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Art. 1 ― Se as paixões do apetite irascível são as mesmas do concupiscível.

(De Verit., q. 26, a . 4).
 
O primeiro discute-se assim. ― Parece que as paixões do apetite irascível são as mesmas do concupiscível.
 
1. ― Pois, como diz o Filósofo, as paixões da alma são as de que resultam a alegria e a tristeza1. Ora, esta e aquela pertencem ao concupiscível. Logo, as paixões do irascível não são diferentes das do concupiscível.
 
2. Demais. ― Comentando o passo da Escritura (Mt 12, 33) ― O reino dos céus é semelhante ao fermento, etc. ― diz a Glosa de Jerônimo: Na razão tenhamos a prudência; no irascível, o ódio aos vícios; no concupiscível, o desejo das virtudes. Ora, o ódio pertence ao concupiscível, assim como o amor, que lhe é contrário, conforme diz Aristóteles2. Logo, são as mesmas as paixões do concupiscível e do irascível.
 
3. Demais. ― As paixões e os atos diferem especificamente, pelos seus objetos. Ora, as do irascível e do concupiscível tem os mesmo objetos, a saber, o bem e o mal. Logo, as de um e de outro são idênticas.
 
Mas, em contrário. ― Atos de potências diversas, como ver e ouvir, são especificamente diversos. Ora, o irascível e o concupiscível são as duas potências que dividem o apetite sensitivo, como já dissemos na primeira parte3. Logo, sendo as paixões movimentos do apetite sensitivo, conforme se disse antes4 as do irascível serão especificamente diferentes das do concupiscível.
 
Solução. ― As paixões do irascível diferem especificamente das do concupiscível. Pois, tendo potências diversas objetos diversos, como dissemos na primeira parte5, as paixões de potências diversas hão-de se referir necessariamente a objetos diferentes. Por onde, com maioria de razão, paixões de potências diversas hão-de diferir entre si especificamente; porque, para diversificar as espécies de potências é necessária maior diferença de objeto do que para diversificar as espécies de paixões ou atos. Pois, assim como nos seres naturais, as diversidades genéricas resultam das diversidades da potência da matéria, e a específica, das diversidades da forma na matéria existente, assim também os atos da alma pertencentes a potências diversas são diversos, não só específica mas também genericamente; os atos porém ou as paixões referentes a objetos diversos especiais compreendidos no objeto comum de uma mesma potência diferem como espécies desse gênero.
 
Portanto, para sabermos quais as paixões do irascível e quais as do concupiscível, é necessário saber qual é o objeto de uma e outra dessas potências. Ora, já dissemos na primeira parte6, que o objeto da potência concupiscível é o bem e o mal sensíveis, em si mesmos considerados, sendo aquele deleitável e este, doloroso. Mas como por vezes a alma tem que padecer dificuldade ou luta para alcançar um bem ou fugir de um mal de tal natureza, por estar um e outro acima do fácil alcance do animal, por isso o bem e o mal que forem por natureza árduos e difíceis constituem o objeto do irascível. Logo, todas as paixões que visam o bem ou o mal, absolutamente considerados, como a alegria, a tristeza, o amor, o ódio e semelhantes, pertencem ao concupiscível; todas, porém, como a audácia, o temor, a esperança e semelhantes, que visam o bem ou o mal enquanto árduos, enquanto difíceis, de algum modo, de serem alcançados ou evitados, pertencem ao irascível.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Como dissemos na primeira parte7, a potência irascível foi dada aos animais para vencerem os obstáculos que impidam o concupiscível de tender para o seu objeto, quer por tornarem o bem difícil de ser alcançado ou o mal difícil de ser superado. Por isso todas as paixões do irascível vem a resolver-se nas do concupiscível; e desde logo também das paixões do irascível resultam a alegria e a tristeza, que pertencem ao concupiscível.
 
Resposta à segunda. ― Jerônimo atribui ao irascível o ódio dos vícios, não em si mesmo, pois então pertenceria propriamente ao concupiscível; mas, por causa da luta que implica, e que pertence ao irascível.
 
Resposta à terceira. ― O bem enquanto deleitável move o concupiscível; mas desde que implica dificuldade para ser alcançado encerra algo de repugnante ao concupiscível, donde a necessidade de se admitir a existência de uma outra potência que tenda para ele. E o mesmo se dá com o mal. Ora, tal potência é o irascível. Logo e conseqüentemente, as paixões do concupiscível e do irascível diferem entre si especificamente.

  1. 1. II Ethic., lect. V.
  2. 2. II Topic., cap. VII.
  3. 3. Q. 81, a. 2.
  4. 4. Q. 22, a. 3.
  5. 5. Q. 77, a. 3.
  6. 6. Q. 81, a. 2.
  7. 7. Q. 81, a. 2.
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