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Família e moral (139)

Formação e deformação do homem

O texto a seguir é a transcrição adaptada e completada de uma conferência pronunciada a um grupo de rapazes católicos, na Capela Nossa Senhora da Conceição, em janeiro de 2012. Foi mantido o estilo coloquial.

 

Introdução

O meu propósito nesta conferência é tratar um problema muito sério que ocorre na vida de todos, de todas as famílias, de todos os casais. Vocês bem sabem, e não vou entrar neste detalhe, que a sociedade moderna não ataca apenas a religião e a fé, mas perverte também a natureza das coisas. No comportamento dos homens também existem distorções graves, fruto desses duzentos anos de liberalismo e dos quinhentos anos de espírito revolucionário. As transformações foram se fixando e atingiram aspectos essenciais da vida social. Assim, a tese que quero apresentar para vocês é a seguinte: “vocês não são homens”.

Por que posso dizer isso? Porque a atitude geral dos homens casados não é mais uma atitude de homem. E se assim ocorre, se a maioria dos jovens casados ingressa na vida familiar sem uma atitude de homem, é porque não estão sendo formados como homens. Apesar de freqüentarem a Capela, de serem católicos e estudarem o catecismo, vocês respiram esse ambiente cultural decadente. Por isso, preciso alertá-los antes, para que saibam agir como homens agora. Será que as mulheres os aceitarão, quando perceberem que vocês recuperaram a condição e as atitudes próprias dos homens? Talvez não. Será preciso, por outro lado, formar as mulheres, o que é outra tarefa necessária na reeducação da sociedade católica.

O problema não é saber se são homens por terem vida masculina, por usarem calças compridas e agirem exteriormente como homens. Não é a voz grossa ou a força física que falta na nossa sociedade. Eu diria mesmo que quanto menor a atitude essencialmente masculina, mais o homem engrossa a voz e ameaça com os punhos, para tentar impor-se pelo temor. Trata-se de saber o que é ser homem, o que isso significa. O mundo perdeu essa noção, e vocês a perderam juntos.

Paralelamente, o mundo levou a mulher a ocupar o lugar dos homens, a ocupar o vazio deixado pelo homem nos estudos, no trabalho, na prática da autoridade; e isso altera os fundamentos da sociedade.

Há, portanto, um movimento duplo e simultâneo, no qual as atitudes de chefia, de autoridade, de força moral e de referencial da sociedade bascularam do lado masculino para o lado feminino. Elas assumiram esse papel sem que vocês se dessem conta; ou melhor, insensivelmente, os homens deixaram para elas o papel de comando da sociedade.

Não discuto, de modo algum, a maior ou menor capacidade das mulheres de exercerem a chefia e a autoridade. Estou pronto para reconhecer a grandeza delas. O que me ocupa aqui é um problema de ordem superior, espiritual, causado por uma deficiência da natureza humana, tal como foi criada por Deus, e das conseqüências desastrosas que ela tem causado na vida da sociedade.

 

A Casa

Tudo começa dentro de casa: é onde recebemos educação. E aqui acontece a primeira deficiência: a falta ou a recusa de educação.

Gostaria de deixar claro que não podemos considerar como educação o mesmo que é pregado pelos governantes atuais. Segundo eles, o que falta ao Brasil é educação. Para remediar, pretendem investir em maior número de escolas, ou de vagas universitárias, como se escolaridade desse ao homem a verdadeira educação. De que adianta dar um diploma a todos, se nas escolas e nas famílias já não se transmite o caráter reto? Nem sempre os povos sem escolaridade foram povos mal educados. Hoje, ao contrário, quando a escolaridade se espalhou e universalizou, o que mais se encontra pelo mundo é a falta de caráter e de virtudes.

Nosso propósito é analisar a ausência de virtudes na educação moral dispensada pelos pais e pelas escolas.

Ora, dentro do conceito de educação, deveríamos pensar em obediência – é a primeira virtude que nos é exigida na vida. Deveríamos todos aprender a obedecer desde o berço, mas crescemos sem conhecer essa virtude, porque os pais não sabem se impor. A televisão, a internet, os jornais dizem aos pais que eles têm de dar liberdade à criança, não podem castigar, não podem repreender. Com isso, a criança não sabe obedecer, porque os pais não sabem mandar. Como tudo na vida moderna, é pelo lado subjetivo que se encara o exercício da educação, e ficam com pena, não podem dar uma palmada simples, que serviria perfeitamente como linguagem muito bem conhecida de uma criança que não despertou ainda para as ideias universais. Quando a desobediência e a arrogância dos filhos mal educados começar a ficar mais grave, aí os pais exercerão sua autoridade de modo excessivo e bruto, porque foram guardando a raiva, sempre subjetiva, até que não agüentam mais e explodem com violência.

Deveríamos pensar também na virtude da justiça: ela nos ensina a dar a cada um segundo os seus méritos e segundo a sua qualidade. Dentro de casa é que se aprende a verdadeira justiça. E o primeiro ato de justiça é dar aos pais a submissão que lhes é devida; dar a si mesmo a condição de subordinado, de filho, condição igualmente devida às crianças. Hoje, dentro de casa, ela já não existe, porque cada um morde o seu pedaço, cada um quer a sua parte, e todos vivem do egoísmo. O mundo moderno, individualista e subjetivista, produz o egoísmo, e por isso ele vai querer ensinar a justiça no comunismo, que é o regime do inferno levado à vida social. É aí, na política esquerdista, fomentadora das maiores injustiças que o mundo já conheceu, que se ouve falar de justiça, mas de uma noção deturpada, porque dentro de casa já não se ensina mais. Os próprios pais se consideram em igualdade em relação aos filhos, a quem atribuem pseudo-direitos e mínimos deveres.

Outra virtude que será demolida pela sociedade atual é a amizade. Também ela é uma virtude. Eis outra coisa que o mundo moderno tira da alma. Ora, a amizade se produz no convívio dentro de casa, sobretudo entre irmãos. Uma casa onde as crianças devem conviver com seus irmãos, devem partilhar de seus bens, devem aprender a generosidade para com o próximo, é uma fonte de amizade verdadeira, que será um dia aplicada ao próximo.

A vida familiar, na convivência entre um grupo de irmãos, também produz atritos. É preciso aprender a lidar com os atritos. Mais tarde, a sociedade e até mesmo o mercado de trabalho será cruel com quem não souber suportar o próximo. As pessoas, em casa, não sabem mais suportar os atritos. Fecham-se em seu amor-próprio, na desobediência, nas injustiças e não conseguem mais um mínimo de paz. Os filhos que aprendem a obediência, a justiça, a amizade, aprendem também a suportar as ordens mais pesadas e os defeitos dos seus irmãos.

Outra virtude que se deveria aprender em casa é a ordem, a boa ordenação das coisas, a hierarquia e o respeito. Mas isso já é sabido: desde os anos 60 que os filhos se colocam no mesmo nível dos pais, numa guerra insana contra seu próprio lar. O que vemos, nos dias de hoje, é a criança dar ordens aos pais, e estes os servirem como se fossem seus empregados. Tiram dos filhos a capacidade de reagir diante das situações da vida, tolhem as iniciativas humanas, a começar pelo copo d’água que se apressam em buscar quando a criança grita, deitada num sofá: — Mãe, traz água!!!! São raras as famílias em que os pais ensinam a seus filhos o espírito de sacrifício.

Há certos ritos naturais na vida da casa, que também se devem ensinar às crianças: saber se levantar quando uma visita chega; saber comer à mesa com a família reunida, e não vendo televisão; os meninos não irem à mesa sem camisa, as meninas não usarem roupas indecentes, etc. Tudo isso são coisas muito importantes na formação do caráter.

