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Art. 1 — Se a indulgência pode remitir algo da pena satisfatória.

O primeiro discute-se assim. Parece que a indulgência nada pode remitir da pena satisfatória.
 
1. Pois, aquilo do Apóstolo Não pode negar-se a si mesmodiz a Glosa: O que faria, se não cumprisse o prometido. Ora, o próprio Senhor o disse: o número dos golpes regular-se-á pela qualidade do pecado. Logo, nada pode ser perdoado da pena satisfatória, determinada conforme a quantidade da culpa.
 
2. Demais. O inferior não pode absolver daquilo a que o superior obrigou. Ora, Deus, quando absolve da culpa, obriga à pena temporal, como diz Hugo Vitorino. Logo, ninguém pode absolver dessa pena, perdoando alguma parte dela.
 
3. Demais. Pertence ao poder da excelência conferir o efeito dos sacramentos, sem eles. Ora, ninguém tem, a não ser Cristo, o poder de excelência sobre os sacramentos. Ora, sendo a satisfação parte do sacramento da penitência, contribuindo para o perdão da pena devida, parece que nenhum homem, como tal, pode perdoar o débito da pena, sem a satisfação.
 
4. Demais. O poder não foi dado aos ministros da Igreja para a destruição, mas para a edificação. Ora, seria para a destruição, se eliminasse a satisfação, dada como remédio à nossa utilidade. Logo, o poder dos ministros da Igreja não se estende a tal.
 
Mas, em contrário. Aquilo do Apóstolo: Pois eu também a indulgência de que usei, se de alguma tenho usado, foi por amor de vós em pessoa de Cristo, diz a Glosa: isto é, como se Cristo a usasse. Ora, Cristo podia perdoar, sem qualquer satisfação, a pena do pecado, como o fez à mulher adúltera. Logo, também o podia Paulo. Portanto, também o pode o Papa, que não tem na Igreja menor poder que o que tinha Paulo.
 
2. Demais. A Igreja universal não pode errar; pois aquele que em tudo foi atendido pela sua reverência, disse a Pedro, sobre cuja confissão foi fundada a Igreja: Eu roguei por ti para que a tua fé não falte. Ora, a Igreja universal aprova e concede as indulgências. Logo, algum valor elas tem.
 
SOLUÇÃO. — Todos concedem o valor das indulgências, pois, seria ímpio dizer que a Igreja faz qualquer coisa em vão. Certos porém afirmam, que não valem para absolver do reato da pena a ser expiada no purgatório, pelo juízo de Deus; valem porém para absolver da obrigação, pela qual o sacerdote impôs ao penitente uma certa pena, ou a que ele estava obrigado por determinação dos cânones.
 
Esta opinião porém não pode ser tida como verdadeira. Primeiro, porque contraria expressamente o privilégio dado a Pedro que seria perdoado no céu o que perdoasse na terra. Por onde, o perdão dado no tribunal da Igreja vale também no tribunal de Deus. Além disso, concedendo tais indulgências a Igreja antes causaria dano do que auxílio; pois castigaria com as penas do purgatório, que são mais graves, depois de ter perdoado as penitências impostas.
 
Por isso, devemos, de outro modo, afirmar que valem tanto no foro da Igreja quanto no tribunal de Deus, para perdoar as penas restantes depois da contrição, da confissão e da absolvição, quer tenham sido impostas, quer não. E a razão por que podem valer é a unidade do corpo místico na qual muitos fizeram obras de penitência excedentes à medida dos seus débitos; e também sofreram com paciência muitas tribulações injustas pelas quais poderiam expiar uma multidão de penas, se destas fossem réus. E desses méritos tanta é a riqueza que excedeu o total das penas atuais devidas pelos vivos. Mas sobretudo pelo mérito de Cristo que, embora obre nos sacramentos, não limita a eles contudo a sua eficácia; mas pela sua infinidade excede a eficácia dos sacramentos.
 
Ora, como dissemos antes, um pode satisfazer por outro. Os santos porém, cujas obras encerram uma superabundância de satisfação, não nas praticaram por ninguém que em particular precisasse de perdão, pois do contrário, conseguiria esse o perdão sem necessidade de nenhuma indulgência; mas as praticaram, em geral para toda a Igreja, como o Apóstolo diz de si, que cumpre o que resta a padecer a Jesus Cristo pelo seu corpo, que é a Igreja, à qual escreve. E assim, os referidos méritos são comuns a toda a Igreja. Ora, o que é comum a uma multidão distribuise a cada membro dela segundo o arbítrio de quem a governa. Por onde, assim como alcançaria o perdão dos pecados aquele por quem outrem satisfizesse, assim também se a satisfação de outrem lhe fosse distribuída por quem tem o poder de o fazer.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. O perdão causado pelas indulgências não elimina a proporção entre a pena e a culpa; pois, pela culpa de um, outro sofre voluntariamente uma pena.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. Quem ganha as indulgências não fica absolvido, simplesmente falando, do débito da pena, mas recebe o com que pague esse débito.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. O efeito da absolvição sacramental é a diminuição do reato. E esse efeito não no produzem as indulgências; mas quem lhe concede as indulgências absolve o pecador da pena devida, em virtude dos bens comuns da Igreja, como do sobre dito se colhe.
 
RESPOSTA À QUARTA. A graça, mais que as nossas obras habituais, dá o remédio para evitarmos os pecados. E como o afeto, que quem ganha as indulgências concebe, em relação à causa pela qual a indulgência é dada, dispõe para a graça, por isso também pelas indulgências é dado o remédio para se evitarem os pecados. Por onde, a concessão de indulgências não concorre para a ruína das almas, salvo se o forem desordenadamente. Contudo deve-se aconselhar aos que as ganham, que nem por isso se abstenham das obras de penitência prescritas; a fim de também nelas haurirem o remédio, embora imunes do débito da pena, e sobretudo porque pode se dar sejam mais devedores do que crêem.

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