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Família e moral (139)

O sacrifício de Cristo no Calvário e a Missa

O sacrifício de Cristo no Calvário trouxe a salvação para todos os povos de todos os tempos, e, ainda assim, a Igreja Católica Romana ensina que Cristo é oferecido na Missa diariamente. Isso não nega o sacrifício da Cruz e a Epístola de São Paulo aos Hebreus?

Poderíamos pensar que o sacrifício da Santa Missa seria uma negação do sacrifício da Cruz se a Missa fosse um sacrifício diferente do sacrifício da Cruz. Mas não é o caso de acordo com a doutrina católica. A Igreja, claramente, ensina que o sacrifício da Santa Missa é o mesmo sacrifício da Cruz e difere apenas na maneira de oferecimento. O mesmo Cristo, que Se sacrificou cruentamente pelo povo no Calvário, sacrifica a Si mesmo na Missa.

O sacrifício da Missa também poderia ser considerado uma negação do sacrifício da Cruz se ele tivesse a mesma intenção. Também não é o caso, Afinal de contas, na Cruz, Cristo trouxe a salvação e todas as graças para os homens. Na Santa Missa, os méritos do sacrifício da Cruz já foram adquiridos e estão sendo tão somente aplicados e distribuídos ao povo. São duas coisas diferentes. E é belíssimo que a Santa Missa seja a comemoração mística do sacrifício da Cruz. Portanto, a lembrança dele é, assim, mantida viva entre os homens e, portanto, as graças conquistadas através do sacrifício do Cruz são dadas aos homens através dela.

E, portanto, o sacrifício da Missa não é uma negação do sacrifício da Cruz. Os textos de São Paulo, com os quais os protestantes querem provar que não há nenhum outro sacrifício além do sacrifício da Cruz, estão no 9º Capítulo da Epístola aos Hebreus, versículo 12 especificamente: “Mas Cristo […] com seu o seu próprio sangue, entrou uma só vez no Santo dos Santos, depois de ter adqurido uma redenção eterna”; versículo 25: “E não entrou para se oferecer muitas vezes a si mesmo”; e versículo 29:  “Assim também Cirsto se ofereceu uma só vez”. Aqui, o Apóstolo contrasta os sacrifícios repetidos dos hebreus da Antiga Aliança com o sacrifício único de Cristo, que trouxe a salvação de uma vez por todas. Esses textos não se referem, de maneira alguma, ao sacrifício da Missa. E, é claro, os católicos aderem integralmente ao ensinamento de São Paulo, pois nós não defendemos que o sacrifício diário da Missa traz uma nova redenção. Ademais, os numerosos sacrifícios dos judeus não podem ser comparados com a Missa, pois aqueles sacrifícios eram apenas figuras do sacrifício da Cruz. A Santa Missa, porém, foi instituída por Deus para compartilhar conosco os frutos do sacrifício da Cruz.

Como educar as crianças para o serviço

Irmãs da FSSPX

 

Há alguma mãe que não deseje que seu filho seja feliz? Seu segredo consiste em abdicar de si mesma; toda mãe sabe disso. Os mais felizes são sempre os que mais se doam! Desejamos educar nossos filhos para a verdadeira felicidade? Pois tudo começa no Servir.

Nem sempre as crianças cooperam. Algumas costumam deixar a mesa assim que terminam de comer; outras assim que o pai veste a roupa para o trabalho. Outras calculam minuciosamente se seus irmãos e irmãs fizeram tanto quanto elas e a mãe, um pouco perturbada, não sabe se deve chamar sua atenção ou esperar que a ajuda venha espontaneamente. O que fazer? Há, porém, no fundo do coração de cada criança, um certo heroísmo que talvez se encontre adormecido. Como despertá-lo?

Essa é a questão; pois há diversas formas de solicitar a generosidade das crianças e, muito frequentemente, é a forma de fazê-lo que irá determinar a resposta delas. Servir traz contentamento. Por que não apresentá-lo dessa maneira? Saibamos penetrar na difícil concha de esforço e mostrar aos nossos filhos a beleza do ato que lhes é pedido.