Desapareceram também, na casa, a oração e a piedade. É dentro de casa, pequenino, que se aprende a rezar. E quando não se aprende pequenino a rezar, não se aprende mais. Por uma graça, alguém, muito mais velho, é sacudido por Deus e se converte. Conseguirá perseverar? Claro que existem casos de perseverança na vida católica e na oração, entre convertidos adultos, mas é difícil, tudo fica mais difícil. Se a piedade e a regra da oração não forem ensinadas no berço, é bem mais difícil perseverar. Aqueles que receberam isso desde a pequena infância, agradeçam a Deus; aqueles que não receberam, saibam que não existe verdadeira vida de homem sem piedade. Vocês são católicos, batizados, precisam estar em contato com Deus. Isso influenciará cada uma das etapas de suas vidas.

Piedade não é ir a Missa todo domingo: isso é obrigação estrita de todo católico; piedade é a prática do catolicismo: o homem católico confia em Deus, tem uma relação com Deus. Não basta dizer: “Ah! Eu Creio” – é pouco; “Eu vou à Missa” – é pouco; “Mas é Missa de São Pio V” – ainda é pouco. É preciso mais do que isso. É preciso amar a Deus em tudo, com todas as forças, fazer d’Ele a referência primeira das nossas vidas. E esta referência precisa estar presente em todas as etapas, em todas as idades. Isso se aprende em casa.

A criança é deformada dentro de casa. Não o é por falta de amor dos pais, não é isso. Os pais amam seus filhos, mas amam de um amor errado. O equívoco está em achar que o amor sentimental é o verdadeiro amor que vem do espírito racional. Tudo isso nós podemos colocar como sendo causado pelo sentimento. Vocês não são homens. Por quê? Porque vivem dos sentimentos e não da razão. O demônio é um anjo esperto; ele quer levar todo mundo para o inferno; sabe que é pelos sentimentos que ele pega o homem. É pelos sentimentos que pecamos. O pecado vem pelo sentimento. Quando não se consegue mais dominar os sentimentos pela razão, então o homem deixa de ser homem, age como animal irracional, e cai no pecado.

Com Adão e Eva foi exatamente assim. Foram criados numa situação de natureza íntegra: a razão humana dominava as paixões. Quando Adão e Eva pecaram, a integridade se rompeu, a natureza tornou-se decaída. Nós nascemos, por castigo de Deus, com o pecado original. Duas coisas que estão juntas: a mancha do pecado original e a natureza decaída. O Batismo limpa a mancha, não muda a natureza, que continua decaída.

É por isso que não somos verdadeiramente homens, porque, se definimos o homem como um animal racional, então a razão deveria imperar sobre aquilo que é animal. Porque os animais também têm sentimentos. Todos têm algum tipo de sensibilidade, ainda que seja a menor de todas, que é a sensibilidade física. Sentem fome, sentem necessidades e vão em busca do necessário, movidos pelo instinto. Deus lhes deu o instinto para isso; a nós, não. Para nós, Deus deu a razão. E é pela razão que vamos em busca das nossas necessidades. Também pela razão devemos controlar nossos sentimentos animais para obedecer à Lei do Criador.

Porém, com a natureza decaída, a situação se inverte, e não a dominamos mais. Impera dentro de nós a lei das paixões: “Porque eu não faço o bem que quero, mas o mal que não quero” 1.

E como podemos fazer com que volte a razão a dominar? Pela graça. Só a graça, essa criação de Deus soprada dentro de nós, pode restaurar nossa condição humana. Mas ela é instável, não é algo que se tenha em definitivo, pois somos levados a pecar quando esquecemos de ter em Deus nossa referência principal.

Formar homens significa inverter a tendência da natureza decaída, devolver à razão o reinado sobre os sentimentos, em todas as situações que se apresentarem diante de nós. Somos homens, somos racionais, por isso precisamos aprender a dominar a nós mesmos para, em seguida, dominar as situações da vida que se apresentarem diante de nós.

 

Escola

Se dentro de casa não aprendemos essas coisas, não é na escola que as iremos aprender. Ao contrário, na escola de hoje, somente reforçaremos a desordem, a inimizade, a injustiça, o egoísmo. A escola de hoje é formadora de vícios, porque não nos dá o que deveríamos receber. Somos forçados ao sentimento. Freqüentemente lemos nos jornais afirmações como esta: “o homem precisa viver de paixão”. Está errado. O homem precisa aprender a dominar suas paixões, orientá-las pela razão. Muitos psicólogos modernos acusam a Igreja de querer uma condenação sumária das paixões, o que teria provocado os distúrbios que se encontram na juventude. Mas isso não é verdade. A Igreja sempre ensinou que as paixões fazem parte da natureza sensível do homem. Em si, elas não são nem boas nem más, seriam neutras se não houvesse sempre uma polarização dos nossos atos entre o bem e o mal. Acontece que a natureza decaída se inclina com facilidade ao mal, movida por paixões desregradas. Se nossa natureza inclinada ao mal não fizer um esforço de elevação espiritual, cairá no pecado, na desobediência, na impureza ou na avareza. Essa é a situação da natureza decaída em Adão e Eva.

Os pais de vocês, quando se converteram, aprenderam algo sobre esse combate espiritual, mas não souberam aplicá-lo na educação dos seus filhos: podem ter tentado ensinar algo disso, mas não tudo. Às vezes dão aos filhos essa compreensão, mas esquecem de ensinar a piedade. Ora, como vocês vão sobreviver sem a piedade? Como vocês vão conseguir a graça, que é o único meio de manter a razão reinando sobre os sentimentos? Vocês sabem o que os pais dizem? “Não dá tempo para ensinar tudo”. Se eu pergunto: “você reza com seus filhos?” — “Não consigo, não dá tempo”. Mas eu pergunto: por que não dá tempo?

Vamos ver que alguns dos problemas que encontramos em casa, também os encontramos na escola.

Mas na escola damos um passo a mais na nossa vida social. Nela aprendemos uma coisa que, infelizmente, em casa já não se aprende. Na escola temos obrigações a cumprir. O ideal é que as crianças tenham suas tarefas e obrigações em casa, mas isso é raro.

Com essas obrigações aprende-se a fazer sacrifícios. Aprende-se a superar suas próprias deficiências e a desenvolver seus talentos: saber lidar com as vitórias e com as derrotas. É na escola que a criança deveria perceber que tem um desafio a realizar, boas notas, bom estudo, bom comportamento. Se ela repetir de ano, sentirá o remorso e o arrependimento, a vontade de melhorar e recuperar o tempo perdido.

A amizade e os atritos serão vividos de um modo novo, na escola. Uma coisa é ter atritos com o irmãozinho, outra coisa bem diferente é não se entender bem com alguém que pode bater em você, ou prejudicar sua estabilidade no convívio com os demais. Na escola a criança deverá aprender a firmar suas amizades com aqueles que merecem. Muitas vezes as amizades são fontes de muitos erros, de negligências e pecados. Toda criança bem educada conseguirá conciliar a alegria e o senso lúdico com a obediência, a honestidade e a pureza.

Qual a finalidade da escola? Qual a finalidade da família? A educação recebida em casa ou na escola deve desenvolver o caráter, a honra, e a Fé. Essas coisas se aprendem e passam a fazer parte da nossa natureza. A criança deve tornar-se um homem que não mente, que preza a honestidade em tudo o que faz, e que procura conviver com os amigos.

Na escola, a finalidade primeira é o estudo. Uma formação complementar à vida em família e que deveria ser subordinada à orientação moral ensinada pelos pais. A escola hoje, na verdade, já não tem mais o papel que deveria ter.

A escola hoje é dominada pelo Estado. Existe uma usurpação, por parte do Estado, do poder de ensinar. A criança tem de ir para a aula, tem de estar na escola. No fundo existe uma intenção de tirar dos pais o dever de criar e educar os filhos. A proibição, no Brasil, do home-schooling é significativa. Na cabeça deles, os pais não podem dar aulas porque o Estado é o responsável. Cuidado! Esse erro vai entrando, vai entrando dentro da gente, e perde-se a noção da verdade. Quem tem a obrigação de educar é a Igreja, na ordem sobrenatural, e são os pais, na ordem natural. Essa é a ordem estabelecida por Deus desde a criação do mundo. A escola é complementar, recebe dos pais delegação para atender seus filhos. O Estado nosso, que se impõe como educador, é comunista, é socialista, e manipula as consciências.

