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Art. 5 ─ Se a auréola é devida à virgindade.

Parece que a auréola não é devida à virgindade.

1. ─ Pois, quanto mais difícil é uma obra tanto maior prêmio merece. Ora, maior dificuldade têem as viúvas em se absterem dos prazeres carnais, que as virgens; e Jerônimo diz, que quanto maiores dificuldades sofre um em se abster de prazeres ilícitos, tanto maior é o prêmio, e isso o diz quando faz o elogio da viuvez. E o Filósofo também ensina, que a mulher que já não é virgem tem mais veemente desejo carnal pela imaginação do prazer gozado. Logo, a auréola, que é o máximo dos prêmios, é devido antes às viúvas que às virgens.

2. Demais. ─ Se à virgindade fosse devida a auréola, à perfeitíssima das virgindades seria devida a máxima das auréolas. Ora, a virgindade da S.S. Virgem é de todas a mais excelente, sendo por isso chamada a Virgem das virgens. E contudo não lhe é devida nenhuma auréola, porque não lhe custou nenhuma luta a continência, pois não foi contaminada pela corrupção da concupiscência. Logo, à virgindade nenhuma auréola é devida.

3. Demais. ─ O que não é digno, em todo tempo, de louvor não lhe é devido um prêmio excelente. Ora, não seria digno de louvor conservar a virgindade no estado da inocência primitiva, porque então era de preceito o crescei e multiplicai-vos e enchei a terra. Mas também não o seria sob a vigência da Lei, que amaldiçoava as estéreis. Logo, nenhuma auréola é devida à virgindade.

4. Demais. ─ Não é devido o mesmo prêmio à virgindade conservada e à perdida. Ora, à virgindade perdida é às vezes devida uma auréola; assim, se uma virgem foi, contra a sua vontade, prostituída por um tirano, por ter confessado o nome de Cristo. Logo, nenhuma auréola é devida à virgindade.

5. Demais. ─ Prêmio excelente não é devido ao que por natureza o temos. Ora, virgem todo indivíduo o é quando nasce, bom ou mau. Logo, a auréola não é devida à virgindade.
 
6. Demais. ─ Assim está a viuvez para o fruto de sessenta por um, como a virgindade para o de cem por um e para a auréola. Ora, não a qualquer viúva é devido o fruto de sessenta por um, mas só a que fez voto de viuvez, como certos dizem. Logo, parece que também não é devida a auréola a qualquer virgem, mas só à virgindade observada por voto.

7. Demais. ─ Um prêmio não pode ser necessariamente conferido porque todo mérito depende da vontade. Ora, alguns são necessariamente virgens, como os impotentes e os eunucos. Logo, nem sempre é devida a auréola à virgindade.

Mas, em contrário, aquilo da Escritura ─ Farás sobre esta outra pequena coroa de ouro ─ diz a Glosa: A essa coroa concerne o cântico novo que as Virgens cantam na presença do Cordeiro, i. é, os que seguem o Cordeiro para onde quer que ele vá. Logo, o prêmio devido à virgindade se chama auréola.
 
2. Demais. ─ A Escritura diz: Eis aqui o que diz o Senhor aos eunucos. E acrescenta: Dar-lhe-eis um nome ainda melhor do que o que dão os filhos e as filhas. Ao que diz a Glosa: Significa uma glória própria e excelente. Ora, os eunucos, que a si mesmo se castraram por amor do reino dos céus, designam as virgens. Donde portanto se colhe que à virgindade é devido um prêmio excelente, e chamado auréola.

SOLUÇÃO. ─ A quem ganhou uma vitória sobreexcelente lhe é devida uma coroa especial. Ora, pela virgindade ganhamos uma vitória excepcional sobre a carne, contra a qual temos luta constante, conforme aquilo do Apóstolo ─ o espírito deseja contra a carne, etc. Por isso à virgindade é devida uma coroa especial chamada auréola. E isto todos em geral admitem. Mas a que espécie de virgindade seja devida a auréola, nem todos o explicam do mesmo modo.

Assim, uns dizem que a auréola é devida à virgindade atualmente observada. Por onde, aquela que atualmente observa a virgindade terá uma auréola, se for do número dos que hão de salvar-se. ─ Mas isto não é admissível. Porque então as que tinham vontade de casar, mas morreram antes de o poder fazer, teriam auréola.

Por isso dizem outros que a auréola é devida ao estado e não ao ato; de modo que só merecem a auréola de virgem as que se comprometeram por voto a viver em estado de perpétua virgindade. ─ Mas também isto não é admissível, porque por um mesmo ato de vontade pode um conservar a virgindade sem fazer voto dela e outra, tendo-o feito.
 
Por onde podemos, de outro modo, dizer que o mérito a todo ato de virtude é devido quando praticado sob o império da caridade. Ora, a virgindade constitui genericamente um ato de virtude, enquanto resulta de uma eleição a incorrupção perpétua da alma e do corpo, como se colhe do sobre dito. Por onde, só aqueles propriamente é devida a auréola de virgem que tiveram o propósito de conservar perpetuamente a virgindade, quer confirmassem esse propósito por voto, quer não. E isto digo, considerando-se a auréola no seu sentido próprio, como um prêmio retribuído ao mérito; embora esse propósito ter sido quebrado, contanto que a integridade do corpo perdure até o fim da vida, porque se a virgindade da alma pode separar-se, não o pode a do corpo.

