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Art. 5 — Se a virtude intelectual pode existir sem a moral.

(Infra, q. 65, a. 1; De Virtut., q. 5, a. 2; Quodl. XII, q. 15, a. 1; VI Ethic., lect X).
 
O quinto discute-se assim. — Parece que a virtude intelectual pode existir sem a moral.
 
1. — Pois, a perfeição do que vem antes não depende da do que vem depois. Ora, a razão é anterior ao apetite sensitivo e o move. Logo, a virtude intelectual, que é a perfeição da razão, não depende da moral, que é a perfeição da parte apetitiva. Logo, pode existir sem ela.
 
2. Demais. — Os atos morais são matéria da prudência, assim como o que podemos produzir constitui a matéria da arte. Ora, esta pode existir sem a matéria própria, como o ferreiro pode existir sem o ferro. Logo, também a prudência o pode sem as virtudes morais, que contudo, entre todas as virtudes intelectuais, é a mais unida com as morais.
 
3. Demais. — A prudência é uma virtude que nos faz aconselhar retamente, como já se disse1. Ora, muitos aconselham retamente, que entretanto são desprovidos das virtudes morais. Logo, a prudência pode existir sem estas.
 
Mas, em contrário. — Querer fazer o mal opõe-se diretamente à virtude moral, mas não, a alguma virtude capaz de existir sem ela. Ora, pecar voluntariamente opõe-se à prudência, como se disse2. Logo, a prudência não pode existir sem a virtude moral.
 
SOLUÇÃO. — Todas as virtudes intelectuais, menos a prudência, podem existir sem as virtudes morais. E a razão é que a prudência é a razão reta dos nossos atos, e não só universalmente, mas também na ordem particular a que pertencem os atos. Ora, a razão reta supõe princípios donde parta. Logo, em relação ao particular, é necessário a razão proceder de princípios, não só universais, mas também particulares. Ora, em relação aos princípios universais reguladores dos seus atos o homem se comporta retamente pelo intelecto natural dos princípios, pelo qual sabe que não deve praticar nenhum mal; ou ainda por alguma ciência prática. Isto porém, não basta para raciocinar sobre casos particulares. Pois acontece às vezes, que o princípio universal, de que agora tratamos, conhecido pelo intelecto ou pela ciência, oblitera-se num caso particular, por influência de alguma paixão. Assim, ao vencido pela concupiscência parece-lhe bem o que deseja, embora vá contra o juízo universal da razão. E portanto, assim como nos dispomos, para proceder retamente, em relação aos princípios universais, pelo intelecto natural ou pelo hábito da ciência; assim também, para procedermos retamente, em relação aos princípios particulares reguladores dos nossos atos, que são os fins, é necessário sejamos aperfeiçoados por certos hábitos, que, de certo modo, nos tornam conatural o julgamento reto do fim. E isto se dá pela virtude moral. Pois, o virtuoso julga retamente do fim da virtude, porque, tal como somos, tal se nos afigura o fim, como já se disse3. Logo, a razão reta dos nossos atos, que é a prudência exige tenhamos a virtude moral.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — A razão, enquanto apreensiva do fim, precede o apetite deste. Mas o apetite do fim, por sua vez, precede a razão que raciocina para escolher os meios, o que pertence à prudência, assim como, na ordem especulativa, o intelecto dos princípios é o princípio da razão raciocinante.
 
Resposta à terceira. — Os princípios das coisas artificiais não os julgamos nós bem ou mal, por uma disposição do nosso apetite, como julgamos dos fins, que são os princípios na ordem moral; mas os julgamos só pela consideração racional. E por isso, a arte não exige, como a prudência, a virtude, que aperfeiçoa o apetite.
 
Resposta à terceira. — A prudência não só aconselha mas também julga e ordena com acerto. O que não poderia ser sem a remoção dos impedimentos das paixões, corruptoras do juízo e da ordenação da prudência; e essa remoção se dá pela virtude moral.

  1. 1. VI Ethic. (lect. IV-VIII).
  2. 2. IV Ethic. (lect. IV).
  3. 3. III Ethic. (lect. XIII).
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