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Art. 3 ─ Se as orações, que os santos fazem por nós a Deus, são sempre ouvidas.

O terceiro discute-se assim. ─ Parece que as orações, que os santos fazem a Deus, por nós nem sempre são ouvidas.

1. ─ Pois, se fossem sempre ouvidas, sê-lo-iam sobretudo quando as fazem em seu próprio favor. Ora, tal não se dá, e por isso refere a Escritura que aos mártires, pedindo vingança, dos habitantes da terra, foi-lhes dito que repousassem ainda um pouco de tempo até que se completasse o número dos seus conservas. Logo e com maior razão, as orações dos santos nem sempre são ouvidas quando pedem pelos outros.

2. Demais. ─ A Escritura diz: Ainda que Moisés e Samuel se pusessem diante de mim, não está a minha alma com este povo. Logo, os santos nem sempre são ouvidos quando pedem por nós a Deus.

3. Demais. ─ Os santos, na pátria, serão como os anjos de Deus, na frase do Evangelho. Ora, os anjos nem sempre são ouvidos nas suas orações a Deus. O que se conclui do seguinte lugar da Escritura: Eu vim por teus rogos; e o príncipe do reino dos Persas me resistiu por vinte e um dias. Ora, o anjo que falava não viria em auxílio de Daniel, senão depois de ter pedido a Deus a sua libertação. Contudo, a sua oração não foi ouvida. Logo, nem os outros santos são sempre ouvidos quando pedem a Deus por nós.
 
4. Demais. ─ Quem na sua oração pede alguma cousa de certo modo a merece. Ora, os santos na pátria não estão em estado de merecer. Logo, não podem por suas orações pedir nada a Deus por nós.

5. Demais. Os santos conformam em tudo a sua vontade com a de Deus. Logo, não querem senão o que sabem que Deus quer. Ora, ninguém pede senão o que quer. Portanto, não pedem os santos senão o que sabem que Deus quer. Ora, a vontade de Deus se cumpre mesmo que eles não lh'o pedissem. Logo, as orações dos santos não são eficazes para obter nada.
 
6. Demais. ─ As orações de toda a corte celeste, se pudessem obter algo de Deus, seriam mais eficazes que todas as orações da Igreja terrestre. Ora, seria totalmente liberada das penas do purgatório a alma pela qual a Igreja fizesse reiteradas orações. Logo, como os santos, na pátria, oram pelas almas do purgatório, pela mesma razão por que oram por nós, se tiverem ouvidas as orações que fazem por nós, se tiverem pelas orações deles as almas do purgatório ficariam totalmente liberadas das suas penas. O que é falso, porque então os sufrágios da Igreja pelos defuntos seriam supérfluos.

Mas, em contrário, a Escritura: este é Jeremias, profeta de Deus, que ora muito pelo povo e por toda a santa cidade. E que a sua oração foi ouvida, conclui-se da sequência do texto: Ao mesmo tempo estendera Jeremias a mão e dera a Judas uma espada de ouro, dizendo ─ Toma esta santa espada como um presente que Deus te faz, etc.

2. Demais. ─ Jerônimo escreve: Dizes no teu libelo, que enquanto vivemos, podemos orar um pelo outro; mas depois de morto, ninguém é ouvido nas suas orações por terceiros. O que a seguir assim refuta: Se os Apóstolos e os mártires, enquanto ainda vivem neste mundo, preocupados com a sua sorte, podem orar pelos outros, quanto mais depois de coroados, pelas suas vitórias e triunfos?