Façamos com que servir seja algo atraente. Há maneiras entusiasmadas de se pedir “Lave a louça”, “Varra o chão” ou “Coloque a mesa”. Podemos pedir gentilmente: - “Poderia me fazer um favor – e também agradar a Deus – e limpar a mesa?”. Ou talvez: “Mostre ao papai como você varre bem”, e também “Você poderia cuidar da louça? Outro dia você foi perfeito”! Não devemos hesitar em desenvolver ambições saudáveis em nossas crianças ao evocar o que elas poderão se tornar quando ultrapassarem seus próprios limites. Sim, servir é mais do que um sacrifício ou um esforço. Apresentá-lo sempre sob seus aspectos mais árduos poderia desencorajar algumas delas – por isso é necessário que não solicitemos a sua ajuda apenas quando estivermos com pressa ou irritados. Isso faria com que se sentissem obrigadas e ficariam relutantes. Assim, muitas vezes, o aspecto desagradável do ato será ressaltado por um pedido feito de modo áspero. Ao contrário, apelemos ao seu heroísmo oculto; elas podem perfeitamente ter algumas surpresas reservadas para nós!

Mas, e se a criança se recusar a atender ao pedido? Devemos obrigá-la a obedecer? Será preciso se adaptar ao temperamento da criança, apelando ao seu amor por sua mãe ou ao seu senso de dever, de acordo com o caso. Se ela permanecer rebelde, podemos obrigá-la, mas, às vezes, também é hora de colocá-la em seu lugar: a vergonha é muito mais poderosa do que um discurso raivoso! Quanto àquelas que aceitam de bom grado a tarefa proposta, vamos acompanhá-las carinhosamente no início, explicando-lhes como fazer a tarefa.

Concluído o serviço, nosso sorriso de gratidão será para elas um verdadeiro raio de sol. Para o caçula, ele será acompanhado de um gesto de afeto. Nossos pequenos precisam que enxerguemos a sua boa vontade por detrás das deficiências de seu ato, que enxerguemos os seus esforços. Isso os encoraja a recomeçar, mas especialmente mostra-lhes as qualidades que podem e devem adquirir. Eles não têm experiência e confiança em si mesmos. A mãe encontrará palavras gentis para encorajá-los, cada um à sua maneira. Certamente, a criança não deve fazer o que quiser, mas não podemos ajudá-la a desejar aquilo que deve fazer?

O exemplo da mãe naturalmente terá um grande peso. É por ela que começa essa educação ao espírito de serviço. A imagem de uma mãe dedicada com uma tia que está doente, ou ajudando com a limpeza em um priorado, permanecerá gravada na mente da criança. E quando somos pequenos, estamos tão orgulhosos de ser como mamãe e papai!

Queridas mães, vamos resumir em duas palavras a atitude que despertará a devoção em seus corações: encorajar e, acima de tudo, confiar.

Nunca recusemos o serviço que uma criança oferece, por mais desajeitado e irritante que seja. Quantas meninas hoje não conseguem preparar uma refeição porque suas mães não as deixaram fazer, sob o argumento de que seria mais rápido se elas cozinhassem sozinhas. Quantos adolescentes não estão atrás da moto de um amigo porque seu pai não os deixa usar a broca ou o cortador de grama!

Assim, pouco a pouco, o trabalho que antes era tão obscuro e repulsivo se tornará bonito e atraente. O desejo de agradar os outros transformará a vida familiar! Você promoverá a felicidade verdadeira nas crianças ao permitir que saboreiem a alegria profunda do sacrifício: a alegria de agradar aos outros e a Deus. Pequenos serviços naturalmente prestados, equivalem a atos sobrenaturais mais profundos. Isso é o que os convidará a serem cada vez mais generosos e felizes!

Ó, Nossa Senhora, que, no serviço oculto da casa, escondestes vossa incomparável santidade e vossa alegria no serviço do Senhor, rogai por todas as mães!

  

É permitido tolerar um mal?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Em si mesmo (per se), diante do mal e do erro, a única atitude prática permitida é guerra, repressão e ódio. Em circunstâncias normais, é a única maneira de impedir o que é mal e fazer o que é bom.

