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Art. 3 — Se Cristo devia ensinar tudo publicamente.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não devia ensinar tudo publicamente. 

1. — Pois, como lemos no Evangelho, Cristo ensinou muitas coisas particularmente aos discípulos, como o demonstra o sermão da Ceia. Por isso refere o evangelista: O que se vos diz ao ouvido, publicai-o dos telhados. Logo, não devia ensinar tudo publicamente.
 
2. Demais. — As profundezas da sabedoria não devem ser transmitidas senão aos perfeitos, segundo aquilo do Apóstolo: Entre os perfeitos falamos da sabedoria. Ora, a doutrina de Cristo continha a profundíssima das sabedorias. Logo, não devia ser comunica da à multidão imperfeita.
 
3. Demais. — Ocultar uma verdade pelo silêncio é o mesmo que a envolver em palavras obscuras. Ora, Cristo ocultava a verdade que pregava as turbas, com a obscuridade das palavras; pois, não lhes falava sem parábolas, como diz o Evangelho. Logo, pela mesma razão, poderia ocultá-la com o silêncio.
 
Mas, em contrário, o próprio Cristo o proclamou: Eu nada disse em segredo.
 
SOLUÇÃO. — Quem ensina uma doutrina pode ocultá-la de três modos.  Primeiro, intencionalmente, quando tem a intenção não de a manifestar a muitos, mas antes, de ocultá-la. Oque de dois modos pode dar-se.  Às vezes, por inveja do docente, que querendo ser excelente pela sua ciência, não quer comunica-la aos outros. O que não se dava com Cristo, de cuja pessoa diz a Escritura: Eu a aprendi sem fingimento e a reparto com os outros sem inveja e não escondo as riquezas que ela encerra.  Outras vezes tal se dá por causa da inhonestidade das coisas ensinadas, como o diz Agostinho: Há certas coisas tão más que nenhum pudor humano pode suportá-las. Por isso, da doutrina dos heréticos diz a Escritura: As águas furtivas são mais doces. Ora, a doutrina de Cristo, como diz o Apóstolo, não foi de erro nem de imundície. Donde o dizer o Senhor: Porventura vem a lucerna, isto é, a doutrina verdadeira e honesta, para a meterem debaixo do alqueire? De outro modo, uma doutrina fica oculta quando exposta a poucos. E, nesse sentido, Cristo também nada ensinou ocultamente, porque propunha toda a sua doutrina ou a todo o povo ou a todos os seus discípulos em comum. Donde o dizer Agostinho: Falará ocultamente quem fala na presença de todos? Sobretudo que, se o faz a poucos, é que quer por meio desses ensinar a todos. Em terceiro lugar uma doutrina pode ser oculta quanto ao modo de ensinar. Assim, Cristo expunha certas coisas às turbas, ocultamente, usando de parábolas a fim de anunciar os mistérios espirituais, para cuja compreensão não eram idôneos nem dignos. E contudo era-Ihes melhor, mesmo assim, oculta em parábolas, ouvir a doutrina espiritual, do que ficarem de todo privadas dela. Mas a verdade patente e nua dessas parábolas o Senhor a expunha aos seus discípulos, por meio dos quais pudessem chegar a outros, que delas fossem capazes, segundo aquilo do Apóstolo: O que ouviste da minha boca diante de muitas testemunhas, entrega-o a homens fiéis, que sejam capazes de instruir também a outros. E é o que significa aquele lugar da Escritura, onde se manda aos filhos de Aarão envolver os vasos do Santuário, que os Levitas assim haveriam de levar.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Hilário, não lemos no Evangelho, que o Senhor costumasse pregar à noite ou ensinar a sua doutrina nas trevas; e quando o diz isso significa que todas as suas pregações eram trevas para os homens carnais e sua palavra, a noite para os infiéis. Por isso, o que disse quer que entre os infiéis, seja publicado entenda com a liberdade da fé e da pregação. - Ou, segundo Jerônimo, falava em sentido comparativo, porque os ensinava no país da Judia, pequeno relativamente a todo o mundo, no qual deveria publicar-se a doutrina de Cristo, pela pregação dos Apóstolos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O Senhor não manifestou, com a sua doutrina, toda a profundeza da sua sabedoria, nem às multidões nem ainda aos seus discípulos, a quem disse: Eu tenho ainda muitas coisas que vos dizer, mas vós não nas podeis suportar agora. Contudo, o que julgou digno de transmitir aos outros, da sua sabedoria, não o propôs às ocultas, mas publicamente, embora não fosse entendido por todos. Donde o dizer Agostinho: Quando oSenhor disse - falei publicamente ao mundo, é como se tivesse dito - muitos me ouviram. Mas não era público o seu ensino para quem não o entendesse.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O Senhor falava à multidão em parábolas, como se disse, porque ela não era digna nem capaz de receber a verdade plena, que expunha aos discípulos.  Quanto ao dito do Evangelho - não lhes falava em parábolas - ele se refere, segundo Crisóstomo, ao que pregava nessa ocasião; pois em outras ocasiões muitas outras coisas ensinou às turbas, sem parábolas.  Ou, segundo Agostinho, esse dito não significa que não explicasse nada com expressões apropriadas, mas que quase não deu nenhum ensinamento em que não se servisse de alguma parábola, embora empregasse então expressões claras. 
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