Skip to content

Art. 2 — Se as virtudes morais podem existir sem a caridade.

(Iª·lIae., q. 23, a. 7 ; III Sent., dist. XVII, q. 2, a. 4, qª 3, ad 2; dist. XXXVI, q. 2; de Virtut., q. 5, a. 2).
 
O segundo discute-se assim. — Parece que as virtudes morais podem existir sem a caridade.
 
1. — Pois, foi dito que todas as virtudes, exceto a caridade, podem ser comuns aos bons e aos maus. Ora, a caridade só pode existir nos bons, como no mesmo livro se diz1. Logo, as outras virtudes podem ser possuídas sem a caridade.
 
2. Demais. — As virtudes morais podem ser adquiridas pelos atos humanos, como se disse2. Ora, a caridade só pode ser possuída por infusão, conforme aquilo da Escritura (Rm 5, 5): a caridade de Deus está derramada em nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado. Logo, as outras virtudes podem ser possuídas sem caridade.
 
3. Demais. — As virtudes morais, enquanto dependentes da prudência, são conexas entre si. Ora, a caridade não depende da prudência, e antes a excede, conforme a Escritura (Ef 3, 19): a caridade de Cristo excede a ciência. Logo, as virtudes morais não são conexas com a caridade, e podem existir sem ela.
 
Mas, em contrário, diz a Escritura (I Jo 3, 14): Aquele que não ama permanece na morte. Ora, as virtudes aperfeiçoam a vida espiritual, pois por elas é que vivemos retamente, como diz Agostinho3. Logo, não podem existir sem o amor da caridade.
 
SOLUÇÃO. — Como já dissemos4, as virtudes morais, enquanto operativas do bem, ordenadamente ao fim que não excede a faculdade natural do homem, podem ser adquiridas por obras humanas. E assim adquiridas, podem existir sem a caridade, como existiram em muitos gentios. Mas, enquanto operativas do bem, ordenadamente ao fim último sobrenatural, então realizam a essência da virtude perfeita e verdadeiramente, e não podem ser adquiridas pelos atos humanos, mas são infundidas por Deus. Ora, tais virtudes morais não podem existir sem a caridade. Pois, como já dissemos5, as virtudes morais não podem existir sem a prudência, e esta não pode existir sem aquelas, que nos levam a proceder bem em relação a certos fins, dos quais procede a razão da prudência. Ora, pela sua razão reta, a prudência exige, que o homem proceda bem em relação ao último fim — a que o leva a caridade — muito mais que em relação aos outros fins, a que o levam as virtudes morais; assim como, na ordem especulativa, a razão reta implica, principalmente, o primeiro princípio indemonstrável que os contraditórios não podem ser simultaneamente verdadeiros. 
 
Do sobredito consta portanto, com clareza, que só as virtudes infusas são perfeitas e se chamam virtudes, absolutamente falando. Ao passo que as adquiridas que são as outras o são parcial e não absolutamente, porque ordenam bem o homem para um fim último, não absoluta, mas genericamente. E por isso, àquilo da Escritura (Rm 14, 23) Tudo o que não é segundo a fé é pecado diz a Glosa de Agostinho: Onde falta o conhecimento da verdade, a virtude é falsa, mesmo acompanhada de ótimos costumes.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — No lugar aduzido as virtudes se consideram na sua noção imperfeita. Do contrário, tomada a virtude moral em a noção perfeita, torna bom quem o possui e por conseqüência, não pode existir nos maus.
 
Resposta à segunda. — A objeção colhe relativamente às virtudes morais adquiridas.
 
Resposta à terceira. — Embora a caridade exceda a ciência e a prudência, contudo esta depende daquela, como já dissemos, e, por conseqüência, também dela dependem todas as virtudes morais infusas.

  1. 1. Prosperus, lib. Sent. (cap. VII).
  2. 2. II Ethic., lect. I.
  3. 3. II De lib. Arbit. (cap. XVIII et XIX).
  4. 4. Q. 63, a. 2.
  5. 5. Q. 65, a. 1; q. 58, a. 4, 5.
AdaptiveThemes