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Art. 1 — Se a alma de Cristo tinha a onipotência.

O primeiro discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo tinha a onipotência.

1 — Pois, diz Ambrósio: O poder que o Filho de Deus tem naturalmente, o homem o teria num certo tempo. Ora, parece que isso se aplica sobretudo à alma, a parte mais importante do homem. Ora, como o Filho de Deus tinha a onipotência abeterno, parece que a alma de Cristo recebeu a onipotência no tempo.

2. Demais. — Como o poder de Deus é onipotente, assim também a sua ciência. Ora, a alma de Cristo tem de certo modo a ciência de tudo o que Deus sabe, como se disse. Logo, também tem o poder sobre tudo. E assim, é onipotente.

3. Demais. — A alma de Cristo tem a ciência total. Ora, das ciências, umas são práticas, outras especulativas. Logo, tem, daquilo que sabe, uma ciência prática, de modo que saiba que faz o que sabe. E assim, parece que pode fazer tudo.

Mas, em contrário. — O que é próprio a Deus não pode sê-lo a nenhuma criatura. Ora, é próprio de Deus ser onipotente, segundo aquilo da Escritura: Este é o meu Deus e eu o glorificarei; e depois acrescenta: Seu nome é onipotente. Logo, a alma de Cristo sendo uma criatura, não tem a onipotência.

SOLUÇÃO. — Como dissemos, no mistério, da Encarnação a união com a pessoa se fez sem destruir a distinção das naturezas, conservando cada natureza o que lhe é próprio. Ora, a potência ativa de um ser resulta-lhe da forma, que é o princípio de ação. Ora, a forma ou é a natureza mesma do ser, como nos simples; ou a constitui, como nos compostos de matéria e forma. Por onde, é manifesto que a potência ativa de todo ser resulta da natureza dele. E, deste modo, a onipotência resulta, como uma consequência, da natureza divina. Mas, sendo a natureza divina o ser mesmo incircunscrito de Deus, segundo o diz Dionísio, daí vem o ter ele a potência ativa em relação a tudo o que por essência é um ser - o que é ter a onipotência; assim, qualquer outro ser tem a potência ativa em relação ao que se estende a perfeição da sua natureza, como o corpo quente, ao aquecer. Ora, sendo a alma de Cristo parte da natureza humana, é lhe impossível ter a onipotência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O homem recebeu no tempo a onipotência, que o Filho de Deus tinha abeterno em virtude da união pessoal; donde resultava que, assim como o homem era Deus, também era onipotente. Não que a onipotência do homem seja diferente da do Filho de Deus, como não o é a divindade; mas, por ser uma só a pessoa de Deus e a do homem.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Certos dizem que não se pode atribuir à ciência o mesmo que se atribui à potência ativa; pois, a potência ativa resulta da natureza mesma do ser, porque a ação se considera como originária do agente. Ao passo que a ciência nem sempre resulta da essência mesma do ciente; mas pode ser adquirida pela assimilação do ciente com as causas sabidas, pelas semelhanças por ele recebidas. — Mas esta razão não é suficiente. Pois, se podemos conhecer mediante a semelhança recebida de outro, também podemos agir pela forma de outro recebida; assim, a água ou o ferro aquece pelo calor recebido do fogo. Mas isto não impede que, assim como a alma de Cristo, mediante as semelhanças de todas as coisas nela infundidas por Deus, pode conhecer tudo, assim também possa fazê-las, mediante essas mesmas semelhanças. — Por isso, devemos ainda considerar, ulteriormente, que o recebido, de uma natureza superior, por outra, inferior, o é ao modo da inferior; assim, a água não recebe o calor com â mesma perfeição que ele tem no fogo. Ora, a alma de Cristo, sendo de natureza inferior à natureza divina, as semelhanças das coisas não as recebe ela com a mesma perfeição e a mesma virtude com que existem em a natureza divina. Donde vem que a ciência da alma de Cristo é inferior à ciência divina, quanto ao modo de conhecer porque Deus conhece as coisas mais perfeitamente que a alma de Cristo; e também quanto ao número das coisas conhecidas, porque a alma de Cristo não conhece todas as causas que Deus pode fazer, as quais contudo Deus conhece pela ciência da simples inteligência; embora, a alma de Cristo conheça todas as coisas presentes, passadas e futuras, que Deus conhece pela ciência de visão. Semelhantemente, as semelhanças das coisas, infundidas na alma de Cristo, não igualam a ação do poder divino, de modo que possa fazer tudo o que Deus o pode; ou ainda, agir, do mesmo modo com que Deus age; o qual age pelo seu poder infinito, de que a criatura não é capaz. Ora, nenhum ser existe que, para ser conhecido, exija uma virtude de algum modo infinita, embora haja um modo de conhecer cujo poder é infinito, Mas, há certas coisas que só podem ser feitas por um poder infinito, como a criação e outras tais, segundo se colige do que dissemos na Primeira Parte, Por onde, a alma de Cristo que, sendo criatura, tem um poder finito, pode certo, conhecer tudo, mas não, omnimodamente, Assim não pode fazer tudo que essencialmente supõe a onipotência; e, quanto ao mais, é claro que não podia criar-se a si mesma.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A alma de Cristo tinha tanto a ciência prática como a especulativa; mas isso não implica que tivesse a ciência prática de tudo o de que tinha a especulativa. Pois, para se adquirir a ciência especulativa basta só a conformidade ou a assimulação do ciente com a coisa sabida. Ao passo que a aquisição da ciência prática exige que sejam factivas as coisas cujas formas estão no intelecto, Ora, mais é ter uma forma e imprimir essa forma em outro, que somente tê-la; assim como luzir e iluminar é mais que somente luzir. Donde vem que a alma de Cristo tem, por certo, a ciência especulativa de criar, pois, sabe como Deus cria; mas disso não tem a ciência prática, por não ter a ciência factiva da criação.

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