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Art. 2 ─ Se na alma separada subsistem também os atos das potências sensitivas.

O segundo discute-se assim. ─ Parece que na alma separada subsistem também os atos das potências sensitivas.

1. ─ Pois, diz Agostinho: A alma separada do corpo é susceptível de felicidade e de pena, segundo o seu mérito, mediante a imaginação, concupiscível e o irascível. Ora, a imaginação, concupiscível e o irascível são potências sensitivas. Logo, a alma separada pode ser afetada nas suas potências sensitivas e portanto, depois da morte, nela subsistem os atos dessas faculdades.

2. Demais. ─ Agostinho diz, que não sente o corpo, mas a alma por meio dele. E ainda: Certas sensações tem a alma, como o temor e outras, independentes do corpo e, portanto, sem a mediação dele. Ora, o que convém à alma separada do corpo pode nela subsistir no estado de separação. Logo, a alma pode sentir atualmente.

3. Demais. ─ Ver as semelhanças dos objetos, como as vemos no sono, só pode sê-la por uma visão imaginária, cuja sede é a parte sensitiva. Ora, ver essas semelhanças dos corpos, como se dá no sono, a alma separada o pode. Por isso diz Agostinho: Se a alma tem a semelhança do seu corpo, como vários o narraram, quando o corpo está deitado num leito de dores, a ponto de exalar o último suspiro e privado de toda sensibilidade, não vejo porque não teria dele a imagem a alma totalmente separada pela morte. Ora, não podemos compreender que a alma conserve a imagem do corpo, senão pela visão material. Por isso Agostinho disse antes, dos que jazem sem sentidos: Conservam uma certa imagem do seu corpo pela qual podem transportar-se para lugares afastados e sentirem as mesmas sensações como se vissem as causas. Logo, a alma separada pode exercer os atos das potências sensitivas.

4. Demais. ─ A memória é uma potência da parte sensitiva, como o prova Aristóteles. Ora, as almas separadas terão a lembrança atual do que fizeram neste mundo. Assim ao rico que se banqueteava diz o Evangelho: Lembra-te que recebeste os teus bens em tua vida. Logo, a alma separada exercerá os atos da potência.

5. Demais. ─ Segundo o Filósofo, o irascível e o concupiscível pertencem à parte sensitiva. Ora, o irascível e o concupiscível são as sedes da alegria e da tristeza, do amor e do ódio, do temor e da esperança e de outros afetos, que a fé nos autoriza a atribuir às almas separadas. Logo, as almas separadas não ficarão privadas dos atos das potências sensitivas.

Mas, em contrário. O que é comum à alma e ao corpo não pode permanecer na alma separada. Ora, todas as operações das potências sensitivas são comuns à alma e ao corpo; o que se conclui do fato de nenhuma potência sensitiva poder exercer os seus atos senão mediante um órgão corpóreo. Logo, a alma separada estará privada dos atos das potências sensitivas.

2. Demais. ─ O Filósofo diz, que desaparecido o corpo, a alma não pode mais lembrar-se nem amar. E o mesmo se dará com todos os outros atos das potências sensitivas. Logo, não pode a alma separada exercer qualquer ato das potências sensitivas.

SOLUÇÃO. ─ Certos distinguem um duplo ato das potências sensitivas: os externos, que a alma exerce mediante o corpo e não subsistem na alma separada; e os internos, que a alma exerce por si mesma e existirão nela quando separada do corpo. Essa opinião parece provir da doutrina de Platão, que ensinava estar a alma unida ao corpo como uma substância perfeita em nada dependente dele, como um motor está unido ao móvel; e prova disso é a metempsicose, que admitia. Mas como, na sua opinião, só o movido move, dizia, para não proceder ao infinito, que o motor primeiro a si mesmo se move, e ensinava que a alma se movia a si própria. Há assim dois movimentos na alma: O pelo que a si mesmo se move e o pelo qual move o corpo. Assim a alma exerce, p. ex., o ato da visão, primeiro em si mesma, enquanto se move; e segundo, num órgão corpóreo, enquanto move o corpo.