Se porém tomarmos a virgindade em sentido lato, por qualquer prêmio que na pátria tenhamos, além do prêmio essencial, então aos de corpo incorrupto será devida a auréola, mesmo se não formaram o propósito de viver em perpétua virgindade. Pois, não há nenhuma dúvida que os virgens se alegrarão por ter conservado um corpo incorrupto, assim como os inocentes por terem sido imunes do pecado, embora pudessem não ter a oportunidade de o cometer, como no caso das crianças batizadas. Esta não é porém a acepção própria, mas a comum da auréola.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Praticando a continência sustentam luta maior, de certo modo, as virgens, e de certo outro, as viúvas, em igualdade de condições. Assim, as virgens a concupiscência as inflama bem como o desejo da experiência, que procede de uma certa curiosidade, que nos leva a ver de melhor grado o que nunca vimos. Além disso, aumenta-lhes a concupiscência o imaginar um prazer maior que o da realidade, sem levar em conta os incômodos que acompanham ao prazer da carne. E por aí as viúvas sustêm luta menor; maior, porém, pela lembrança dos prazeres que já gozaram. Demais, nos diversos indivíduos, essas cousas podem se neutralizar umas às outras, segundo as diversas disposições e condições de cada um. Assim, uns são movidos de preferência por uma causa e outros, por outra. Seja porém o que for da intensidade da luta, uma cousa é certa: mais perfeita é a vitória das virgens que a das viúvas; pois, o perfeitíssimo gênero de vitória e o mais belo é nunca ter cedido ao inimigo. Ora, a coroa não é devida à luta, mas à vitória depois da luta.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ Há, nesta matéria, dupla opinião. ─ Uns dizem que a S.S. Virgem não tem auréola, como prêmio da virgindade, tomando-se auréola no sentido próprio, no qual supõe a luta. Tem contudo mais que a auréola, pelo seu perfeitíssimo propósito de conservar a virgindade. ─ Outros porém dizem que tem uma auréola, e excelentíssima, mesmo considerando a auréola no seu sentido próprio. Pois, embora não experimentasse nenhuma luta, teve contudo alguma luta da carne, mas a grandeza da sua virtude trazia-lhe a carne de tal modo submissa, que era insensível a tais lutas. Mas esta opinião é inadmissível. Porque, crendo que a S.S. Virgem foi totalmente imune da inclinação da concupiscência, pela sua santidade perfeita, encontra a piedade admitir que tivesse qualquer luta com a carne; pois, essa luta não é senão por causa da inclinação da concupiscência de um lado, e, de outro, pode a tentação da carne ser desacompanhada de pecado, como se vê pela Glosa aquilo do Apóstolo ─ Permitiu Deus que eu sentisse na carne um estímulo, etc. ─ Por onde, devemos responder que a S.S. Virgem tem propriamente uma auréola, conformando-se assim a todos os outros membros da Igreja, que foram virgens. E embora não tivesse de sustentar nenhuma luta contra as tentações da carne, teve porém de lutar contra as tentações do inimigo, que não respeitou nem ao próprio Cristo, como o refere o Evangelho.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ A virgindade não é devida a auréola, senão enquanto acrescenta uma excelência aos outros graus de continência. Assim, se não tivesse Adão pecado, a virgindade não acrescentaria nenhuma perfeição à continência conjugal, porque então seria por todos tratados com, honra o matrimônio e o leito sem mácula, por não implicar a mácula da concupiscência. E então não haveria necessidade de conservar a virgindade, nem lhe seria devida nenhuma auréola. Mas, uma vez mudada a condição da natureza humana, a virgindade tem uma honra especial. Por isso recebe um prêmio especial. ─ Mas no tempo da lei de Moisés, quando o ato carnal tinha por fim procriar filhos, que perpetuassem o culto divino, não era de nenhum modo louvável a abstenção da união sexual. Nem ao propósito da virgindade será conferido um prêmio social, senão o tivesse sugerido uma inspiração divina. Como o cremos de Jeremias e de Elias, dos quais a Escritura não refere que tivessem casado.

RESPOSTA À QUARTA. ─ A virgem vítima de uma violência nem por isso perde a sua auréola, contanto que conserve inviolável o propósito de permanecer sempre virgem, de nenhum modo consentindo na violência que lhe foi feita. Pois, assim, não perde a sua virgindade. E isto digo, quer tenha sido violentada como castigo à sua constância na fé, ou por qualquer outra causa. Se porém o foi por defender a sua fé, isso lhe redundará em mérito e constituirá um gênero especial de martírio. Assim se explica o dito de Lúcia: Se me fizeres violência à vontade, dupla coroa receberá a minha castidade. Não que viesse a receber duas auréolas de virgindade, mas porque ganharia duplo prêmio ─ um por ter guardado a virgindade, outro pela violência sofrida. ─ E dado que uma virgem assim violentada viesse a conceber, nenhum detrimento Isso lhe causaria à virgindade. Mas nem por isso se equipararia à Mãe de Cristo, que teve com a integridade da alma também a do corpo.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Todos nascemos virgens pelo que a virgindade tem de material. Mas o propósito de a conservar perpetuamente, donde lhe nasce o mérito, não é inato em nós, mas é um dom da graça divina.

RESPOSTA À SEXTA. ─ Não a qualquer viúva é devido o fruto de sessenta por um, mas só à que conserva o propósito de permanecer viúva, embora de viuvez não tenha feito voto, como já o dissemos a respeito da virgindade.

RESPOSTA À SÉTIMA. ─ Os impotentes e os eunucos que tiverem a vontade de conservar virgindade perpétua, mesmo se pudessem realizar a conjunção carnal, devem considerar-se como virgens e merecem a auréola; fazem assim da necessidade virtude. Mas se tivessem a vontade de casar, se o pudessem, já não merecem a auréola, Por isso diz Agostinho: Aqueles que, como os eunucos, tem a faculdade genésica debilitada e não podem gerar, desde que se tornem cristãos e guardem os preceitos de Deus, embora tenham o propósito de casar, se o pudessem, devem ser considerados como fiéis casados.

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