Aprende-se, tanto em casa como na escola, uma certa cultura. Quando falo de cultura, quero dizer aprender a ler. Não me refiro a aprender o alfabeto, a ser alfabetizado; digo aprender a ler, compreender que é através da leitura dos grandes clássicos, da verdadeira literatura, que aprendemos a conhecer a vida, aprendemos, pelo exemplo, o bem e o mal, e também adquirimos a capacidade de bem escrever. Cabe aos pais ter uma biblioteca ou usar uma biblioteca verdadeira para dar aos filhos essa formação de leitura.

Mas isso lhes parece muito chato: por que irão ensinar à criança o gosto da boa leitura, se podem apertar um botão e colocá-la diante de imagens vivas e cativantes da televisão ou de um computador? Então existe um problema aqui também na formação da criança, na formação da cultura. Temos aqui uma questão de cultura, tanto na literatura quanto na música. E temos também uma questão de Fé.

Dirão vocês: escola e Fé? Ora, a obrigação de toda escola deveria ser dar a Deus o verdadeiro culto, que é o culto católico. Temos de receber na escola uma complementação da casa, tanto na parte do convívio, da obediência, amizade, da formação do caráter, como da cultura e da Fé.

Quando eu era criança, estudava num colégio católico de leigos, não eram religiosos. Todo mês de maio, por exemplo, um menino e uma menina eram escolhidos para serem “Guardiães de Nossa Senhora”. A cada semana novas crianças eram escolhidas; uma coisa aparentemente boba, mas era a maior honra que podíamos ter no colégio. Quando a educação é feita com Fé, os pequenos ritos e gestos têm uma importância enorme, nunca mais se esquece. Meus antigos colegas de Primário, mesmo os que não guardaram a Fé, lembram-se ainda hoje: “Gostávamos de ser Guardiães de Nossa Senhora”. Cabe à escola nos dar algo da verdadeira Fé, do estudo sério e da formação complementar do caráter.

Os pais precisam ter conhecimento da escola em que matricularão seus filhos, devem saber o que procurar quando vão escolher uma escola. Não se trata de buscar aquela que vai levar o filho ao primeiro lugar no vestibular, não é isso. Além do bom nível de ensino e da disciplina, ela deveria oferecer o complemento de uma educação católica para seus filhos.

Com a crise de Fé que se espalhou dentro da Igreja, arma-se um novo problema, pois as escolas religiosas já não são aptas para dar às crianças uma educação que inclua a perseverança na Fé. De tal forma os erros do Concílio Vaticano II estão impregnados nessas escolas, que elas servem mais para arrancar a Fé do coração das crianças.

Os pais deverão procurar institutos de leigos com boa disciplina e bom nível de estudo, de pessoas sérias que se preocupem com a formação da família tradicional, e depois eles mesmos devem complementar em casa o que a escola não proporciona. Isso exige dos pais espírito de sacrifício, em casa. Em vez de gastar seu tempo com o Facebook, os pais têm a obrigação de se sentar com os filhos para ver as notas, acompanhar de perto os livros que são analisados na escola, e ensinar-lhes em casa as disciplinas que a Escola não ensina, como a vida dos santos, catecismo, história da Igreja, e diversas outras atividades culturais importantes. Nesse sentido, adquire grande importância o curso de Catecismo da Capela, ou de qualquer Priorado tradicional. Os pais não podem negligenciar essa formação dos seus filhos, pois na crise da adolescência a base moral e religiosa adquirida na infância será de grande valor.

E eu termino este capítulo sobre a Escola, voltando à casa, para lembrar a grave necessidade de se organizar a oração do Terço em família, além de se criar um ambiente de respeito e de interesse pelas coisas da Igreja. Talvez possam fazer em casa pequenos gestos ou cerimônias que marquem as crianças. No Natal, por exemplo, mostrar para a criança pequena o Presépio e, no dia 24 de dezembro, na Noite de Natal, colocar o Menino Jesus no Presépio, com uma pequena oração ou um cântico de Natal. Pequenos gestos que formam a Fé, e que podem se repetir em outras ocasiões.

 

Faculdade

O significado de estudo na faculdade não é o mesmo da Escola. Temos uma técnica a aprender. Devemos aprender as coisas que serão úteis para o trabalho honesto, com vistas a uma remuneração suficiente para o nosso sustento e o da nossa família. Mas é preciso evitar a visão marxista do homem trabalhador no sentido de ser uma força produtiva. Vivemos num mundo que respira o socialismo, que esquece o sentido espiritual do trabalho, que é o resgate da condição de pecado da humanidade. “A terra será maldita por tua causa; tirarás dela o sustento com trabalhos penosos todos os dias da tua vida” 2.

O fato é que vamos aprender uma técnica para possuir uma profissão. Vocês vão considerar as oportunidades e seguir uma carreira. Na faculdade continua havendo um problema com a justiça, com a obediência, apesar de que isso diminui um pouco, pois o regime agora é de maior liberdade. Por outro lado, os esquerdistas tentarão convencê-los de que os jovens podem consertar o mundo injusto, segundo eles causado pelos monstros capitalistas. Falarão da justiça social e do bem do Povo, uma entidade sem forma e sem lei, que lhes serve perfeitamente para a Revolução.

O convívio na faculdade parece mais maduro, mas está ainda longe da maturidade adulta. Continuará a vida de amizades assim como os atritos. A piedade não poderia, nessa hora, diminuir, mas é o que, em geral, acontece: o mundo abre-se para o jovem como se fosse um sonho; ele aspira à autonomia, aos amores da vida, à posse do dinheiro e da liberdade. Pela primeira vez a educação recebida na infância vai mostrar para que serve, pois será preciso saber lidar com esses anseios e paixões mais fortes. Aqueles que aprenderam desde cedo a obedecer, a ser equitativos e justos, a dividir com os outros da casa e da escola, passarão pela faculdade sem cair num deslumbramento perigoso.

Aqui aparece mais um problema na vida do jovem, a relação com o dinheiro. Todo o mundo moderno vive em torno do dinheiro. Como os homens perderam a noção da vida eterna e desta vida passageira neste mundo, vão concentrar nas riquezas materiais o fim de suas vidas. Fazem do dinheiro o seu deus.

Ora, nós não trabalhamos pelo dinheiro. É preciso que o católico saiba que há um problema moral relacionado ao dinheiro. Nosso sentimento nos inclina à posse de bens, isso é natural. Faz parte daquilo que chamamos de concupiscência. Nesse caso, é a concupiscência dos olhos que nos inclina de modo exagerado à busca pelo dinheiro e pelos bens. Pelas inclinações perversas da nossa natureza decaída, temos uma dificuldade para nos conter; pela falta de moralidade do mundo em que vivemos, somos literalmente empurrados ao pecado pela explosão de ofertas de toda espécie, sobretudo dos objetos e aparelhos eletrônicos que invadiram a nossa sociedade.

Se alguém disser, numa roda de amigos, que não se interessa pelo dinheiro, que prefere uma vida modesta, é chamado de louco.

Mas não podemos esquecer o exemplo dado por Nosso Senhor nos Evangelhos, pela vida pobre que viveu, pelo pouco que possuiu, e pela dificuldade extrema que declarou haver para que um rico entre no Céu. A pobreza levada aos extremos é ruim, pois gera a falta do mínimo necessário para se viver em paz e em certa harmonia espiritual e material. Porém, a riqueza posta como centro da vida gera tantas obrigações e falsas necessidades, que o homem perde também a paz, vive estressado e doente, cria inimigos e falsos amigos, e não tem tempo para cuidar da sua salvação eterna.

É preciso ainda saber que muitos homens não levam jeito para lidar com muito dinheiro. Se cada um souber se contentar com aquela vida que parece ser a melhor para si, seguindo os passos da Divina Providência, certamente terá paz mais segura.

