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Art. 6 — Se em Deus há acidentes.

(I Sent., dist. 8, q. 4, a. 3; Cont. Gent. I, 23; De Pot., q. 7, a. 4; Compend. Theol., c. 23.)
 
O sexto discute-se assim. Parece que em Deus há acidentes.
 
1. — Pois, a substância em nenhum ser é acidente1. Ora, o que num é acidente não pode ser substância em outro. Assim, prova-se que o calor, sendo acidente em outros seres, não pode ser a forma substancial do fogo. Ora, a sabedoria, a virtude e qualidades semelhantes, que são acidentes em nós, atribuem-se a Deus. Logo, há nele acidentes.
 
2. Demais. — Em cada gênero há um primeiro termo. Ora, muitos são os gêneros de acidentes. Se, portanto, os termos primeiros desses gêneros não existem em Deus, haverá muitos seres primeiros além de Deus, o que é inadmissível.
 
Mas, em contrário, todo acidente existe num sujeito. Ora, Deus não pode ser sujeito, porque não pode sê-lo a forma simples, como diz Boécio2. Logo, não há nele acidentes.
 
SOLUÇÃO. — Do que dissemos, claramente resulta que, em Deus, não pode haver acidentes. — Primeiro, porque o sujeito está para o acidente como a potência para o ato; pois, em relação ao acidente, o sujeito é, de certo modo, atual. Ora, em Deus não há absolutamente nada de potencial, conforme se conclui do que já dissemos3.
 
Segundo, porque Deus é o seu ser. Ora, como diz Boécio, embora o que existe seja susceptível de acréscimo, contudo, o ser em si de nenhum modo o é4. Assim, um corpo cálido pode ter algo de estranho à calidez, como a brancura; mas, no calor mesmo, nada mais há além dele próprio.
 
Terceiro, porque tudo o que existe por si mesmo é anterior ao que tem existência acidental. Donde, sendo Deus o ser absolutamente primeiro, nada pode ter de acidental; nem mesmo os acidentes próprios, — como o de risível, no homem — podem nele existir. Porque todos os acidentes são causados pelos princípios do sujeito, e, em Deus, causa primeira, nada pode ser causado. Donde se conclui, que em Deus, não há nenhum acidente.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A virtude e a sabedoria não se atribuem univocamente a Deus e a nós, como a seguir se dirá5. — Donde se não segue que os acidentes existam em Deus como em nós.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Sendo a substância anterior aos acidentes, os princípios destes se reduzem aos daquela, como ao que lhes é anterior. Mas, para que todos os seres dependam de Deus, não é necessário que ele seja o primeiro no gênero da substância, senão, o primeiro, fora de todo gênero, relativamente ao ser total.

 

  1. 1. I Physic., c. 3
  2. 2. De Trin., c. 2
  3. 3. Art. 1
  4. 4. de Hebdomad.
  5. 5. Q. 13, a. 5
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