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Art. 1 — Se a Mãe de Deus foi virgem quando concebeu a Cristo.

 O primeiro discute-se assim. — Parece que a Mãe de Deus não foi virgem quando concebeu a Cristo.

1. — Pois, nenhum filho de pai e mãe é concebido de mãe virgem. Ora, o Evangelho não somente diz que Cristo teve mãe, mas também pai. Assim, no lugar: Seu pai e sua mãe estavam admirados daquelas coisas que dele se diziam. E mais adiante: Sabe que teu pai e eu te andávamos buscando cheios de aflição. Logo, Cristo não foi concebido de mãe virgem.
 
2. Demais. — O Evangelho prova que Cristo foi filho de Abraão e de Davi, pelo fato de ser José descendente de Davi; prova essa que seria nula se José não fosse o pai de Cristo. Donde se conclui que a mãe de Cristo concebeu-o do sêmen de José. E portanto, não foi virgem na sua conceição.
 
3. Demais. — O Apóstolo diz: Enviou Deus a seu filho, feito de mulher. Ora, no modo habitual de falar, chama-se mulher a que tem marido. Logo, Cristo não foi concebido de mãe virgem.
 
4. Demais. — Seres da mesma espécie são gerados do mesmo modo; pois, a geração, como todo movimento, se específica pelo seu termo. Ora, Cristo era da mesma espécie que os outros homens, segundo aquilo do Apóstolo: Fazendo-se semelhante aos homens e sendo reconhecido na condição, como homem. E, como os outros homens nasceu da união do homem com a mulher, resulte que Cristo foi também gerado do mesmo homem. Portanto, não foi concebido de mãe virgem.
 
5. Demais. — Toda forma natural corresponde a uma determinada matéria, separada da qual não pode existir. Ora, a matéria da forma humana é o sêmen do homem e o da mulher. Se, pois, o corpo de Cristo não foi concebido do sêmen do homem e da mulher, não foi verdadeiramente um corpo humano, o que é admissível. Logo, parece que não foi concebido de mãe virgem.
 
Mas, em contrário, a Escritura: Eis que uma virgem conceberá.
 
SOLUÇÃO. — Devemos confessar, absolutamente, que a Mãe de Cristo concebeu virgem. O contrário constituiu a heresia dos Elionitas e de Cerinto, que consideravam Cristo como puro homem e o tinham como nascido da união dos dois sexos. Ora, o ser Cristo concebido de uma virgem foi conveniente por quatro razões. — Primeiro, para conservar a dignidade do Pai, que o enviou. Pois, sendo Cristo, natural e verdadeiramente, Filho de Deus, não era conveniente tivesse outro pai, que Deus, a fim de não se transferir para outro a dignidade de Deus. — Segundo, tal convinha à propriedade do Filho mesmo, que é enviado. O qual é o Verbo de Deus. Ora, o Verbo é concebido sem nenhuma corrupção da mente; ao contrário, a corrupção da mente não se compadece com a concepção do verbo perfeito. Sendo, pois, a carne assumida pelo Verbo de Deus para ser a sua carne, era conveniente fosse também ela concebida sem a corrupção da mãe. — Em terceiro lugar tal convinha à dignidade humana de Cristo, na qual não devia haver lugar para o pecado, pois devia tirar o pecado do mundo, segundo aquilo do Evangelho: Eis o Cordeiro de Deus, isto é, o inocente, que tira o pecado do mundo. Ora, na natureza já corrupta pelo concúbito, a carne não podia deixar de ficar contaminada pelo pecado original. Por isso, diz Agostinho: No matrimônio de Maria e de José não houve o concúbito nupcial; pois, na carne do pecado este não pode ter lugar sem a concupiscência resultante do pecado; ora, Deus quis que fosse concebido sem ela aquele que devia ser sem pecado. - Quarto, por causa do fim mesmo da encarnação de Cristo. que foi fazer os homens renascerem filhos de Deus, não da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus, isto é, pelo poder de Deus. E exemplar disso devia ser a concepção mesma de Cristo. Por isso diz Agostinho: Devia o nosso chefe, por um insigne milagre, nascer, segundo o corpo, de uma virgem, para significar que os seus membros deviam nascer, segundo o espírito, da Igreja virgem.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.  Diz Beda: O pai do Salvador foi chamado José, não por ter este sido, realmente, o seu pai, como ensinam os Focinianos; mas, para conservar-se a pureza de Maria, os homens o consideraram como pai. Por isso o Evangelho diz: Filho, como se julgava, de José. — Ou, como diz Agostinho, José é chamado pai de Cristo, do mesmo modo porque é considerado esposo de Maria: sem conjunção carnal, só por uma união conjugal espiritual; o que o une mais estreitamente a Cristo do que o faria uma simples adoção. Mas nem por isso, pelo não ter gerado carnalmente, devia José ser menos considerado pai de Cristo; pois, poderá ser pai mesmo se tivesse adotado quem não tivesse sido nascido de sua esposa.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Jerônimo, embora José não seja o pai do Salvador e Senhor, contudo a ordem da sua geração se estende até José, primeiro, por não ser costume das Escrituras incluir as mulheres na ordem das gerações.  Segundo, porque José e Maria eram da mesma tribo. E por isso está obrigado pela lei a recebê-la, como parenta.  E, como diz Agostinho, a ordem das gerações devia ser conduzida até José, para que não houvesse, nesse casamento, injúria ao sexo, em definitivo, mais nobre; sem nenhum detrimento para a verdade, porque tanto José como Maria eram da raça de Deus.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz a Glosa, o Apóstolo usou da palavra mulher, em vez de feminina, ao modo de falar dos Hebreus. Pois, no uso comum da língua hebraica, mulher significa toda pessoa do sexo feminino, e não a que perdeu a virgindade.
 
RESPOSTA À QUARTA. — O fato aduzido na objeção não se dá senão com os seres procedentes por via da natureza; porque a natureza, assim como é determinada a um só efeito, assim também o é a um só modo de produzi-lo. Mas o poder sobrenatural divino, sendo infinito, assim como não é determinado a um só efeito, assim também não o é ao modo de produzir qualquer efeito. Por onde, assim como o poder divino foi capaz de formar o primeiro homem do limo da terra, assim também o foi, de formar o corpo de Cristo, de uma virgem, sem cooperação masculina.
 
RESPOSTA À QUINTA. — Segundo o Filósofo, o sêmen masculino não exerce a função de matéria na concepção carnal, mas só a de agente; pois, é a fêmea que subministra a matéria para a concepção. Por onde, não tendo havido o sêmen masculino na concepção do corpo de Cristo, daí não se segue que lhe tivesse faltado a matéria devida.  Se porém o sêmen masculino fosse a matéria do feto animal concebido, é manifesto que não é matéria sempre dotada da mesma forma, mas, transmutada. E como a virtude natural não transmuda para uma certa forma senão uma determinada matéria, contudo o poder divino, que é infinito, pode dar a toda matéria qualquer forma. Por onde, assim como transformou o limo da terra no corpo de Adão, assim também pode transmutar no corpo de Cristo a matéria ministrada pela mãe, mesmo se essa não fosse matéria suficiente para a concepção natural.
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