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Art. 2 ― Se o movimento é causa do prazer.

(IV Sent., dist. XLIX, q. 3, a . 2, ad 3).
 
O segundo discute-se assim. ― Parece que o movimento não é causa do prazer.
 
1. ― Porque, como já dissemos1, o bem presentemente obtido é a causa do prazer; e por isso o Filósofo diz, que o prazer não e comparável à geração, mas à operação de um ser já existente2. Ora, o que é movido para um termo ainda não o alcançou, mas de certo modo está em via de geração, relativamente a ele, enquanto que todo movimento implica a geração e a corrupção, como diz Aristóteles3. Logo, o movimento não é causa do prazer.
 
2. Demais. ― O movimento introduz no agir a fadiga e a lassidão. Ora, atividades laboriosas fatigantes não são deleitáveis mas antes, aflitivas. Logo, o movimento não é causa do prazer.
 
3. Demais. ― O movimento implica uma certa inovação que se opõe ao hábito. Ora, as coisas habituais são-nos deleitáveis, como diz o Filósofo4. Logo, o movimento não é causa do prazer.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho: Porque isto, Senhor, meu Deus, quando és eternamente para ti mesmo a tua alegria, e quando várias de tuas criaturas gozam junto de ti sempiternamente? Porque este vosso mundo se compraz, contínua e alternadamente na deficiência e na abundância, na guerra e na paz?5 Donde se conclui que os homens gozam e se deleitam com certas mudanças. E então, o movimento, parece, é causa do prazer.
 
Solução. ― Três condições se requerem para o prazer: duas primeiras, cuja união é deleitável; e a terceira, o conhecimento dessa união. E de acordo com essas três condições o movimento se torna deleitável, como diz o Filósofo6. Pois, quanto a nós, que nos deleitamos, a transmutação se nos torna deleitável porque a nossa natureza é sujeita a mudanças; por onde, o que agora nos é conveniente já não no-lo é mais tarde; assim, aquecer-se ao fogo, conveniente ao o homem no inverno, não o é no verão. ― Também quanto ao bem que deleita, e que se nos une a nós, a transmutação é deleitável. Porque a atividade continuada de um agente aumenta-lhe o efeito; assim, quanto mais alguém se aproxima do fogo, mais se aquece e desseca. Ora, a disposição natural implica uma certa medida. Logo, quando a presença continuada do objeto deleitável sobreexcede a medida dessa disposição natural, se torna desejável o seu afastamento. ― E por fim, em relação ao conhecimento, também deleitável nos é a mudança. Pois, de um lado, o homem deseja conhecer, total e perfeitamente, tudo o que conhece; mas como, de outro, não pode apreender total e simultaneamente certos objetos, deleitar-se com a transmutação, de modo que, a uma parte sucede outra e, assim, seja sentido o todo. Donde o dito de Agostinho: Não queres por certo que as sílabas se detenham, mas que se evolem e dêem lugar a outras, de modo que ouças toda a palavra. O mesmo se dá com todas as coisas que formam um todo, mas que não existem simultaneamente: o todo, se pudesse ser apreendido simultaneamente, deleitaria mais que cada uma das partes7.
 
Se portanto um objeto deleitável, intransmutável por natureza, não puder ser excessivo, pela sua continuada presença, em relação à disposição natural do homem; e se demais disso, puder ser apreendido total e simultaneamente, a sua mudança não será agradável. E quanto mais os prazeres se aproximarem deste tipo, tanto mais poderão ter uma presença continuada.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Embora o que é movido ainda não tenha chegado perfeitamente ao termo, já começa contudo de ter algo desse termo. E neste sentido, o movimento, em si mesmo, já participa algo do prazer, embora não encerre o prazer perfeito, pois os prazeres mais perfeitos são os que tem por objeto objetos imóveis. ― E também o movimento torna-se deleitável enquanto que por ele se torna conveniente o que antes não o era, ou deixa de o ser, como já se disse.
 
Resposta à segunda. ― O movimento causa fadiga e lassidão, quando ultrapassa a nossa disposição natural. Ora, não é nesse sentido que o movimento é deleitável, mas enquanto remove o que encontre essa disposição natural.
 
Resposta à terceira. ― O habitual é deleitável quando se torna natural, pois o hábito é uma quase segunda natureza. Ora, o movimento é deleitável, não por certo enquanto se afasta do habitual, mas antes, enquanto impede a corrupção da disposição natural, que poderia provir de uma atividade continuada. De modo que pela mesma causa de conaturalidade se tornam deleitáveis o hábito e o movimento.

  1. 1. Q. 31, a. 1.
  2. 2. VII Ethic., lect. XII.
  3. 3. VIII Physic., lect. VI.
  4. 4. I Rhetor., cap. XI.
  5. 5. VIII Confess., cap. III.
  6. 6. VII Ethic., lect. XIV et I Rhetoric., cap. XI.
  7. 7. IV Confess., cap. XI.
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