 

Vocação religiosa

Um dia alguém recebe de Deus um chamado. É muito difícil haver um chamado para a vocação se a criança não for educada com princípios católicos, em casa, na escola e na faculdade. Sempre que posso eu alerto os pais de família, porque não formaram seus filhos para a vocação. Isso é um problema que vocês vão ter de enfrentar. Por que não formaram seus filhos para a vocação? Porque os formaram para ganhar dinheiro.

Eles os formaram para ter mulheres, viver no prazer ou para o sexo? Não, absolutamente. É verdade que, em geral, foram fracos quando não limitaram o uso da televisão, da internet, as noitadas em ambientes sensuais, atravessando a madrugada, toda essa vida social decadente e imoral que se vê hoje, e que leva ao pecado. Contudo, não foi essa a intenção primeira deles. Tiveram falta de visão? Sim, mas não era essa a intenção. A conseqüência dessa fraqueza é uma vida estéril, vazia, sem busca da verdade, sem amor pela oração, e sem vocações nas nossas famílias da Tradição.

Vocês podem objetar que o mundo é assim, exige que se viva dessa maneira. Respondo: nem tanto, nem tão pouco; é possível conviver com os amigos, jogar bola, se divertir, e não pecar. O pecado é como um muro: podemos chegar bem perto, até bater com a cabeça nele, mas não podemos ir além, senão, não somos homens. O homem quando peca, não é homem. Não tem mais a razão iluminada pela graça, dominando sobre os sentimentos; ele inverteu o seu reino interior e perdeu sua qualidade de filho de Deus.

A vocação é o fruto da presença de Deus. A maioria das vocações é uma graça que Deus dá apesar de o jovem ter vivido dessa forma. Quando há algo dentro do coração do homem que é dócil a esse chamado de Deus, o jovem abandona tudo e segue a Cristo. Mas acontece o contrário, quando há algo que não é dócil, porque preso ao vício, preso aos prazeres, preso ao gosto do dinheiro, preso ao gosto da liberdade. E a vocação morre na esterilidade da semente do espírito.

Eu falei da presença de Deus, de Jesus Cristo. Qual a relação do homem católico com Jesus Cristo, que é homem? É preciso que o católico tenha alguma relação com Jesus Cristo: relação séria, de homem a homem. Às vezes é preciso sentar-se diante de nosso pai, e ter uma conversa de homem a homem, já não mais de criança. O problema é que Jesus virou uma espécie de mito para a gente. Ele está no crucifixo, está no altar. Aos domingos vamos à Missa, comungamos; sabemos mais ou menos que se trata da Presença Real de Jesus, mas não estamos mais ligados a nada. Vocês não têm a seriedade de olhar para Ele e dizer: “Eis O homem”. Tenho de me espelhar n’Ele, Ele é o meu modelo. Tudo aquilo que posso dizer sobre minha virilidade, Ele possui em perfeição. Tudo o que posso dizer sobre meu modo de ser homem, Ele se encarnou para me ensinar. Tudo o que tenho como preocupação de homem, posso falar com Ele, pois serei ouvido. É na Fé, é verdade. Mas é preciso passar pela Fé para podermos ter com Ele a conversa eterna que iniciaremos na porta do Paraíso. Um dia morreremos, e quando isso ocorrer, Ele estará lá, sentado em seu trono. Então, chegaremos. A quem puder olhar nos seus olhos e dizer: –“Senhor, estou aqui. Posso entrar no vosso Reino? Fui fiel para poder entrar, lutei para poder entrar, fiz tudo para poder entrar”, Ele vai olhar nos seus olhos e dirá: “Entre, venha tomar parte no Reino que lhe foi preparado desde o princípio”. Porém, se o homem começar a desviar o olho, a não poder encará-Lo face a face, Ele dirá: “Afaste-se de mim, maldito, e vá para o fogo do inferno”.

Então, estamos na faculdade, na profissão, em casa, estudando, praticamos esporte... Ele tem de ter participação nisso.

Vocês talvez não tenham sido chamados à vocação, mas precisam ter uma relação com Jesus Cristo, como todo católico.

 

O que na educação ajuda a vocação religiosa?

Piedade, honra, Fé, educação, aprender a rezar... O pai deve perder tempo com o filho, saber que não pode ficar pendurado na internet, com seus amigos: ele tem de perder tempo com o filho. A primeira coisa que vão tentar colocar na cabeça de vocês é que ter filhos atrapalha. Todo mundo vai dizer isso para vocês: filho atrapalha, atrapalha o meu projeto de vida. Ora, quem disse que Deus quer esse seu projeto de vida? Você perguntou para Ele? Ele disse que tem de ser assim?

Ter filhos não atrapalha, porque o filho é o fruto do casamento, é a razão de ser da vida familiar. Ter filhos, para um jovem casal moderno, é reverter a situação de decadência, é sermos homens de verdade. Parece que eu avancei um pouco ao falar do casamento, mas não faz mal. Voltaremos a falar no assunto.

 

Esporte

Dentro de tudo isso entra a questão do esporte. É uma questão menor, podemos dizer assim, mas pode ser perigosa. Pode significar saúde e bem estar. Aqueles que não gostam de praticar esporte devem se esforçar para fazer alguma atividade física, porque o mundo moderno corrompe o corpo e a alma; sim, corrompe o corpo também. Não temos medida na comida, não temos medida na bebida. O mundo moderno é profundamente intemperante.

O homem antigo não precisava praticar esporte. A vida já era um esporte: ele cortava lenha, roçava a terra, andava a cavalo, tudo nele era esforço. A vida era um combate físico, de modo que o homem era saudável naturalmente. Hoje, não: o homem fica sentado atrás de uma cadeira, na escola toda, na faculdade toda e também na profissão: computador, computador, computador. Assim, vai atrofiando, desenvolvendo dores, gordura etc. Dessa intemperança pecaminosa surge a grave preguiça, a inversão da noite e do dia, a perda do ritmo natural do sono restaurador.

Mas, além da saúde, existe a paixão. E a paixão vicia, é sentimento sobrepondo-se à razão. Quando o esporte significa uma paixão, ele acarreta muitos erros e faltas, a começar pelos estudos e demais obrigações. O esporte é saudável, é gostoso, mas tem de se tomar cuidado. Outro problema relacionado com o esporte é a vaidade com o corpo. Chega a ser doentio o cuidado que vemos em rapazes ligados ao esporte, ou às academias de ginástica, onde se promove o culto do corpo. Muitos católicos se deixam levar por erros grosseiros como este.

Muitas vezes, por outro lado, encontra-se na prática do esporte a formação do sentido de justiça que pode ser uma virtude. O espírito de sacrifício e de superação também podem estar presentes, assim como o aprendizado da aceitação virtuosa da vitória e da derrota, como vimos na escola. Também podemos ver os jovens desenvolverem as amizades, o sentido da ordem, da hierarquia e da camaradagem.

A piedade muitas vezes cai muito, pode desaparecer por completo. É muito bom viajar com os amigos, competir, mas é preciso lembrar que temos nossas obrigações religiosas. O 3º Mandamento é uma obrigação estrita, e não podemos faltar à missa por causa de uma competição. Quando estamos no meio do mundo, temos obrigação de rezar. O católico tem obrigação de rezar, pois não seria normal estarmos numa casa e nunca nos dirigirmos ao dono da casa. Deus é o Senhor do nosso coração, e devemos todos os dias dar a Ele o nosso tributo de amor, que se manifesta pela obediência aos seus Mandamentos e pela oração.

 

Meu trabalho, minha profissão

A dedicação. Um dia acordamos e estamos formados. Vamos aprender que não podemos fazer somente o que queremos. É preciso acordar cedo. Dedicação. O profissional dedicado vai ser visto pelo patrão, vai buscar a perfeição: não apenas a obrigação, mas o gosto de fazer a coisa bem feita, não pela vaidade.

