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Art. 9 — Se os anjos beatos podem progredir na beatitude.

O nono discute-se assim. — Parece que os anjos beatos podem progredir na beatitude.
 
1. — Pois, a caridade é o princípio do mérito. Ora, os anjos têm a caridade perfeita. Logo, os anjos beatos podem merecer. Ora, crescendo com o mérito o prêmio da beatitude, os anjos beatos podem progredir nesta.
 
2. Demais. — Agostinho diz que Deus usa de nós para a nossa utilidade e para a sua bondade; e semelhantemente, dos anjos, dos quais usa nos ministérios espirituais, pois eles são espíritos administradores, mandados ao ministério por causa dos que recebem a herança da salvação, conforme a Escritura. Ora, isso em nada lhes seria útil, se por aí não merecessem nem progredissem na beatitude. Conclui-se, portanto, que os anjos beatos podem merecer e progredir na beatitude.
 
3. Demais. — Só por imperfeição não pode progredir aquele que não está no sumo grau. Ora, neste grau não estão os anjos. Logo, se não podem progredir, resulta que há neles imperfeição e defeito, o que é inconveniente.
 
Mas, em contrário, merecer e progredir é próprio do estado do viandante. Ora, os anjos não são viandantes, mas compreensores. Logo, os anjos beatos não podem merecer e nem progredir na beatitude.
 
Solução. — Em qualquer momento, a intenção do motor visa um fim determinado, ao qual pretende conduzir o móvel; pois, a intenção visa o fim, ao qual repugna o processo ao infinito. Ora, é manifesto, não podendo a criatura racional atingir a beatitude, consistente na visão de Deus, pela sua virtude, como resulta do supradito, ela necessita ser conduzida por Deus à beatitude. Logo, é forçoso haver algo de determinado ao que qualquer criatura racional seja dirigida, como ao último fim. Mas, esse algo determinado não pode se referir, na visão divina, ao objeto mesmo visto, pois a sua verdade é contemplada, em graus diversos, por todos os bem-aventurados. Porém, quanto ao modo da visão, o termo é de diversos modos prefixado, segundo a intenção do dirigente ao fim. Pois, por ser a criatura racional levada a ver a suma essência, não é possível seja levada ao sumo modo da visão, que é a compreensão, modo que só a Deus pode convir, como resulta do sobredito. Mas, sendo necessária eficácia infinita para compreender a Deus, e a eficácia da criatura na visão, não podendo ser senão finita, de infinitos modos, mais ou menos claramente, pode a criatura racional inteligir a Deus, dado que qualquer finito diste, em infinitos graus, do infinito. E como a beatitude consiste na visão mesma, assim o grau daquela consiste num certo modo desta. Portanto, toda criatura racional é conduzida por Deus ao fim da beatitude, de modo a alcançar um certo grau desta, por predestinação divina; e conseguido esse grau, não pode atingir outro mais elevado.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — O merecer é próprio do que se move para um fim. Ora, a criatura racional move-se para um fim, não somente padecendo, mas também operando. E se esse fim estiver ao alcance da sua operação, esta se considera aquisitiva do fim; assim o homem, meditando, adquire a ciência. Se porém o fim não lhe estiver ao alcance, mas for esperado em virtude de outro, a operação será meritória do fim. Mas, ao que está no último termo não lhe convém o mover-se, mas o ser movido. Por onde, da caridade imperfeita, que é a da via, é próprio o merecer; porém, da perfeita é o próprio, não o merecer, mas fruir do prêmio. Do mesmo modo que, nos hábitos adquiridos, a operação precedente ao hábito é aquisitiva deste; porém, a proveniente do hábito já adquirido é a operação perfeita acompanhada do prazer. E semelhantemente, o ato da caridade perfeita não tem a natureza do mérito, mas, antes, pertence à perfeição do prêmio.
 
Resposta à segunda. — De dois modos se diz que uma coisa é útil. De um, como via para o fim; assim é útil o mérito da beatitude. De outro, como a parte é útil ao todo; assim as paredes, à casa; e deste modo, os ministérios dos anjos são úteis aos anjos beatos, enquanto parte da beatitude deles; pois é da natureza do perfeito, como tal, difundir em outros a perfeição adquirida.
 
Resposta à terceira. — Embora o anjo beato não esteja, no sumo grau da beatitude absoluta, está todavia no último, quanto a si mesmo, por predestinação divina. Contudo, a alegria dos anjos pode ser aumentada por causa da salvação dos salvos, pelo ministério deles, conforme a Escritura: Haverá júbilo entre os anjos de Deus por um pecador que faz penitência. Mas essa alegria respeita o prêmio acidental, que certamente pode aumentar até o dia do juízo. De onde vem o dizerem certos que os anjos também podem merecer, quanto ao prêmio acidental. Melhor, porém é dizer-se que o bem-aventurado de nenhum modo pode merecer, a menos que não seja simultaneamente viador, como Cristo que, único, foi viador e compreensor. Ora, a alegria predita é, antes, adquirida do que merecida em virtude da beatitude.

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