contemplação de Deus, segundo as palavras do Apóstolo: As coisas invisíveis de Deus se veem consideradas pelas obras que foram feitas. Por onde, também a contemplação dos divinos efeitos pertence secundariamente à vida contemplativa, enquanto nos conduz ao conhecimento de Deus. Por isso, diz Agostinho, que a consideração das criaturas não deve ser para nós o exercício de uma curiosidade vã e estéril; mas, um grau para nos elevar ao imortal e permanente. Assim pois, do sobredito se colige que, numa certa ordem, quatro coisas abrange a vida contemplativa: primeiro, as virtudes morais; segundo, outros atos, além da contemplação; terceiro, a contemplação dos efeitos divinos; quarto e complemento do mais a contemplação mesma da verdade divina.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Davi buscava conhecer as obras divinas, para por meio delas elevar–se até Deus. Por isso, noutro lugar diz: Tenho meditado em todas as tuas obras; meditava nas obras das tuas mãos; estendi as minhas mãos a ti.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A meditação nos juízos de Deus conduz o homem à contemplação da justiça divina. E considerando os benefícios de Deus e as suas promessas, o homem se eleva ao conhecimento da divina misericórdia ou bondade, quase por efeitos manifestados ou que o serão.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Essas seis espécies de contemplação designam os graus pelos quais, por meio das criaturas, subimos à contemplação de Deus. Assim, o primeiro grau consiste na percepção dos próprios sensíveis; o segundo, na ascensão dos sensíveis para os inteligíveis; o terceiro consiste em discernir os sensíveis pelos inteligíveis; o quarto, na consideração absoluta dos inteligíveis a que chegamos pelos sensíveis; o quinto, na contemplação dos inteligíveis que não podemos descobrir por meio dos sensíveis, mas que podemos apreender pela razão; o sexto, na consideração dos inteligíveis, que a razão não pode nem descobrir nem apreender e que constituem a sublime contemplação da divina verdade, complemento final da contemplação.

RESPOSTA À QUARTA. – A perfeição última do intelecto humano é a verdade divina; ao passo que as outras verdades aperfeiçoam o intelecto em ordem à verdade divina.

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