Mas, excepcionalmente (per accidens), pode haver casos em que a repressão de um mal causa o risco de gerar males ainda maiores do que aquele que estamos tentando impedir, ou casos em que, através da tolerância paciente e temporária do mal, grandes bens podem ser atingidos.

Como Santo Tomás explica, “O governo dos homens deriva do governo de Deus e deve imitá-lo. Deus – onipotente e infinitamente bom – permite o mal que acontece no universo: embora pudesse eliminá-lo, Ele o suporta, seja para atingir um grande bem, seja para evitar grandes males. De maneira semelhante, [nós] podemos, licitamente, tolerar certos males, para evitar males maiores ou atingir um grande bem (II-II, .q. 10, a.1, ad corpus).

Em circunstâncias excepcionais, portanto, uma mudança de atitude excepcional é compreensível – ao invés de repressão imediata, a tolerância.

Tolerância é a permissão negativa de um mal.

Seu objeto é um mal que, por razão séria, não pode ser evitado aqui e agora. Constitui uma permissão simples: permite que o mal subsista. A permissão é simplesmente negativa: ela é dada porque não se pode proceder de outra maneira.

A tolerância não é suportar passivamente apenas, mas um ato positivo da vontade através de que alguém se abstém, neste caso concreto delimitado, de reprimir o que deveria ser reprimido. Ela não significa aprovação ou garantia de liberdade para agir, pois a liberdade só é possível para o que é bom. Na verdade, ela significa, enfaticamente, a reprovação daquilo que é tolerado. A tolerância é um bem – mas o mal tolerado permanece sendo um mal.

Podemos escolher, querer e amar a tolerância, porque – em circunstâncias concretas – ela é um bem. Mas, mesmo em circunstâncias excepcionais, não podemos escolher, querer e amar o mal tolerado, pois ele é sempre um mal. Se estivermos impedidos de combater o mal, ainda assim devemos odiá-lo e evitar qualquer tipo de compactuação com ele.

Diretos naturais e "direitos humanos"

“Direito” (ius) é definido por São Tomás em termos estritamente objetivos como uma ipsa res iusta, uma coisa justa, algo que é devido. Essa “coisa justa” sempre é um bem honesto. Portanto, é uma contradição referir-se a atos pecaminosos como “direitos”.

Para melhor explicar a noção do que é devido, a doutrina católica distingue entre direitos inatos e direitos adquiridos.

Direitos inatos são estritamente naturais, absolutos, fundados na natureza do homem. Eles advêm do fim necessário do homem, a que ele está destinado por sua natureza. Essa necessidade natural lhe dá o direito de fazer, sem ferir o próximo, o que é necessário para atingir seu fim. Esses direitos são inerentes à natureza humana; eles não podem ser alienados ou extintos no que diz respeito a sua substância, embora um indivíduo possa abster-se de seu exercício quando ele não estiver obrigado a exercê-lo, e até mesmo renunciar a eles formalmente para buscar uma perfeição maior.

Direitos adquiridos são fundados em um fato livre, contingente – isto é, algo que poderia ou não ter acontecido, dependendo da ação livre de alguém. Por exemplo, eu posso escolher comprar um livro ou não, mas, uma vez que tenha decidido comprar um livro e cheguei a um acordo com o vendedor, o livro é meu, e o pagamento é do vendedor. Esses direitos podem ser perdidos ou transferidos a outro.

Em consequência, podemos dizer que os verdadeiros direitos naturais do homem são inerentes à sua própria natureza. Em relação a Deus, o homem não tem direitos; mas, em relação a outros homens, ele tem o direito de usar bens que sejam conformes a sua natureza – isto é, os bens que lhe sejam devidos.

Eles também são anteriores ao Estado, que não pode violá-los. Primordiais e inalienáveis, esses direitos existem antes de qualquer autoridade temporal; eles não são dados por ela. O Estado deve reconhecê-los e protegê-los e jamais sacrificá-los para o bem comum.

