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Art. 3 ― Se se pode Intender várias coisas simultaneamente.

(De Verit., q. 13, a . 3).
 
O terceiro discute-se assim. ― Parece que não se podem intender várias coisas simultaneamente.
 
1. ― Pois, como diz Agostinho, o homem não pode intender simultaneamente Deus e as comodidades materiais1. Logo, por igual razão, não pode intender duas coisas quaisquer.
 
2. Demais. ― Intenção significa o movimento da vontade para um termo. Ora, um movimento não pode ter, no mesmo ponto de vista, vários termos. Logo, a vontade não pode intender simultaneamente muitas coisas.
 
3. Demais. ― A intenção pressupõe o ato da razão ou do intelecto. Ora, não inteligimos várias coisas simultaneamente, segundo o Filósofo2. Logo, também não as intendemos simultaneamente.
 
Mas, em contrário. ― A arte imita a natureza. Ora, esta, com um só instrumento, intende duas utilidades; assim, a língua se ordena ao gosto e à locução, como diz Aristóteles3. Logo do mesmo modo, a arte ou a razão pode ordenar um meio simultaneamente a dois fins. Portanto, podem-se intender várias coisas simultaneamente.
 
Solução. ― Duas coisas quaisquer podem ser consideradas em duplo aspecto: ordenadas ou não, uma para a outra. Se ordenadas, é claro, pelo que já se disse, que o homem pode intender várias coisas simultaneamente; pois a intenção recai não só sobre o fim último, conforme já se disse4, mas também sobre os meios. Assim, podemos intender simultaneamente o fim próximo e o fim último; p.ex., a preparação de um remédio e a saúde. Se porém não forem ordenadas, ainda assim o homem pode intender várias coisas simultaneamente; o que se evidencia quando prefere a outra uma coisa que julga melhor. E entre as condições que tornam uma coisa melhor que outra, está a que a faz servir a mais fins; e por isso, podemos preferi-la. Assim, pois, o homem intende várias coisas simultaneamente.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Agostinho quer dizer que o homem não pode intender simultaneamente Deus e as comodidades temporais, como fins últimos; porque, conforme já se demonstrou5, um mesmo homem não pode ter vários fins últimos.
 
Resposta à segunda. ― Um mesmo movimento pode ter, no mesmo ponto de vista, vários termos, se um se ordenar ao outro; mas não o pode, se os termos não forem assim ordenados. Note-se, porém, que pode ser considerado como uno, racionalmente, o que na realidade não é tal. Ora, a intenção é o movimento da vontade para algo de preordenado na razão, como já se disse6. Por onde, coisas várias, na realidade, podem ser consideradas, enquanto dotadas de unidade racional, como um só termo da intenção. E isso, porque duas coisas ou concorrem para integrar outra, p. ex., o calor e o frio proporcionados, concorrem para a saúde; ou se incluem em outra que lhes é comum e é o termo da intenção, e assim a aquisição do vinho e de roupas, p. ex., estando contida no lucro, como algo que lhes é comum, nada impede intenda essas duas coisas quem intende o lucro.
 
Resposta à terceira. ― Conforme já se disse na primeira parte (q. 85 a 4), podemos inteligir várias coisas simultaneamente, contanto que tenham certa unidade.

  1. 1. lib. II De Serm. Domini in monte (cap. XVII).
  2. 2. II Topic., cap. X.
  3. 3. II De Anima, lect. XVIII.
  4. 4. Q. 12, a. 2.
  5. 5. Q. 1 a. 5.
  6. 6. Q. 12, a. 1 ad 3.
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