Cuidado com o comunismo. Aqui o comunismo vai atuar muito forte: virá o sindicato, o Procon, a tentação de tudo resolver nos tribunais. Tentarão impingir nas suas cabeças que o patrão é necessariamente usurpador e mau; o espírito de vingança será a tônica do ensinamento comunista. Todo mundo tem isso hoje no sangue. Somos deformados. Em alguns casos pode ser necessário entrar na justiça, mas em geral, não é esta a atitude de um homem católico. Cuidado com o desejo de se dar bem na vida. Já vi muitos católicos, que freqüentam a Missa, entrarem na justiça contra o patrão. Às vezes o patrão faz algo que não deveria fazer, isso pode acontecer; mas é preciso suportar com paciência muitas injustiças, e a vida continua. Não se pode querer tudo no rigor da justiça, sabem por quê? Porque acabaremos achando que essa vingança mesquinha é o normal da vida, e não saberemos agir de outra forma. Leiam o Evangelho. O que custa todo dia ler um pedacinho do Evangelho? Nele, aprendemos a conhecer esse homem, que é também Deus, e nos ensina a viver como verdadeiros homens. Ora, lá no Evangelho lemos a história do sujeito que devia uma boa quantia, suplicou ao patrão e teve a dívida perdoada. Logo em seguida, esse mesmo homem encontrou um companheiro que lhe devia um valor insignificante, bateu nele e o colocou na prisão. O patrão, ao saber disso, chamou-o e disse: “Eu não perdoei a sua dívida, que era muito maior? Por que você não teve misericórdia com ele?”. Eis o Evangelho, e ele é contra o sindicato, contra o comunismo, contra esse mundo de aproveitamentos mesquinhos em que se vive hoje.

Qual a finalidade da profissão? Subsistência, viver, comer; isso significa ganhar dinheiro. Agora, esse dinheiro é diferente daquele outro. Isso aqui é nossa obrigação: é preciso ganhar dinheiro. E esse dinheiro precisa ser ganho com a razão dominando os sentimentos.

Existe ainda outro ato de justiça nosso para com o patrão. Quantas tentações as pessoas têm de roubar. “Não faz falta, não”. Ora, não faz falta, mas não é seu. É preciso manter a seriedade da propriedade. Nosso Senhor vai pedir contas disso. Vocês sabem que quando alguém se confessa de furto, o padre explica ao penitente sobre a obrigação da devolução. Não basta se confessar, é preciso devolver; a justiça de Deus o exige.

Por outro lado, pode acontecer de um católico se deparar com alguma exigência contrária à moral ou à fé. A alma católica precisa ponderar com cuidado, pedir conselho, e uma vez ficando estabelecido que aquele ato é, em si mesmo, um pecado, conversar com seus chefes e explicar sua dificuldade de consciência. Atos ilícitos com contratos, favorecimento de abortos, e outros tipos de exigências não podem ser realizadas.

Por fim, é preciso considerar que o mundo moderno levou o homem a divinizar o trabalho, talvez por causa do apego exagerado, que ele mesmo criou, ao dinheiro. O fato é que muitos pais de família negligenciam o tempo que deveriam dedicar aos filhos e à esposa, para ganhar mais dinheiro. Muitas vezes até mesmo o descanso dominical e a missa ficam relegados a segundo plano. Somos levados insensivelmente a considerar as obrigações familiares e religiosas como algo secundário, como um peso e um estorvo para a nossa vida. Para aprofundar essa noção, recomendamos a leitura do artigo “A Casa”, de Gustavo Corção. Tenhamos um grande apego às nossas famílias. O ambiente familiar deve ser de tal forma preservado que a volta para casa seja sempre acompanhada de alegria e de repouso. O mundo moderno empurra o homem para fora de si mesmo, para a perda da vida interior, ao mesmo tempo em que o empurra para a rua, para o exterior da sua casa, do seu casulo onde são alimentadas as amizades profundas e a piedade.

 

Casamento

Eu digo para vocês que não são homens, também por causa da relação que têm com a mulher. Dirão vocês: “É o contrário. É por isso mesmo que somos homens: é natural ao homem buscar a mulher”. É verdade, mas quando nessa busca deixam que imperem os sentimentos, a coisa se complica, porque gera o pecado.

A mulher, em princípio, é a companheira. Adão procurou, entre todos os seres, uma companhia para si e não a encontrou. Deus, então, tirou a costela de Adão e fez a mulher. Adão reconheceu em Eva o osso dos seus ossos, a carne da sua carne. Chamou-a de mulher da sua carne. Virago. “Vir” significa homem, em latim. Aquela que veio do homem.

Ela é complemento, porque de fato preenche a vida do homem. E esse complemento começa como uma fortaleza que deve ser conquistada. A relação do homem começa com uma conquista, e não é qualquer mulher que deve ser conquistada.

Que significa conquistar uma mulher? Para quê? É uma ordem da natureza a conquista da mulher, para que ela seja companheira, para que ela seja o complemento. Por causa dessa finalidade, a fortaleza deve ser vencida e conquistada. Esse ímpeto que conduz o homem à conquista do seu castelo é o amor.

O que o mundo moderno faz neste ponto, esse mundo sem lei e sem honra, é viver de paixões, extravasar as paixões na busca da mulher. Isso não é o verdadeiro amor, que está na formação de uma companheira, de um complemento. Porque uma coisa é a conquista de uma fortaleza – lugar forte, estável, definitivo – outra coisa é possuir um “carrinho de mão”.

Uso aqui a figura de um carrinho de mão para mostrar a instabilidade, a coisa cambiante e cambaleante.

A mulher de hoje, que é conquistada pela juventude, é “carrinho de mão”. Tem rodinha. Rotatividade. O verdadeiro amor só pode ser por uma fortaleza, que se conquista para ser sua, para ser sua morada e seu domínio. Aparece aqui a veracidade desse bem do casamento, tal como Deus o instituiu no Paraíso, que é a indissolubilidade. Todo casamento é indissolúvel, porque é a conquista de uma fortaleza amada, que se tornou sua morada definitiva.

Como se realiza essa conquista? Vocês sabem muito bem que no passado, no regime de casamento natural, ele passava a existir a partir da união carnal. Se um homem e uma mulher tiveram relações, consideravam-se casados. Nós, católicos, batizados, temos um sacramento. O sacramento do Matrimônio gera uma graça sobrenatural que sela a união do casal. Nosso Senhor instituiu um sacramento próprio para isso, próprio para o amor, próprio para o sexo, próprio para a conquista da fortaleza. É um sacramento, e se é assim, se é um sacramento, se a conquista da fortaleza vem pela graça, olhem então para Jesus Cristo e perguntem se vocês podem namorar como o mundo hoje namora. Vale a pena fazer isso? Essa é a questão: Perguntem a Jesus Cristo. Vocês não estão sendo homens quando levam uma vida de pecado, quando se entregam a qualquer coisa. Vocês têm uma casa para formar. Não percebem que tendo com a mulher uma relação banalizada, estão destruindo essa fortaleza? Não estão considerando os fundamentos da sua casa futura? A mulher que não é a fortaleza a ser conquistada, é casa sem muralha, é porta aberta, onde os homens entram e saem ao sabor das paixões e sentimentos.

Os jovens de hoje diminuem tudo quando não percebem que a mulher é a porta aberta ao pecado. Vocês vão ter de criar um casulo, criar asas coloridas, como a borboleta. Quando um homem se une a uma mulher, ele a possui. Mas isso não acontece nesses namoros sexuais modernos. Ele a levou para casa? Vai dar comida para ela? Vai ter filhos com ela? Claro que não; então, eles não possuem a mulher, não é amor verdadeiro. Não tem Jesus Cristo. Não tem finalidade.

E eu já ouço a resposta: “Ah! Mas eu a amo”. É claro que ama! Qualquer homem ama uma mulher que está em seus braços. Mas não é o verdadeiro amor. É um amor de sentimento, uma paixão que une a carne, mas não é a conquista de uma fortaleza. É a conquista de um carrinho de mão. Um a mais, na coleção dessa falsa virilidade.

Quando isso é feito com a finalidade própria, então a razão domina sobre os sentimentos. O homem possui a mulher nesse sentido profundo de que falei, e o sentimento de posse é verdadeiro. Há uma falsa posse no sentimento que vem a um homem quando tem relações com uma mulher que não é a sua esposa, que não é a sua escolhida, a sua companheira conquistada.

