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Art. 10 – Se a justificação do ímpio é obra milagrosa.

 (I, q. 105, a. 7, ad 1; II Sent., dist. XVIII, q. 1, a. 3 ad 2; IV, dist. XVII, q. 1, a. 5).


O décimo discute-se assim. – Parece que a justificação do ímpio é obra milagrosa.

1. – Pois, as obras milagrosas são maiores que as não milagrosas. Ora, a justificação do ímpio é maior obra que as outras, que são milagrosas, como claramente o diz Agostinho no lugar referido. Logo, a justificação do ímpio é uma obra milagrosa.

2. Demais. – O movimento da vontade está na alma, como a inclinação natural, nos seres da natureza. E só operando milagrosamente é que Deus age sobre os seres naturais, contra a inclinação da natureza. Assim, quando dá a vista a um cego ou ressuscita um morto. Ora, a vontade do ímpio tende para o mal. Por onde, como Deus, ao justificar o homem, move-o para o bem, parece que a justificação do ímpio é milagrosa.

3. Demais. – Como a sabedoria, também a justiça é um dom de Deus. Ora, por milagre é que alguém subitamente e sem estudo, recebe de Deus a sabedoria. Logo, milagrosamente é o ímpio justificado por Deus.

Mas, em contrário. – As obras milagrosas são superiores ao poder natural. Ora, justificação do ímpio não o é, pois, diz Agostinho: O homem, por natureza, pode ter tanto a fé como a caridade; mas os fiéis, pela graça, é que tem a fé, como a caridade. Logo, a justificação do ímpio não é milagrosa.

SOLUÇÃO. – Costuma-se distinguir três elementos nas obras milagrosas. – Um, dependente do poder do agente, é que só o poder divino pode fazer milagres. Por isso, estes nos surpreendem de todo, como tendo uma causa oculta, conforme já dissemos na Primeira Parte. E assim, tanto a justificação do ímpio, como a criação do mundo e, universalmente, todas as obras que só a Deus cabe fazer, podem chamar-se milagrosas.

Em segundo lugar, em certas obras milagrosas, se dá que a forma impressa é superior ao poder natural da matéria de que se trata. Assim, na ressurreição de um morto, a vida excede o poder natural do corpo ressurreto. E a este respeito, a justificação do ímpio não é milagrosa, por ser naturalmente a alma capaz da graça. Pois, no dizer de Agostinho, por isso mesmo que é feita à imagem de Deus, a graça a torna capaz de ver a Deus.

Em terceiro lugar, há, nas obras milagrosas, algo de contrário à ordem habitual e ordinária, segundo a qual a causa produz o efeito. Assim, quando um doente adquire subitamente a saúde perfeita, contra o curso habitual da cura, operada pela natureza ou pela arte. E então, a justificação do ímpio é, ora, milagrosa e, ora, não. Pois, o curso comum e habitual da justificação é que Deus, movendo interiormente a alma, o homem se lhe converta, primeiro, por uma conversão imperfeita, que, depois, vem a ser perfeita. Pois, a caridade começada merece ser aumentada para que, assim, mereça chegar à perfeição, como diz Agostinho. Outras vezes, porém, Deus move a alma tão veementemente, que ela de pronto chega a uma certa perfeição da justiça. Tal se deu com a conversão de Paulo, em que ele, por milagre, ficou até mesmo exteriormente prostrado; e por isso a sua conversão é comemorada pela Igreja como milagrosa.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Embora certas obras milagrosas sejam, quanto ao bem que encerram, menores que a justificação do ímpio, contrariam, contudo, a ordem habitual de tais efeitos. E portanto, constituem, mais que os outros, milagres.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Não há milagre sempre que um ser natural se move, contra a sua inclinação; do contrário, seria milagre o aquecer-se a água ou uma pedra ser atirada para cima. Milagre há quando um efeito se realiza, contra a ordem regular da causa própria, que, por natureza, o produz. Ora, nenhuma outra causa há da justificação do ímpio, senão Deus, assim como só o fogo é a causa do aquecimento da água. Portanto, a esta luz, a justificação do ímpio não é milagrosa.

RESPOSTA À TERCEIRA. – É natural ao homem adquirir a sabedoria e a ciência, de Deus, por meio do seu engenho e estudo próprios. Por isso, há milagre quando, por outro modo, o homem se torna sapiente ou sábio. Ao passo que não lhe é natural adquirir, por operação própria, a graça justificante, senão por ação de Deus. Logo, os casos não são semelhantes.
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