E, finalmente, eles são fundados em Deus. Assim como a natureza humana é dada por Deus, os direitos da natureza fundam-se n´Ele. Verdadeiros direitos advêm dos deveres de homem perante Deus – nós temos direitos concernentes a nossa vida, família, patrimônio, culto, porque, nessas coisas, temos deveres perante Deus.

Consequentemente, levando em conta que o homem é composto de alma espiritual (intelecto, vontade livre) e de corpo material (sentidos, movimento), há dois principais direitos naturais, totalmente imprescritíveis – o direito de saber a verdade e o direito de buscar os bens necessários para atingir a felicidade e nosso fim último (i.e., Deus e tudo que ajuda a chegar a Ele). Deus não retira esses direitos do homem durante essa vida; consequentemente, nenhum homem pode retirá-los de outro homem.

Há outros dois direitos naturais que não são imprescritíveis – i.e., eles podem ser perdidos como punição legítima por um crime: o direito de exercer nossa liberdade no que não for contrário a nossos deveres perante Deus e perante o próximo e o direito de preservar nossa pessoa e nossos bens.

Infelizmente, o mundo moderno proclama e protege como “direitos humanos” coisas que não têm esse status. Alguns são falsos porque sua fundação é má, em razão de se fundarem apenas na vontade do homem, não na natureza (isto é, em Deus, o criador da natureza). Outros são falsos porque seu objeto é injusto, pois são contrários à lei divina e natural – por exemplo, o “direito” ao aborto. Finalmente, alguns são falsos porque sua extensão é abusiva, como quando alguns direitos adquiridos são reivindicados como naturais (inatos)

É pecado mortal votar em um candidato pró-aborto?

O ato de votar pode ser um ato virtuoso mesmo nas nossas democracias liberais, nas quais muito do sistema se opõe não apenas à nossa Santa Religião, mas até mesmo ao Direito natural em si. Porém, para um voto ser um ato virtuoso, ele deve ser direcionado ao seu fim, a saber, o bem comum. Consequentemente, é um pecado mortal votar em um candidato indigno, pois a escolha de um candidato cuja vida ou política é imoral é uma cooperação ilícita ao advento de um mal grave à sociedade. Não há a menor dúvida de que o aborto, o assassinato de inocentes, é um dos maiores males que afligem a sociedade moderna, e que esse pecado está clamando aos Céus por vingança. Consequentemente, não pode haver nenhuma justificativa para votar em algum candidato que seja pró-aborto ou tolerante ao aborto de algum modo.

Surge a questão, porém, de se poderia haver razão suficiente para votar em um candidato que tolera alguns abortos, por exemplo, para evitar um grave mal maior, como no caso de tentar derrotar um candidato que seja a favor de casamentos homossexuais ou que ativamente promova o aborto ou algum mal maior, como guerras injustas.

Os teólogos respondem que o ato de votar é uma cooperação material no mal que esse candidato pode causar e não necessariamente uma cooperação formal (cf. Prummer, III, §604). Isso significa que a pessoa que vota não necessariamente é diretamente responsável pelo que um mau candidato faz uma vez eleito, ainda que se tenha previsto que ele faria algumas más obras. Nesses casos de cooperação material, a Igreja permite a aplicação do princípio do voluntário indireto. É permitido, pois o ato de votar em si não é mal, e o fim é bom, a saber, evitar um mal maior. Porém, deve haver uma razão grave apta a justificar essa cooperação material, e todo tipo de escândalo precisa ser evitado. Esse poderia ser o caso, por exemplo, de uma pessoa que vota em um protestante cuja plataforma esteja, de modo geral, de acordo com o Direito natural, mas que pode ter alguns princípios equivocados acerca do divórcio ou do financiamento das escolas católicas ou sobre alguma outra questão. Nesse caso, seria permitido escolher o mal menor e votar em um candidato que não é inteiramente bom sob a condição de que haja uma razão muito grave, a saber, evitar um mal maior.