Mas o Filósofo refuta essa opinião, mostrando que a alma não se move a si mesma, e que de nenhum modo é movida por atos tais como ver, sentir e outros; e que esses atos são movimentos só do composto. Donde devemos concluir, que os atos das potências sensitivas de nenhum modo subsistem na alma separada, senão talvez como na sua raiz remota.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ─ Certos negam seja essa obra de Agostinho, e pensam ter sido composta por um Cisterciense, que a compilou com palavras de Agostinho, acrescentando algo de seu. Por isso o que nele se diz não constitui autoridade. ─ Mas se tal autoridade lhe deva ser atribuída, é nosso sentir que não devemos entender as palavras citadas como significando, que a alma separada exerce atos pela imaginação e pelas outras potências sensíveis, como pertencentes a essas potências. Mas no sentido em que os atos operados por ela no corpo, com o auxílio da imaginação e das potências sensíveis, esses mesmos a afetam, para seu bem ou para seu mal, na vida futura. De modo que essas faculdades sensitivas, como a imaginação, não produzem as sensações da alma, senão só as obras corpóreas que as merecem.

RESPOSTA À SEGUNDA. ─ O dizer Agostinho que a alma sente mediante o corpo, não significa que o ato de sentir seja peculiar à alma isoladamente, mas que pertence ao composto em razão da alma, pelo mesmo modo de falar com que dizemos que o calor aquece. Quanto ao que acrescenta, que a alma sente certas cousas, como o temor e outras, devemos entendê-lo sem o movimento exterior do corpo, que acompanha os atos próprios dos sentidos; pois, o temor e paixões semelhantes não se exercem sem ser acompanhados do movimento do corpo. Ou podemos dizer que Agostinho fala segundo a opinião dos Platônicos, que assim o ensinavam, como dissemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ─ No lugar citado Agostinho antes procura do que afirma a verdade, como o faz em, quase todo o livro. Pois, é claro que não se dá com a alma do adormecido o mesmo que com a alma separada. A alma do adormecido se serve do órgão da imaginação onde se imprimem as imagens dos corpos, o que não se pode dizer da alma separada. ─ Ou devemos responder que as imagens das cousas estão na alma pelas potências sensitiva, imaginativa e intelectiva, conforme a maior ou menor abstração da matéria e das condições materiais. Mas a comparação de Agostinho colhe quanto ao seguinte: assim como as imagens das cousas corpóreas estão na alma de quem sonha ou se separa do corpo em imaginação, assim estão também na alma separada por um conceito intelectual, mas não por ato da imaginação.

RESPOSTA À QUARTA. ─ Como diz o Mestre das sentenças, a memória pode ser tomada em duplo sentido. Ora, como potência da parte sensitiva, tendo então por objeto os fatos passados, E nesta acepção a alma separada não será susceptível de memória. Por isso diz o Filósofo que, desaparecido o corpo, a alma não é capaz de lembrar-se. ─ Noutro sentido, a memória é tomada como parte da imaginação, e pertencente à potência intelectiva; i. é, enquanto abstrai de toda diferença de tempo, não se referindo só aos fatos passados, mas também aos presentes e aos futuros, como diz Agostinho. E neste sentido, na alma separada pode existir a memória.

RESPOSTA À QUINTA. ─ O amor, a alegria, a tristeza e paixões semelhantes são susceptíveis de duplo sentido. ─ Ora, são paixões do apetite sensitivo. E então não podem existir na alma separada; pois, neste sentido implicam um determinado movimento do coração. ─ Ora são tomados como atos da vontade, que residem na parte intelectiva, E então existirão na alma separada; assim como também o prazer, que de certo modo é uma paixão da parte sensitiva, tomando-o em outro sentido o Filósofo o atribui a Deus, quando diz que Deus se compraz numa deleitação simples.

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