O mundo da Revolução em que vivemos propaga que, quanto maior o número de mulheres com quem um homem tem relações, mais viris são. É o contrário disso: eles são menos homens. Qual a mulher que quer hoje ser possuída? Pergunto aos que têm condições para já estarem casados: Por que até hoje não se casaram? Porque a mulher não quer. Ela tem profissão, ela quer se formar, quer manter sua liberdade. Então vocês não as possuíram. Na hora que vocês conquistarem a fortaleza, a mulher se entrega, e ela só quer uma coisa: ser do homem. E aí ela se casa. Hoje em dia ninguém se casa por causa disso. Não existe o verdadeiro amor. Portanto, não existe verdadeiro sexo. É tudo uma enganação, um prazer passageiro e egoísta. Não é posse, não é a conquista da fortaleza. Isso tem de ser visto, isso precisa ser analisado de modo muito profundo diante de Jesus Cristo.

A formação da família passa por essa crise profunda, em que a mulher se igualou ao homem na busca de uma profissão, no dinheiro que quer ganhar, deixando de lado o maior bem que é a maternidade e a transmissão aos filhos do caráter e da honra, que é a verdadeira educação. Quando ela considera o casamento um bem para si mesma, une-se de modo instável ao seu namorado, considerando mais a manutenção da sua vida própria do que a doação de si mesma ao seu marido. Ele, por sua vez, deformado pela falsa ideia de masculinidade que lhe passaram, não saberá viver como verdadeiro homem. Os dois terão diante de si o desafio de voltar à casa, e nem sempre saberão como realizar este retorno.

 

Voltamos à casa

Tudo começa dentro de casa, para a criança que se tornará um homem adulto. Após todas as etapas que procuramos analisar, voltamos à casa, à nova casa criada pelo casamento. Ao longo da vida de criança até alcançar a idade adulta, a grande questão será a formação da cabeça do homem. É aqui que eu queria chegar. Toda esta conferência foi feita para analisarmos como os homens, hoje, iniciam sua vida de casados. Vocês não são homens porque a cabeça de vocês é deformada. Não sabem mais possuir. Digo isso porque, quando chegam na casa, não são chefes, não são autoridade, não são pais. Continuam sendo garotos mimados, egoístas, agora em disputa com a mulher para ver quem, no igualitarismo moderno, vence a queda de braço.

 

Qual a característica de um chefe em casa?

Em primeiro lugar, o papel do chefe da casa é comandar a sua casa, amar sua esposa, educar seus filhos. Em seguida existe a grande obrigação de dar subsistência à casa. Que a mulher ajude nesse ponto, como o homem ajuda a cuidar dos filhos, entende-se, apesar de que deve haver um esforço da sociedade familiar para proteger e priorizar a permanência da mãe junto a seus filhos. Que o homem se lembre de que cabe a ele essa obrigação, e a ela a obrigação própria da maternidade. Um primeiro ponto muito importante para a boa formação do lar é a harmonia das tarefas e das funções.

O pai precisa saber que ele dominou, ele conquistou a fortaleza, ele adquiriu a autoridade. Essa autoridade não significa que a mulher não seja companheira dele. Os dois se completam, mas não como duas peças de uma máquina. A vida da esposa é, ao mesmo tempo, complementar e subordinada à vida do marido. A analogia que poderíamos tomar seria a relação entre a cabeça e o coração. Um não vive sem o outro, mas a cabeça é mais do que o coração. Nela reside a inteligência, o conhecimento e a visão. Sem o sangue bombeado pelo coração, a cabeça morre, mas sem a cabeça, a bomba de sangue não serviria para nada. Essa harmonia está na essência da casa, ela é muito mais do que uma harmonia de agir, de bom entendimento entre os dois. A essência da família está nessa relação de autoridade e de subordinação. Ela é bela e profunda e o casal ganharia muito se compreendesse a riqueza que existe nesse fundamento espiritual da família.

Os dois mandam nos filhos, os dois têm autoridade sobre os filhos, mas entre os dois existe uma hierarquia. Ele é o chefe da casa, mas o homem de hoje não sabe mais ser chefe, ser cabeça. Não foi formado dentro dessa perspectiva. As mulheres trabalham, estudam, têm altas posições nas empresas, e quando chegam em casa não sabem mais se posicionar diante do marido. A mulher enfrenta o marido porque tem vontade própria. O marido reclama da mulher porque tem suas atividades próprias e a casa atrapalha. O filho enfrenta os pais. Tudo é invertido.

Então, o sujeito chega com a noiva para se preparar para o casamento (muitas vezes já vivem como marido e mulher). O padre explica “Adão e Eva... Pecado Original... Deus deu Eva para Adão... instituiu o casamento natural... Jesus Cristo elevou o casamento ao nível de sacramento, um ato sagrado... formação da família”. Casam-se, e logo começa a briga. “Eu quero isso”, “eu quero aquilo”, “eu quero assim”, etc. Perdeu-se a ordem das coisas. O homem com seus sentimentos, vontades e gostos; e a mulher, com seus sentimentos, vontades e gostos vão fazer uma mistura. Casamento hoje é mistura. Na hora em que os sentimentos, vontades e gostos do homem não derem certo com os da mulher – porque sentimento, vontades e gostos são coisas que variam – acaba o casamento. Não é isso o casamento. Casamento é passar por cima dos sentimentos, vontades e gostos porque existe algo chamado família, e família é mais do que o homem e mais do que a mulher. Existe um bem comum, e esse bem comum o homem tem obrigação de preservar. Ele, em primeiro lugar, porque é o chefe: Deus vai lhe pedir contas do que fez com sua família. Se Deus instituiu a reforma da razão sobre os sentimentos por meio do sacramento do Matrimônio, é porque Jesus Cristo tinha, para com a família, algo de muito forte, e confia ao homem algo que é d’Ele: “Eu te dou esta família, homem, chefe, para você cuidar, para propagar o gênero humano, para levar isso adiante, até o dia em que Eu tenha a corte celeste completa e acabe com esse mundo passageiro, para todos viverem na glória do Paraíso, enquanto os pecadores irão para o inferno”. Jesus Cristo tinha uma intenção muito forte, e Ele põe isso na mão do homem, na chefia da família. O homem esqueceu que ele tem essa responsabilidade. Hoje é tudo vivido no mesmo nível, no igualitarismo. Ouvem o que o padre tem para dizer, a doutrina bimilenar da Igreja, mas não sabem pôr em prática, porque o mundo não deixa. A mulher também não sabe mais o que significa essa subordinação, revolta-se contra ela como se trabalhar num escritório ou num projeto qualquer também não lhe trouxesse submissão às autoridades. Perdeu a noção de que, subordinada àquele que ama, àquele que a ama, e voltada para o bem dos filhos a quem deu à luz, viveria mais feliz do que no deserto de um mundo cruel e implacável. Como disse Gustavo Corção, elas acharam mais interessante arrumar um fichário do que arrumar a gaveta do armário.

Esta situação significa um desequilíbrio grave nas forças naturais da sociedade, no fundamento da família. O convívio dos meninos com meninas da mesma idade, continuando na adolescência e na juventude alterou completamente a relação entre os dois sexos. A saudável diferença de idades que existia antigamente, quando as mulheres casavam-se com homens mais velhos, desapareceu quase por completo, pois o convívio diário atrai os jovens da mesma sala da escola ou da faculdade. Como a psicologia da mulher é mais amadurecida do que a do homem, elas acabam tendo mais dificuldades para a função que lhes é própria na hierarquia da família, enquanto os homens se acomodam, sem perceber, numa confortável dependência da mulher mais madura do que eles.

Jamais a humanidade conheceu época tão desequilibrada como a atual. O meio século que nos separa do final da 2ª Guerra Mundial abriu um abismo entre o mundo moderno e o anterior. Estamos em uma nova civilização que já não tem mais nada de cristã. Está destruída a família, está destruído o homem e também a mulher. Este novo mundo é formado por uma geração de homens que perderam a noção da fortaleza própria do homem; uma geração de mulheres que perdeu o gosto pela maternidade e pela grande aventura de educar filhos, para que recomecem, mais tarde, o ciclo da vida social, pela fundação de uma nova família.