A questão aqui é se poderia haver uma razão grave suficiente a ponto de justificar que alguém vote em um candidato pró-aborto. É possível que haja um mal maior capaz de justificar essa participação no mal do aborto, ainda que seja apenas uma participação materia. -- Eu não consigo conceber como isso seria possível, pois o aborto é um crime horrível e perverso. É possível conceber um mal maior que permitiria alguém votar em um candidato que aceitaria (involuntariamente) abortos sob certas condições excepcionais como estupro, pois isso é frequentemente feito para evitar a eleição de um candidato que é positivamente pró-aborto. Isso é uma ocorrência frequente e certamente é permitido. Porém é inconcebível que um católico vote em um político que é positivamente pró-aborto simplesmente porque ele gosta das suas políticas fiscais ou sociais. Nesse caso não haveria justa proporção, e certamente tal ato seria um pecado grave, ainda que sua intenção fosse, apenas, a de uma cooperação material.

Se, em geral, ser um eleitor de um único tema é ser mente fechada demais, isso, certamente, não se aplica à questão do aborto. O bem comum absoluta e necessariamente requer a abolição dos abortos da vida pública, e isso é de tal maneira importante para o bem da sociedade que nenhuma pessoa poderia ser considerada imprudente por votar apenas baseada nesse tópico apenas.

 

- Pe. Scott, Fevereiro/Março de 2004.

Pode-se dizer que recebemos graças ao assistir à Missa na TV?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Pergunta: “Em razão do lugar onde vivo, não tenho condições de ir à Missa aos domingos, mas sempre escuto a uma transmissão ao vivo da Missa de Nossa Senhora de Fátima em Pittsburgh e tenho algumas perguntas: Pode-se dizer que recebo algumas graças ao assistir à Missa na TV? Se não tiver como ir à Missa, isso basta para cumprir meu preceito dominical?”

 

Resposta: Por si só, assistir e piedosamente associar-se ao Santo Sacrifício da Missa, mesmo quando feito apenas através da televisão ou do rádio, pode ser meritório, mas não da mesma maneira que seria ir à Missa pessoalmente. Cristo instituiu os sacramentos como sinais exteriores da graça, que operam o efeito que eles simbolizam. Em razão desse componente necessariamente exterior dos sacramentos, a Igreja sempre enfatizou que, para participarmos diretamente deles, devemos estar física e moralmente presentes. Portanto, ainda que possamos receber graças por nossos atos piedosos, nós não estamos diretamente recebendo graças como se estivéssemos presentes na Missa. Dito de outra maneira, quando assistimos ou ouvimos à Missa na TV ou no rádio, nós não estamos, realmente, indo à Missa ou participando diretamente dos seus méritos. Qualquer graça que recebamos por esse ato seria comparável à oração de alguém que recita seu Missal em casa.

Quanto à questão da obrigação, é bastante simples. Se você puder ir à Missa, e a distância não for seriamente inconveniente, então você deve ir ao Santo Sacrifício da Missa todo domingo e em dia santo de preceito. Se, porém, você não tiver como ir, ouvir a Missa no rádio não basta para cumprir seu preceito, pela simples razão de que a Igreja não o obriga nesses casos. A obrigação imposta pela Igreja existe para a nossa salvação, e a Igreja não obriga em casos que são impossíveis ou gravemente inconvenientes (como seria o caso em que se deveria fazer uma viagem muito longa para estar presente, ou em caso de doença na família).

É moralmente obrigatório votar?

Pe. Peter Scott, FSSPX

 

É verdade que os modernistas consideram a democracia e o direito ao voto como sacrossantos, uma consequência imediata da dignidade humana, diretamente conectada com a religião humanista deles.

Ao reagirmos a isso, sabendo como sabemos o quão injusto é o sistema eleitoral, percebendo como muito da democracia moderna é baseado no falso princípio da liberdade humana, alheio a toda lei moral e divina objetiva, estando cientes de quão pouca diferença real há entre os candidatos e de quão falsa é a impressão de que o voto de um único homem realmente vai fazer diferença para um sistema tão secular e ímpio, facilmente concluímos que não há obrigação de votar.