3. Demais. ─ É costume da Igreja pedir frequentemente que os santos nos ajudem com as suas orações.

SOLUÇÃO. ─ De dois modos podemos dizer que os santos oram por nós. Expressamente, implorando a clemência divina em nosso favor com os seus votos. Ou interpretativamente, pelos seus méritos, que sempre presentes diante de Deus, não somente lhes redundam em glória, mas também fervem de sufrágios e orações em nosso favor. No mesmo sentido dizemos, que o sangue de Cristo, derramado por nós, pede perdão por nós. Ora, de ambos os modos, as orações dos santos são por si mesmas eficazes para alcançar o que pedem. Mas, da nossa parte, podem falhar e podemos não colher o fruto dessas orações, que fazem por nós pelo fato de poderem os seus méritos nos aproveitar. Mas, quando oram por nós, pedindo a Deus em nosso favor, com os seus votos, as suas orações sempre são ouvidas. Porque não querem senão o que Deus quer nem pedem senão o que quer Deus que se cumpra. Ora, o que Deus quer sempre se cumpre. Salvo se nos referimos à sua vontade antecedente, pela qual quer que todos os homens se salvem ─ o que nem sempre se realiza. Por onde, não é para admirar se também o que os santos querem com esse modo de querer, nem sempre se realize.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Essa oração dos mártires outra cousa não é senão o desejo de receber as vestimentas do seu corpo e de serem incorporados na sociedade dos que se salvarão; e o consentimento com que aderem à divina justiça primitiva dos maus. Por isso, àquilo da Escritura ─ Até quando, Senhor, etc. ─ diz a Glosa: Desejam maior glória e a companhia dos santos, pois que consentem na justiça de Deus.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O Senhor aí se refere a Moisés e a Samuel, conforme ao estado em que viveram nesta vida. Pois, como refere a Escritura, aplacaram a cólera divina com as suas orações pelo povo. Mas se tivessem vivido no tempo de Jeremias não poderiam com suas orações aplacar a ira de Deus contra o povo, por causa da malícia deste. Tal o sentido do lugar citado.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ Essa luta dos anjos bons não se entende no sentido em que fizessem a Deus orações contrárias, mas como significando que expunham ao exame divino os méritos contrários das diversas partes e esperavam a sentença divina. Assim o explica Gregório expondo as referidas palavras de Daniel: Os espíritos superiores, diz, constituídos príncipes das nações, de nenhum modo combatem pelos que procedem injustamente, mas lhes discernem os atos julgando com justiça. E quando a culpa ou a justiça de um determinado povo é levada ao conselho da corte suprema, do anjo preposto a esse povo dizemos que ganhou ou perdeu na luta. Contudo, todos ganham a mesma vitória pela submissão à vontade suprema do Criador. Como tem os olhos sempre voltados para ela o que de nenhum modo podem obter de nenhum modo querem. Por isso nem o pedem. Donde também se conclui que as suas orações são sempre ouvidas.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Embora os santos não possam mais merecer para si, depois de estarem na pátria, podem contudo merecer para os outros; ou antes, pelos seus méritos anteriores podem-nos socorrer. Pois, enquanto ainda viviam, mereceram de Deus, que lhes ouvisse as orações, depois da morte. ─ Ou podemos responder que a oração merece, por uma causa, e é eficaz por outra. Pois, o mérito consiste numa certa adequação entre um ato com o fim que visa, e que lhe constitui como a recompensa. Ora, o pedido da oração se funda na liberalidade de aquele a quem é feita; assim às vezes obtemos da liberalidade, de aquele a quem pedimos, o que contudo não merecíamos. E assim, embora os santos estejam num estado em que não podem mais merecer, daí contudo não se segue que não possam obter o que pedem.

RESPOSTA À QUINTA. ─ Como resulta do lugar citado de Gregório, os santos e os anjos não querem senão o que vêem como querido pela vontade divina; e assim nada mais que isso pedem. Nem por isso lhes é porém infrutífera a oração; porque, como diz Agostinho, as orações dos santos aproveitam aos predestinados, por ter sido talvez preordenado que estes se salvassem pelas orações desses intercessores. E assim, também Deus quer que as orações dos santos alcancem aquilo que vêem que Deus quer.

RESPOSTA À SEXTA. - Os sufrágios da Igreja pelos defuntos são umas como satisfações dadas pelos vivos, em lugar dos mortos. Por isso estes ficam liberados das penas que ainda não cumpriram. Ora, os santos na pátria não mais podem satisfazer. Não há, pois, símil entre as orações deles e os sufrágios da Igreja.

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