Os católicos podem resistir a essa destruição. Mesmo não tendo mais o Evangelho como critério da civilização, podemos mantê-lo como critério das nossas casas, da educação dada aos filhos, das escolas que possamos fundar e do mundo empresarial que consigamos formar.

No final da nossa formação, recomeçamos todo o processo: casa, escola, faculdade, vocação, esporte, profissão... Mas agora são vocês, e não seus pais. São vocês com suas esposas e com os filhos que vieram do casamento. Porque vocês souberam ser homens, souberam vencer o mundo, reverter a situação que o mundo trouxe para a vida de vocês.

Então, vocês vão viver a vida sabendo que têm uma finalidade, que é assumir o turno de vocês na construção da civilização cristã.

Essa é a realidade em que se vive hoje. Pensem nessas coisas e considerem isso de um modo profundo na vida de vocês. Não sei se tem solução para toda a sociedade, pois isso depende de um milagre, e nem sempre os homens merecem os milagres. Mas certamente existe uma solução pontual para cada um de vocês. Basta que procurem voluntariamente a formação necessária e a vida virtuosa que, só ela pode nos dar a graça divina necessária para a restauração do homem ainda nessa vida, e a conquista do céu, na vida eterna.

  1. 1. S. Paulo Rom, VII, 19.. E mais adiante o Apóstolo completa: “Mas vejo nos meus membros uma outra lei que se opõe à lei do meu espírito” Idem, VII, 23.
  2. 2. Gn 3, 17

Comunhão na língua é contrária às práticas sanitárias?

A comunhão na língua é contrária às práticas sanitárias. Assim afirma um artigo publicado no Catholic Leader australiano por Elizabeth Harrington, a oficial de educação para a Comissão de Liturgia da Arquidiocese de Brisbane:

É ruim para os ministros dar comunhão na língua às pessoas que estão de pé, que é a postura recomendada para comunhão na Austrália, e isso é anti-higiênico porque é difícil aos ministros evitar passar saliva para os outros comungantes1.

Essa afirmação (normalmente feita por proponentes da comunhão na mão) revela uma ignorância da prática tradicional da Igreja Romana e das rubricas para a distribuição da Santa Comunhão na língua.

Em primeiro lugar, o comungante deve ajoelhar-se; obviamente, são feitas exceções para os portadores de deficiência, que normalmente desejariam poderem ajoelhar-se. Não apenas esse ato mostra a humildade dos comungantes ao receber Nosso Senhor Sacramentado (i.e., Deus), mas essa postura submissa também permite dar a Hóstia na língua de maneira mais prática, segura e… Higiênica – em todos os três casos, muito mais que através da comunhão na mão.

Outro interessante aspecto é que a forma tradicional de receber a Comunhão de joelhos e na língua demonstra o caráter romano de praticidade que permeia o rito litúrgico de mesmo nome, resultando em uma maneira digna e reverente de receber o Pão dos Anjos, e fácil e eficiente ao mesmo tempo.

A rubrica tradicional do Rituale Romanum prescreve que o Padre deve, cautelosamente, tomar a Hóstia pela ponta com seu polegar e indicador direitos; nenhum outro dedo pode ser usado para realizar essa ação. Como diligentemente ensinado em aulas tradicionais preparatórias para a Primeira Comunhão, o comungante deve inclinar sua cabeça para trás levemente, abrir a boca e estender um pouco a língua, criando o que comumente se chama de “travesseiro da língua”. O Padre, então, consegue colocar, facilmente, a Hóstia na língua sem tocar a língua do comungante, até mesmo sem tocar seus lábios – o que resulta na ausência de contato físico entre o ministro e o comungante.

Mas, com a comunhão na mão, contato direto é feito entre o ministro (normalmente o Ministro de Eucaristia) e os comungantes, que, normalmente, não lavaram (ou higienizaram) suas mãos antes de receber. Portanto, com a comunhão na mão, existe um perigo real de se espalharem germes indesejados.

O fato é que, antes do clamor dos progressistas pela comunhão na mão (algo que foi feito sem aprovação da Santa Sé2, poderíamos acrescentar), o problema da higiene jamais foi levantado em relação à maneira tradicional de receber a Santa Comunhão – e isso durante uma era em que os pregadores da higiene estavam empenhados em tornar o mundo livre de germes.

A ironia dessa acusação contra a Comunhão na língua é que aqueles que promovem a comunhão na mão por razões inexistentes de higiene, ao mesmo tempo, encorajam a prática de “compartilhar o copo” (receber o Preciosíssimo Sangue comunalmente do cálice), prática essa que a Igreja Romana fez cessar em tempos antigos precisamente em razão de preocupações com a higiene (i.e., devido aos restos de saliva que, inevitavelmente, se acumulam quando um grupo de pessoas bebe do mesmo recipiente) – o que poderia levar a desdém por esse Sagrado Mistério.

Esse tema apenas fornece mais um exemplo de como, através de suas práticas tradicionais, a Santa Madre Igreja é zelosa tanto por nossas necessidades espirituais, quanto naturais. Pelo lado sobrenatural, ela nos dá uma maneira reverente na qual nós, pobres e indignos pecadores (“Domine non sum dignus”, citando os sentimentos do Centurião), podemos receber o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor, e, na esfera natural, de uma maneira que não prejudique nossa saúde corporal.

  1. 1. Esse é o jornal arquidiocesano, e o título do artigo era “Communion in the Hand”, publicado em 12 de Fevereiro de 2012, na coluna “Liturgy Lines”. Ele está indisponível online sem uma assinatura.
  2. 2. Cf. o livro fenomenal do Bispo Juan Laise, Communion in the Hand: Documents and History e essa página com um vídeo do Cardeal Burke, que inclui muitos links pertinentes sobre a comunhão na mão.

O quarto mandamento

Gustavo Corção

 

I

Uma primeira vista d’olhos sobre o panorama da atualidade, em todo o mundo, nos dá a impressão de uma efervescência sem regras nem rumo. A História, segundo esta primeira impressão, seria uma agitação errática e desordenada de vidas que querem viver seu fugaz momento, movimento browniano de pó de vidas.

Uma análise mais atenta revela-nos, indubitavelmente, linhas-de-história de marcada ascensão humana, e, portanto de marcado propósito de procurar um mundo melhor. Em que sentido? O único que nos parece incontrovertido é o do progresso, pela ciência e pela técnica, do domínio do homem sobre o mundo exterior e interior. Há um indiscutível e admirável progresso nas ciências e técnicas. O homem já vê a distancia, e já pôs o pé na Lua. Nos países mais avançados naquela linha já se entrevê uma melhor divisão dos bens materiais a despeito da atoarda que ainda fazem os revolucionários que assim vêem escapar-lhes das mãos o triunfo da miséria com que exploram a miséria.

O que não se vê, por mais que se queira abrir créditos ilimitados aos fatores materiais da vida humana, é um sinal de verdadeira ascensão humana na efervescência do momento histórico. Ao contrário disso vêem-se tendências contestatórias, torrentes de recusa e de protesto atiradas contra o passado, contra a tradição, CONTRA O PAI. As novas gerações são solicitadas a manifestarem sua maioridade com a bofetada na mãe e a morte do pai.

Essa estranha tendência contrária à lei natural contraria o próprio interesse do homem, trabalha para seu rebaixamento e sua perdição. Não se poderia, pois, pensar que tal inclinação seja normal, e faça parte dos dinamismos da História.

Em nossos dias essa aberração anti-histórica, anti-humana, aparece claramente como obra de uma contracorrente atuante ao arrepio dos mais altos interesses humanos. Essa contracorrente, indecentemente atuante em nosso tempo, vem de movimentos históricos organizados, e reativados nos últimos quatro séculos, com os quais uma caravana de dementes oferece a miragem de um mundo melhor desde que lhes permitam reduzir a pó este mundo mal feito que recebemos de nossos pais.