O ensinamento da Igreja nesse tópico não é nada de novo. Sem aprovar o sistema moderno da democracia e seu falso princípio de soberania do povo, a Igreja, de qualquer maneira, obriga-nos a contribuir com o bem comum da sociedade por obrigação de justiça. Esse princípio se expressa bem nas palavras do Papa Pio XII no seu discurso à Ação Católica Italiana de 20 de abril de 1946: o povo é chamado a tomar parte cada vez maior na vida pública da nação. Essa participação traz com ela graves responsabilidades. Daí a necessidade de que os fiéis tenham conhecimento claro, sólido e preciso de seus deveres nos domínios moral e religioso no que diz respeito ao exercício de seus direitos civis e, em particular, o direito ao voto.

Na verdade, o Papa havia explicado claramente que é precisamente tendo em vista o espírito secular e anticatólico ao redor dos católicos que eles têm o dever de defender a Igreja através do exercício correto do direito ao voto. É visando prevenir um mal maior. Ele havia afirmado, no dia 16 de março de 1946, aos párocos de Roma: o exercício do direito ao voto é um ato de responsabilidade moral grave, ao menos no que diz respeito a eleger aqueles que darão ao país sua Constituição e suas leis e, em particular, aquelas que afetam a santificação dos dias de preceito, o casamento, a família, as escolas e a regulação justa e equânime de muitas questões sociais. É dever da Igreja explicar aos fiéis os deveres morais que decorrem desse direito eleitoral.

O Papa Pio XII foi ainda mais explícito dois anos depois, novamente ao se direcionar aos párocos de Roma. Ele explicou que, nas exatas circunstâncias daquele tempo, todos os fiéis estavam obrigados, sob pena de pecado mortal, a votar, inclusive as mulheres. Apesar de ser verdade que, no conceito tradicional de democracia, apenas os chefes de família votam, é perfeitamente lícito às mulheres votar quando esse direito lhes é dado, e, na verdade, torna-se obrigatório fazê-lo quando o bem comum depende de todos os católicos usarem seu voto corretamente.

Aqui está o texto do dia 10 de março de 1948:

“Nas circunstâncias presentes, é obrigação de todos que têm direito de votar, homens e mulheres, tomar parte nas eleições. Quem se abstiver de fazê-lo, particularmente por indolência ou fraqueza, comete um pecado mortal por isso, uma falta mortal. Cada um deve seguir os ditames de sua consciência. Porém, é óbvio que a voz da consciência impõe a cada católico que dê seu voto aos candidatos que verdadeiramente oferecem garantias suficientes à proteção dos direitos de Deus e das almas, ao verdadeiro bem dos indivíduos, das famílias e da sociedade de acordo com o amor de Deus e o ensinamento moral católico.”

Essa aplicação do ensinamento da Igreja àquela situação particular daqueles tempos está de acordo com o ensinamento dos teólogos morais, que falam do grave pecado de se abster de eleger representantes bons, católicos, e do dever de fazer tudo ao nosso alcance para encorajar os leigos capazes a trabalhar no sentido de usar o sistema eleitoral para obter legisladores dignos.

Porém, quão distantes estamos dessa situação! Claramente, nós não estamos mais na circunstância de escolher entre representantes católicos ou não católicos, representantes moralmente retos ou liberais. Todas as alternativas são liberais, e a enganação e manipulação do público pela mídia não tem limites. Na prática, geralmente tudo se resume à questão de se é permitido ou não votar em um candidato indigno (p. ex., um candidato que só é favorável ao aborto em casos de estupro ou incesto) em razão de que ele, ao menos (supomos), seria o mal menor. Nesse caso, não há obrigação de votar, pois todas as razões que obrigariam, mencionadas pelo Papa Pio XII, não se aplicam. Ainda assim, ainda é permitido votar nesse caso, desde que se possa ter certeza de que, realmente, há um mal menor e desde que haja razão grave para agir assim (p. ex., para evitar a proliferação de abortos ou a promoção de métodos antinaturais de controle de natalidade) e desde que se tenha a boa intenção de contribuir com o bem comum da sociedade o melhor possível. Isso se chama cooperação material; ela, porém, não é obrigatória.

