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Art. 9 — Se a penitência pode ser contínua.

 

O nono discute-se assim. — Parece que a penitência não pode ser contínua.
 
1. — Pois, diz a Escritura: Cesse lá do choro a tua voz e de verterem lágrimas os teus olhos. Ora, isto não poderia ser, se a penitência. consistente em choro e lágrimas, fosse contínua. Logo, a penitência não pode ser contínua.
 
2. Demais. — Devemos nos com prazer com todas as nossas boas obras, segundo aquilo da Escritura: Servi ao Senhor em alegria. Ora, fazendo penitência, praticamos uma boa obra. Logo, devemos nos comprazer com ela. Mas, não podemos estar em alegria e tristeza ao mesmo tempo, conforme está claro no Filósofo. Logo não pode o penitente chorar continuamente os pecados passados, como o exige a penitência.
 
3. Demais. — O Apóstolo diz: Deveis con­solá-lo, isto é, o penitente, para que não aconteça que seja consumido de demasiada tristeza quem se acha em tais circunstâncias. Ora, a consola­ção expulsa as lágrimas, que constituem a essên­cia da penitência. Logo, a penitência não deve ser contínua.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Cuidemos para que seja contínua a dor da nossa penitência.
 
SOLUÇÃO. — De dois modos podemos fazer penitência: por atos e pelo hábito. - Ora, atualmente é-nos impossível fazer penitência contínua; pois seria necessário os atos do penitente, internos ou externos, interpolarem-se ao menos no sono e na satisfação de outras neces­sidades corpóreas. - Noutro sentido referimo­-nos à penitência habitual. E então devemos fa­zer continua penitência. Tanto por nunca de­vermos praticar nada de contrário à penitência e que nos viesse privar da disposição atual de penitente; quanto por devermos trazer sempre no propósito a dor dos pecados passados.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­O choro e as lágrimas são atos externos de pe­nitência, os quais não só não devem ser contí­nuos, mas ainda não é necessário durem até ao fim da vida, como dissemos. Por isso no mesmo lugar se diz sinaladamente: porque recompensa há para a tua obra. Ora, a recompensa da obra do penitente é a plena remissão do pecado, quanto à culpa e quanto à pena; e depois de alcan­çá-la, já não devemos mais fazer a penitência externa. Mas isto não exclui a continuidade da penitência, tal como dissemos.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A dupla luz podemos considerar a dor e a alegria. - Primeiro, en­quanto paixões do apetite sensitivo. E então de nenhum modo podem existir simultâneas, por serem absolutamente contrárias quer pelos seus objetos - por exemplo, quando recaem sobre o mesmo objeto; quer ao menos pelo movimento do coração - pois, ao passo que a alegria implica o dilatar-se do coração, a tristeza é acompanhada da constrição dele. E é neste sentido que fala o Filósofo. - A outra luz podemos considerar a alegria e a tristeza enquanto consistentes num simples ato da vontade, a que uma cousa agrada ou desagrada. E então não podem ter contrariedade senão por parte do objeto - por exemplo, quando recaem sobre o mesmo objeto e ao mes­mo respeito. E nesse caso não podem coexistir a alegria e a tristeza, porque uma mesma coisa não pode simultaneamente e ao mesmo respeito agradar e desagradar. Se porém a alegria e a tristeza assim consideradas não recaírem sobre o mesmo objeto e ao mesmo respeito; ou se re­caírem sobre objetos diversos, ou sobre o mes­mo mas a respeitos diversos, então nenhuma contrariedade há entre a alegria e a tristeza. Por onde, nada impede alegrarmo-nos e entristecer­mo-no; simultaneamente; por exemplo, vendo um justo sofrer, ao mesmo tempo que nos apraz a sua justiça desagrada-nos o seu sofrimento. E deste modo pode nos desagradar o termos pecado, e nos agradar a nossa displicência, pelo havermos feito, com a esperança do perdão, de maneira que a própria tristeza nos seja matéria de ale­gria. Donde o dizer Agostinho: Tenha sempre o penitente dor dos seus pecados e se alegre pela ter. Se porém a tristeza de nenhum modo fos­se compatível com a alegria, isso privaria, não da continuidade habitual da penitência, mas da atual.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Segundo o Filósofo, à virtude pertence estabelecer a mediedade entre as paixões. Ora, a tristeza que, no ape­tite sensitivo do penitente resulta da displicên­cia da vontade, é uma paixão. Por onde, deve ser moderada pela virtude; e é vicioso o seu excesso, por induzir em desespero. O que signi­fica o Apóstolo, dizendo no mesmo lugar: Para que não aconteça seja consumido de demasiada tristeza, quem se acha em tais circunstâncias. E assim a consolação a que aí o Apóstolo refere é moderadora da tristeza, mas não priva total­mente dela.

 

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