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Art. 3 – Se a vanglória é pecado mortal.

O terceiro discute–se assim. – Parece que a vanglória é pecado mortal.

1. – Pois, só o pecado mortal nos priva do prémio eterno. Ora, a vanglória exclui o prémio eterno, conforme à Escritura: Guardai–vos, não façais as vossas boas obras diante dos homens com o fim de serdes vistos por eles; doutra sorte não tereis a recompensa da mão de vosso Pai que está nos céus. Logo, a vanglória é pecado mortal.

2. Demais. – Quem se apropria do que a Deus pertence peca mortalmente. Ora, desejando a vanglória, atribuimo–nos o que pertence a Deus, conforme à Escritura: Eu não darei a outrem a minha glória. E, noutro lugar: A Deus só seja honra e glória. Logo, a vanglória é pecado mortal.

3. Demais. – Pecado mortal parece ser o mais perigoso e nocivo de todos. Ora, tal é o pecado da vanglória. Pois, àquilo do Apóstolo – Deus. que prova os nossos corações – diz a Glosa de Agostinho: O poder de fazer o mal, que tem o amor da glória humana, só o sente quem lhe declara a guerra; porque, embora nos seja fácil não desejar o louvor que nos é denegado, difícil porém nos é não nos comprazermos com o que nos tributam. E Crisóstomo também diz, que a vanglória infiltra–se–nos às ocultas e priva–nos insensivelmente de todos os bens que em nós existem. Logo a vanglória é pecado mortal.

Mas, em contrário, diz Crisóstomo: ao passo que os outros vícios dominam os escravos do diabo, a vanglória invade mesmo os servos de Cristo. Mas, nestes não há nenhum pecado mortal. Logo, a vanglória não é pecado mortal.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, é mortal todo pecado contrário à caridade. Ora, o pecado da vanglória, em si mesmo considerado, não contraria à caridade, quanto ao amor do próximo. Mas, relativamente ao amor de Deus, pode contrariá–la de dois modos. – De um, quanto à matéria de que nos gloriamos. Assim, se nos gloriamos de uma falsidade, contrária ao respeito devido a Deus, conforme aquilo da Escritura: O teu coração se elevou e tu disseste: Eu sou Deus. E noutro lugar: Que tens tu que não recebesses? Se porém, o recebeste, porque te glorias como se o não tivesses recebido? Ou, quando preferimos a Deus, o bem temporal de que nos gloriamos; o que a Escritura o proíbe: Não se glorie o sábio no seu saber, nem se glorie o forte na sua força, nem se glorie o rico nas suas riquezas; porém nisto se glorie aquele que se gloria, em conhecer–me e saber–me. Ou quando preferimos o testemunho humano ao de Deus; assim, contra certos diz a Escritura: Que amaram mais a glória dos homens do que a glória de Deus. – De outro modo, relativamente à pessoa mesmo que se gloria, que põe a sua intenção na glória, como se fosse um fim último, à qual ordenaria, ainda os atos virtuosos, não duvidando, para consegui–la, até mesmo praticar obras contrárias a Deus. – E então é pecado mortal. Por isso, diz Agostinho, que esse vício – o do amor dos louvores humanos – é tão inimigo da fé religiosa – no caso de abrigarmos no coração uma cobiça da glória maior que o temor ou o amor de Deus – que o Senhor disse: Como podeis crer vós–outros, que recebeis a glória uns dos outros e que não buscais a glória que vem só de Deus? – Mas, se o amor da glória humana, embora vã, contudo não repugna à caridade, nem quanto ao objeto da glória, nem quanto à intenção de quem a busca, não é pecado mortal, mas, venial.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Ninguém merece a vida eterna, pecando. Por onde, as nossas obras virtuosas deixam de merecer a vida eterna, quando praticadas por vanglória, mesmo se esta não for pecado mortal. Mas, a vanglória é pecado mortal quando em si mesma, e não só por um ato isolado, nos faz perder a vida eterna.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nem todos os desejosos da vangloria reclamam para si aquela excelência devida só a Deus. Pois, uma é a glória só a Deus devida e outra a devida ao homem virtuoso ou rico.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Diz–se que a vanglória é um pecado perigoso não só pela sua gravidade mesma, mas também por nos dispor para pecados graves, pois, ela nos torna presunçosos e demasiado confiantes em nós mesmos. E assim, também nos dispõe paulatinamente para sermos privados dos bens interiores.

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