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Art. 1 — Se a virtude moral é uma paixão.

 

(III Sent., dist. XXIII, q. 1, a. 3, qª 2; II Ethic., lect V).
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que a virtude moral é uma paixão.
 
1. — Pois, o meio é do mesmo gênero que os extremos. Ora, a virtude moral é um meio entre as paixões. Logo, é paixão.
 
2. Demais. — O vício e a virtude, sendo contrários, pertencem ao mesmo gênero. Ora, certas paixões, como a inveja e a ira são consideradas vício. Logo, certas paixões são virtudes.
 
3. Demais. — A misericórdia é uma paixão, pois consiste na tristeza causada pelos males alheios, como já se disse1. Ora, Cícero, orador egrégio, não duvidou chamar-lhe virtude, como refere Agostinho2. Logo, a paixão pode ser uma virtude moral.
 
Mas em contrário, já se disse, que as paixões não são virtudes nem malícias3.
 
Solução. — Por tríplice razão a virtude moral não pode ser paixão. — Primeiro, porque a paixão é um movimento do apetite sensitivo, como já se disse4. Ora, a virtude moral, sendo um hábito, não é movimento, mas antes, princípio do movimento apetitivo. — Segundo, porque as paixões em si mesmas não implicam bondade nem maldade. Pois, o bem ou o mal humanos dependem da razão; por onde, as paixões, em si mesmas consideradas, implicam o bem e o mal, segundo convêm ou não com a razão. Ora, nada disto pode dar-se com a virtude, que só diz respeito ao bem, como já dissemos5. — Terceiro, dado que, de algum modo, uma paixão diga respeito só ao bem ou só ao mal, contudo o movimento da paixão, enquanto paixão, tem o seu princípio no apetite, e o termo, na razão, para conformidade com a qual tende o apetite. Ao contrário, o movimento da virtude tem o seu princípio na razão, e o termo, no apetite, enquanto movido pela razão. E por isso, na definição da virtude moral, se diz que é um hábito eletivo, consistente num meio termo, determinado pela razão, como o sábio o determinaria6.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A virtude, por essência, não é um meio entre as paixões; mas sim, pelo seu efeito, porque constitui um meio entre as paixões.
 
Resposta à segunda — Se tomarmos o vício como um hábito pelo qual obramos mal, é claro que nenhuma paixão é vício. Se porém o considerarmos como pecado, que é um ato vicioso, nada impede a paixão de ser um vício, e também contrariamente, de concorrer para o ato de virtude, segundo o qual a paixão contraria a razão ou lhe segue o ato.
 
Resposta à terceira. — Consideramos a misericórdia uma virtude, i. é, um ato de virtude na medida em que esse movimento da alma obedece à razão; isto é, quando a misericórdia é feita de modo a observarmos a justiça, quer quando fazemos esmola ao indigente ou perdoamos ao arrependido. Se porém a tomarmos como um hábito, que aperfeiçoa o homem a se compadecer racionalmente, nada impede então a considerarmos uma virtude; e o mesmo se pode dizer das paixões semelhantes.

 

  1. 1. Q. 35, a. 8.
  2. 2. IX De civ. Dei, cap. V.
  3. 3. II Ethic., lect. V.
  4. 4. Q. 22, a. 3.
  5. 5. Q. 55, a. 3.
  6. 6. II Ethic. (lect. VII).
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