Consequentemente, no raro caso de que haja um candidato pública e claramente católico que apoia o ensinamento da Igreja, há a obrigação moral de votar sob pena de pecado mortal. Onde houver, claramente, um possível ganho do uso correto do voto em outro tipo de candidato, pode ser recomendado ou aconselhado. Porém, se não houver nenhuma vantagem clara, seria melhor abster-se até mesmo de uma cooperação material.

 

- Pe. Scott, Fevereiro de 2007.
 

É pecado omitir as orações antes e depois das refeições quando estou entre não católicos?

Pe. Peter Scott - FSSPX

 

Quem faz essa pergunta, talvez, tenha em mente a reação do pequeno João Maria Vianney, o futuro Cura d’Ars, que, quando à mesa com um mendigo que omitiu essa ação, deixou a mesa e passou a noite em jejum. Quando perguntado sobre essa reação por seus pais, ele simplesmente disse que não conseguiria comer diante de alguém comportando-se como um animal! Essa história nos lembra que fazer orações antes e após as refeições é um piedoso costume entre os católicos. Nosso Senhor, frequentemente, abençoava o pão e o repartia de uma maneira tão especial e religiosa que esse ato entregou Sua identidade aos discípulos de Emaús.

Porém, o que pensar de quem omite essas orações em público e entre não católicos? Por uma questão de princípio, devemos começar dizendo que não há nenhum preceito formal sobre orações nas refeições em qualquer dos ensinamentos de Cristo ou da Igreja. E, se não há nenhuma obrigação de rezá-las, então não há pecado em omiti-las. Além disso, essa omissão não necessariamente significa que a fé de alguém está esmorecendo ou que essa pessoa está sendo negligente com suas orações.

Estaríamos, aqui, lidando com um caso de dissimulação da fé? Poderia haver ocasiões em que o mero fato de fazer um sinal da cruz em público poderia causar uma intriga entre trabalhadores e levar a zombarias contra nossa religião. Esse fato, por si só, é uma razão suficiente para omitir essas orações em público, e bastaria rezá-las mentalmente.

Porém, em geral, a questão de rezar ou omitir as orações das refeições quando na presença de não católicos é mais uma questão de coragem vs respeito humano. Com mais frequência que o contrário, principalmente em um restaurante, onde as pessoas têm mais o que fazer além de denegrir a religião dos outros clientes, o fato de rezar as orações das refeições em família vai gerar respeito entre os outros clientes e entre os garçons. E isso pode levar até ao início de uma conversa sobre a fé com algum dos presentes.

Qual é a posição da Igreja sobre a Pena de Morte?

Ela é permitida quando for proporcional ao crime cometido, como no caso de assassinato, traição, estupro. A Igreja sempre ensinou que um homem ou mulher tem direito à autopreservação. Se necessário, uma pessoa pode matar se essa for a única maneira de repelir um ataque injusto. O Estado, de maneira semelhante, tem o direito de proteger a si próprio e a seus cidadãos através do uso proporcional da pena capital.

- Pe. Carl, Novembro de 1979.

A usura é pecado?

Pe. Peter Scott, FSSPX

Usura é a cobrança de juros pelo uso de dinheiro como se ele tivesse algum tipo de poder produtivo por si próprio. São Tomás de Aquino pergunta-se essa pergunta – a saber, a usura é pecado? - na Suma Teológica (II-II, q. 78, art. 1) e responde, categoricamente, de maneira afirmativa. A razão que ele dá para isso é que o dinheiro não é algo que permanece após ser usado (p. ex., uma casa, cujo uso é remunerado quando ela é alugada), mas que é consumido quando é usado (p. ex., comida, cujo uso não tem preço, apenas seu valor de venda). Essas são suas palavras:

Comete injustiça aquele que vende vinho ou trigo e que pede pagamento duplo, isto é, um pelo retorno da coisa vendida em igual medida, o outro pelo preço do uso, que se chama usura… Agora, o dinheiro, conforme o Filósofo, foi inventado principalmente com o propósito de troca; e, consequentemente, o fim principal do dinheiro é seu consumo ou alienação, através do qual ele se converte em troca. Consequentemente, é ilícito em essência receber pagamento pelo uso do dinheiro emprestado, cujo pagamento é conhecido como usura: e, assim como um homem está obrigado a devolver bens adquiridos ilictamente, também está obrigado a devolver o dinheiro que recebeu a título de usura.

