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Art. 6 ― Se a memória está na parte intelectiva da alma.

(Iª IIae q. 67, a. 2; I Sent., dist. III q. 4, a. 1; III, dist. XXVI, q. 1, a. 5 ad. 4; IV, dist. XLIV, q. 3, a. 3qª 2, ad 4; dist. L, q. 1, a. 2; II Cont. Gent., cap. LXXIV; De Verit., q. 10, a. 2; q. 19, a. 1; Quodl. III, q. 9, a. 1; XII, q. 9, a. 1; I Cor., cap. XIII, lect. III; De Mem. et Remin., lect. II).
 
O sexto discute-se assim. ― Parece que a memória não está na parte intelectiva da alma.
 
1. ― Pois, Agostinho diz que à parte superior da alma pertencem aquelas coisas que não são comuns aos homens e aos animais. Ora, a memória é comum a uns e a outros, pois, o mesmo autor diz, que os animais podem sentir, pelos sentidos do corpo, as coisas corpóreas, e mandá-las à memória. Logo, a memória não pertence à parte intelectiva da alma.
 
2. Demais. ― A memória guarda as coisas pretéritas. Mas pretérito se refere a um tempo determinado. Logo, a memória é cognoscitiva das causas, num determinado tempo, o que é conhecê-las local e atualmente. Ora, isto não é próprio do intelecto, mas do sentido. Logo, a memória não está na parte intelectiva, mas só na sensitiva.
 
3. Demais. ― Na memória se conservam as espécies das coisas que não são pensadas atualmente. Ora, isso não se pode dar com o intelecto, pois este se atualiza informado pela espécie inteligível; ora, como o intelecto em ato é o inteligir mesmo, em ato, resulta que o intelecto intelige atualmente. todas as coisas cujas espécies traz em si. Logo, a memória não está na parte intelectiva.
 
Mas, em contrário, Agostinho diz que a memória, a inteligência e a vontade são uma somente.
 
Solução. ― Sendo da natureza da memória conservar as espécies das coisas não atualmente apreendidas, é preciso, antes de tudo, examinar se as espécies inteligíveis podem se conservar desse modo, no intelecto. Ora, Avicena ensinava que isso é impossível, dizendo que tal se dá com certas potências, atos de órgãos corpóreos, nas quais podem conservar-se algumas espécies sem a apreensão atual. Porém no intelecto, que não tem órgão corpóreo, nada existe senão inteligivelmente. Por onde é necessário ser inteligido em ato aquilo cuja semelhança existe no intelecto. Assim, pois, na opinião dele, logo que alguém acaba de inteligir alguma coisa em ato, acaba de existir a espécie dessa coisa no intelecto; sendo necessário, se quiser de novo inteligir tal coisa, converter-se ao intelecto agente, que Avicena admite como substância separada, para que dele efluam as espécies inteligíveis para o intelecto possível. E desse exercício e uso de se converter ao intelecto agente, resulta, segundo o mesmo filósofo, uma certa habilidade, para o intelecto possível, de se converter ao intelecto agente, e dizia ser o hábito da ciência. Segundo, pois, tal opinião, nada se conserva, na parte intelectiva, que não seja inteligido em ato. Por isso, não se pode admitir, desse modo, a memória na parte intelectiva.
 
Essa opinião, porém, manifestamente repugna as palavras de Aristóteles, dizendo que o intelecto possível, quando considerado em ato, torna-se, como ciente, nas coisas singulares; o que, porém, acontece, quando ele pode operar por si mesmo. Está, pois, então, em potência, de certo modo; não, porém, absolutamente, como antes de aprender ou descobrir. Ora diz-se que o intelecto possível se torna nas coisas singulares, recebendo as espécies delas. Por onde, recebendo as espécies dos inteligíveis, pode operar quando quiser, mas não operar sempre; porque então está, de certo modo, em potência, embora de maneira diferente da de antes de inteligir, a saber, do modo pelo qual o ciente habitual está em potência para considerar em ato. ― Demais, tal opinião também repugna à razão. Pois, o que é recebido em algum ser o é ao modo do ser recipiente. Ora, o intelecto é de natureza mais estável e imóvel do que a matéria corpórea. Se, portanto, esta conserva as formas que recebe, não só enquanto, por elas, age atualmente, mais ainda depois que cessou de agir pelas mesmas; com muito maior razão, o intelecto, imóvel e inamissívelmente, recebe as espécies inteligíveis, tanto as recebidas dos sentidos, como as dimanadas de algum intelecto superior.
 
Se, portanto, se entende a memória somente como a virtude conservativa das espécies, é necessário admiti-la como existente na parte intelectiva. Se, porém, da natureza dela é ter como objeto o pretérito como tal, então não existe na parte intelectiva, senão só na sensitiva, apreensora dos particulares. Pois, o pretérito, como tal, exprimindo o ser, num determinado tempo, tem a condição do particular.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― A memória, como conservativa das espécies, não nos é comum com os animais; pois, aquelas se conservam, não somente na parte sensitiva da alma, mas sobretudo no conjunto, porque a virtude memorativa é o ato de um órgão. Porém o intelecto, em si, é conservativo das espécies, mesmo sem a cooperação do órgão corpóreo. E, por isso, o Filósofo diz que a alma é o lugar das espécies, não toda ela, mas só o intelecto.
 
Resposta à segunda. ― A preterição tem duplo ponto de referência: o objeto conhecido e o ato do conhecimento; ambos simultaneamente se unem na parte sensitiva, apreensiva das coisas, quando sofre mutação proveniente do sensível presente. Por onde, é simultaneamente que o animal se lembra de que, primeiro, sentiu no passado, e depois, de que sentiu um certo pretérito sensível. Mas, no atinente à parte intelectiva, a preterição é acidental e não conveniente por si mesma, quanto ao objeto do intelecto. Pois, o intelecto intelige o homem como tal. Ora, a este, como tal, é-lhe acidental estar no presente, no pretérito ou no futuro. Quanto ao ato, porém, a preterição pode ser admitida, em si, tanto no intelecto como no sentido; porque o inteligir da nossa alma é um ato particular existente num determinado tempo, segundo o qual é considerado inteligir agora, ontem ou amanhã. O que não repugna à intelectualidade; porque tal inteligir, embora seja um particular é, contudo, um ato imaterial, como antes já se disse (q. 76, a. 1), tratando-se do intelecto. E, portanto, assim como o intelecto se intelige a si mesmo, embora seja um intelecto singular; assim também intelige o seu inteligir, que é um ato singular, existindo no pretérito, no presente ou no futuro. Assim, pois, fica salva a natureza da memória, quanto a referir-se às coisas passadas, no intelecto, e segundo os quais ela se intelige como tendo inteligido anteriormente; não porém enquanto intelige o pretérito, local e atualmente determinado.
 
Resposta à terceira. ― As espécies inteligíveis ora estão no intelecto só potencialmente, e então o intelecto é chamado potencial; ora estão segundo o acabamento último do ato e, então, o intelecto intelige em ato; ora, estão de um modo intermédio entre a potência e o ato,e então o intelecto se chama habitual; e, deste último modo, o intelecto conserva as espécies, mesmo quando não as intelige em ato.

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