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Art. 4 — Se estar em toda parte é próprio de Deus.

(Infra, q. 52, a. 2; 112, a. 1; I Sent., dist. XXXVII, q. 2, a. 2; q. 3, a. 2; IV Cont. Gent., cap. XVII; Quodl., XI, a. 1; De Div. Nom., cap. III, lect. I).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que estar em toda parte não é próprio de Deus.
 
1. — Pois, o universal, segundo o Filósofo1, existe em toda parte e sempre; e a matéria prima, existindo em todos os corpos, está em toda parte. Ora, nem esta é Deus, nem aquele, como do sobredito resulta2. Logo, estar em toda parte não é próprio de Deus.
 
2. Demais. — O número está nas coisas numeradas. Ora, todo o universo foi constituído com número, como se vê na Escritura (Sb 2, 21). Logo, há um número que está em todo universo e, portanto, em toda parte.
 
3. Demais. — Todo o universo é no seu conjunto uma espécie de corpo perfeito, como diz Aristóteles3. Ora, o universo está em toda parte, porque fora dele não há nenhum lugar. Logo, nem só Deus está em toda parte.
 
4. Demais. — Se houvesse um corpo infinito, nenhum lugar existiria, fora dele. Logo, estaria em toda parte, e, portanto, esse modo de existir não é próprio de Deus.
 
5. Demais. — A alma, como diz Agostinho, está toda em todo corpo e em cada uma das partes dele4. Se, portanto, no mundo não existisse senão um só animal, a alma do mesmo estaria em toda parte. Logo, estar em toda parte, não é próprio de Deus.
 
6. Demais. — Como diz Agostinho, a alma onde vê, aí sente; e onde sente, aí vive; e onde vive, aí está5. Ora, a alma vê quase em toda parte, porque vê, sucessivamente, mesmo todo céu. Logo, ela está em toda parte.
 
Mas, em contrário, diz Ambrósio: Quem ousará considerar como criatura o Espírito Santo, que está em todas as coisas, e em toda parte e sempre, o que, certo, é próprio da divindade?6
 
SOLUÇÃO. — Estar em toda parte, primariamente e por si, é próprio de Deus. Quando digo estar em toda parte primariamente, entendo estar desse modo por si, totalmente. Pois, não estaria primariamente em toda parte o ser que tivesse partes diversas em lugares diversos, porquanto, o que convém a um ser, em razão de uma parte, não lhe convém primariamente; assim a brancura do dente de um homem convém primariamente, não ao homem, mas ao dente. Em seguida, quando digo — por si — refiro-me àquilo a que não convém estar em toda parte por acidente, em virtude de alguma condição restritiva, como seria o caso de um grão de milho, que existiria em toda parte, dado que, nenhum outro corpo existisse. Logo, convém o existir em toda parte, por si, ao ser que desse modo existe, qualquer que seja a hipótese. Ora, isto convém propriamente a Deus; pois, sejam quantos forem os lugares supostos, mesmo que sejam infinitos mais que os existentes, em todos eles estará necessariamente, porque nada pode existir sem ser por ele. Por onde, existir em toda parte, primariamente e por si, convém a Deus, e lhe é próprio; pois, por mais lugares que se suponham, Deus existe necessariamente em cada um deles, não por partes, mas por si mesmo.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O universal e a matéria prima existem, certo, em toda parte, mas não com identidade de ser.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O número, sendo acidente, está num lugar, não por si, mas acidentalmente; nem está todo, mas por partes, em cada uma das coisas numeradas. Donde, pois, não se segue que esteja em toda parte, primariamente e por si.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O corpo total do universo está em toda parte, mas não primariamente, porque não está todo em qualquer lugar, mas por partes. Demais, nem por si, porque se supusessem outros lugares neles não estaria.
 
RESPOSTA À QUARTA. — Se existisse um corpo infinito estaria em toda parte, parcialmente.
 
RESPOSTA À QUINTA. — Se existisse um só animal, a sua alma estaria em toda parte, primariamente, por certo, mas por acidente.
 
RESPOSTA À SEXTA. — A expressão — onde vê — pode-se entender em duplo sentido. Ou o advérbio onde determina o ato de ver, considerado em relação ao objeto e, então, é verdade que, vendo o céu, no céu vê e, pela mesma razão, sente no céu; mas, daí não se segue que viva, ou esteja no céu, porque viver e existir não implicam nenhum ato transitivo para um objeto exterior. Ou, pode-se tomar o advérbio como determinando o ato de ver, que emana do sujeito que vê, e, então, é verdade que a alma, onde sente e vê, aí está e vive, conforme este modo de falar; mas daqui não se segue que ela esteja em toda parte.
  1. 1. I Poster., c. 31.
  2. 2. Q. 3, a. 5, 8.
  3. 3. I Caeli et Mundi, c. 1.
  4. 4. VI de Trin., c. 6.
  5. 5. Epistola ad Volusianum. Epist. 137 (al. 3), c. 2.
  6. 6. De Spiritu Sancto, I, c. 7.
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