Não há dúvida de que a usura é o que movimenta a sociedade capitalista moderna ao longo do seu caminho destrutivo do materialismo, e que isso é responsável por depressões e guerras mundiais. Se, porém, a usura sempre é um pecado mortal, isso não significa que não pode haver um juro justo, desde que ele não seja cobrado pelo valor do dinheiro em si, pois este é um mero meio de troca e não tem nenhum poder produtivo em si mesmo, como o trabalho ou um bem imóvel têm. O Pe. Walter Farrell, O.P., resume essa idéia bem em A Companion to the Summa (III, 239):

Onde houver usura, ela será errada, e sua malícia é evidente. É absurdamente simples entender que cobrar um homem duas vezes pela mesma coisa é sempre injusto, e é precisamente nisso que a usura consiste: ela vende a mesma coisa duas vezes. O truque só é possível quando a coisa vendida ou emprestada é consumida no seu primeiro uso, coisas como vinho, sanduíches ou dinheiro. Quando nós exigimos, além do montante original de dinheiro emprestado, uma quantia adicional pelo uso do dinheiro, nosso ato é o mesmo que vender a um homem um copo de vinho e, então, cobrar dele para que ele possa bebê-la.

Se mantivermos essa noção simples da usura em mente, não será difícil entender a distinção absolutamente necessária entre usura e juro lícito. Este é cobrado não pelo simples uso do dinheiro como na usura, mas a título extrínseco.

Títulos extrínsecos para um juro lícito podem incluir coisas como o risco de perder o dinheiro, o dano positivo causado ao credor por externalidades como inflação ou a produtividade humana que se torna possível se o dinheiro for investido para comprar ações de uma empresa, produzindo, assim, dividendos.

Os Padres da Igreja primitiva denunciavam a usura nos termos mais severos, e vários decretos eclesiásticos nos séculos XII e XIII corroboravam essa opinião sob pena de excomunhão e negação de exéquias. Houve, porém, um relaxamento das leis da Igreja nesse tema, pois o desenvolvimento do protestantismo a tornou socialmente aceitável, e o Capitalismo de livre mercado do Século XIX a tornou uma realidade inescapável da vida cotidiana. Esse relaxamento das leis da Igreja está presente no Código de Direito Canônico de 1917, Cânone 1543:

Se um bem que se consome com seu primeiro uso é emprestado sob a condição de que ela se torne propriedade do mutuário, que está obrigado a devolver ao mutuante não a coisa em si, mas apenas o seu equivalente, o mutuante não pode receber nenhum pagamento em razão do empréstimo em si. Ao dar ou emprestar esse bem, porém, não é ilícito em si mesmo fazer um acordo para recuperar juros à taxa permitida pela lei civil, exceto se essa taxa for claramente excessiva.

O Pe. E. Cahill, SJ, em The Framework of a Christian State, comenta e explica essa mudança da lei da Igreja:

“Pode-se, sem preocupações com a existência ou não de títulos extrínsecos (como perdas acidentais ocasionadas pelo empréstimo, o risco de não receber o pagamento, etc), receber juros ao índice estabelecido pela lei civil, desde que esse índice não seja manifestamente excessivo. A razão para essa mudança, ou mudança aparente, da atitude da Igreja em relação à usura é que, nos tempos modernos, em razão da organização capitalista da vida econômica, o dinheiro, praticamente, tornou-se uma forma de capital, e a Igreja segue sua política tradicional no que diz respeito a regular sua atitude em relação a ele. Como sempre, ela temporariamente ajusta sua disciplina, na medida do possível, às necessidades dos tempos, mesmo quando essas necessidades são resultado de um estado de coisas que ela não aprova, e ela permite que os fiéis ajam de acordo com costumes sociais permitidos pela lei civil, desde que esses costumes não sejam manifestamente imorais ou injustos” (p. 49)

Esse não seria o caso, porém, de uma sociedade que reconhecesse e canonizasse o Reinado Social de Cristo.

 

- Pe. Scott, Julho de 1998

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