Quando Largo Caballero tomou as rédeas da Revolução na Espanha em 1936, proclamou: “Nosotros no dejaremos pedra sobre pedra de esta España, que devemos destruir para rehacer la nuestra!”.

Este é o ideal central da Revolução: destruir tudo, voltar à estaca zero para então recrear ex-nihilo. Seus dirigentes são deuses.

Em nossos dias ganham destaque, na turbulência dos eventos, as linhas de contestação do Pai.

***

 

Ora, o Cristianismo é, essencialmente, a Religião em que Deus se revela como Pai. Desde o Antigo Testamento se vê, passo a passo, que a preparação do Advento do Senhor é uma tradição de pai para filho: “Escutai, filhos, a instrução de um pai (...) Eu também fui um filho para meu pai, um filho dócil junto de minha mãe...” (Prov. 4, 1-2). “Não despreza, filho, a correção de Javé, e não tenhas aversão por seus castigos, porque Javé castiga aquele que ama, como um pai castiga o filho predileto” (Prov. 3, 11). E em Isaías: “Vós, Javé, sois nosso Pai, nosso Redentor. Este é o vosso nome desde tempos imemoriais. Por que, Javé, permitis que andemos errantes longe de vossas vias, com o coração endurecido contra o vosso temor?” (Is.53, 16-17).

Mas é no Novo Testamento que ganha todo o esplendor a paternidade de Deus. Desde os abismos de sua vida íntima e trinitária, Deus é Pai, e toda a vida divina procede do Pai e volta ao Pai. Analogamente, para arremate perfeito da Criação, Deus quererá para si todas as criaturas, e muito especialmente quererá a volta daquela criatura feita à sua imagem e semelhança. E envia ao mundo seu Filho Unigênito para resgate dos homens que doravante tornados filhos adotivos no Sangue do Unigênito, possam dizer com pleno direito Abba Pai. E é o próprio Jesus, num dia memorável entre todos os dias, que ensina aos homens a língua com que devem falar a Deus: “Pai Nosso”. Nessas duas palavras estão concentrados todos os mandamentos, porque a primeira diz Pai, e dirige-se a Deus, enquanto a segunda diz nosso e derrama-se em torno de nossos irmãos.

O mundo moderno, nos seus pruridos revolucionários, é anticristão porque é todo orientado por uma soberba rejeição do Pai. E para maior escárnio inventaram uma fraternidade revolucionaria baseada na decapitação do Rei, já que não tinham à mão a própria cabeça do Pai que está no Céu. Não é por mero acaso que a Revolução Francesa escolheu a linguagem das decapitações. Não é por mero acaso, também, que os revolucionários, da nova Igreja, dita “progressista”, exaltam o ídolo do “jovem” liberado definitivamente do 4° Mandamento.

Nós sabemos que toda a grande tradição católica tirou do 4° Mandamento as lições relativas ao princípio de autoridade e de ordem social. E assim, a moderna contestação do 4° Mandamento, pregado abundantemente na era pós-conciliar, não apenas dissolve a família como também a pátria. Toda a noção de ordem, sem a qual não há sociedade politicamente organizada e orientada para o bem-comum, prende-se à fundamental relação Pai-Filho, que o revolucionismo quer destruir.

E é com infinita tristeza, com cansadíssima tristeza que vemos, mais uma vez, o espetáculo da degradação e da impotência dos novos Bispos, ou dos Bispos atualizados, que já não sabem mais nada do tema central de toda a Revelação. Agora mesmo, na nova reunião ou congresso dos Bispos americanos, falou-se no problema da família na América Latina, e logo surgiram frases estereotipadas: os pais precisam dialogar com os jovens, nós temos confiança no jovem, e outras do mesmo quilate. Terá a Igreja Católica perdido o seu diapasão e esquecido o 4° Mandamento, terão seus hierarcas perdido o gosto de dizer Pai, e o gosto de dizer “filho, inclina o ouvido e escuta as palavras de um Pai amoroso...?

Quem passou a vida inteira a ler e reler as palavras de Deus nas Sagradas Escrituras, ou as palavras dos santos na vida da Igreja, não reconhece a mesma Voz nesse linguajar das conferências e congressos episcopais. Mais depressa reconhece o sotaque do velho conhecido lobo.

 

II

Peço ao leitor a paciência de suportar a insistência com que bato na mesma tecla: o nervo de toda a subversão e de toda a agitação que se observa hoje no mundo católico, especialmente no clero, é o da contestação do Mandamento “honrarás pai e mãe”.

Acima mostramos que este é o eixo da Revolução anticristã que de século em século se avoluma. A frase conhecida de Lacroix: “la democratie est le meurtre du père”, aplica-se melhor à Revolução que, desde a Renascença e a Reforma, pretende trazer ao mundo um novo humanismo liberado do Cristianismo, e, portanto, voltado contra o Cristianismo. Como se não bastasse a contestação de Deus Pai, e o repúdio da tradição e do passado, em favor de um progresso sem entidade idêntica a si mesma e capaz de aperfeiçoar-se sem deixar de ser o que é, ainda inventaram os homens, nas instâncias psicológicas, uma idéia de paternidade opressiva que representasse a consciência moral. E assim, em todos os níveis, a idéia de paternidade é demolida para que o novo homem, filho sem pai, possa realizar sua liberação total.

Dentro do mundo católico, esse monstro produziu aberrações que nem sempre parecem diretamente ligadas ao grande ideal parricida. Uma dessas aberrações é a frenética promoção d’O JOVEM. À primeira vista parece simpática, otimista e esperançosa essa exaltação da juventude; melhor reflexão, todavia, revela sua falsidade, e então o que parecia auroreal e otimista torna-se lúgubre e até obsceno. Tomemos por exemplo a frase “eu tenho confiança no jovem” de que muitos Padres e Bispos não conseguiram escapar. Essa frase parece uma proposição inofensiva, um sorriso, uma amabilidade, uma generosidade; na verdade, porém, é uma frase destituída de sentido e carregada das mais dissolventes conotações. De início a proposição é tola porque o jovem, por definição, é algo que ainda não disse ao que veio e, portanto, é alguém de que só posso dizer que tenho esperanças ou inquietações, conforme os sinais que nele observo. Mas dizer que tenho arrematada confiança em quem ainda não deu provas, é dizer um nonsense. A rigor, dos jovens e aos jovens, só podemos dizer com propriedade e sinceridade que cresçam e apareçam.

Com verdadeiro amor só posso dizer aos moços que não tenham tanta jactância de suas imaturidades e que cuidem diligentemente de aprender duas coisas. Primeira – agradecer a Deus e aos homens o que encontraram feito: água nas bicas e no mar, frutos nas árvores e no prato. O primeiro sinal que me predisporá a ter confiança num moço será essa disposição de agradecer. O segundo será a visível disposição de continuar e prolongar o que encontrou.

Ora, a adulação, com que os padres progressistas cercam os moços, só pode produzir o resultado oposto a essas duas virtudes: sim, só pode produzir a fatuidade e a soberba.

Para agradar ao semideus moderno os padres progressistas não recuam diante das mais ousadas iniciativas. Uma delas é a de promoção de “encontros” em que se misturam, com forte densidade, os jovens dos dois sexos.

Pode à primeira vista parecer que esses “encontros” visam principalmente a destruir os tabus do 6° Mandamento. Também isto entra nas cogitações dos aduladores dos jovens, mas o principal objetivo visado é sempre o pai. O pai da Terra e o Pai do Céu.

A exaltação da autonomia dos jovens tende evidentemente a mostrar que qualquer ação normativa e educadora é contrária à liberação do jovem, e, portanto, é contrária ao espírito da nova Igreja, e do mundo novo. Num mundo em que os padres têm horror à paternidade e pervertem os moços tranqüilizando-os e estimulando-os na soberba e na jactância, é fácil prever o desamparo em que ficam os educadores. Em si nunca tal tarefa foi isenta de espinhos. Daí a insistência com que Deus revelou a necessidade de defender essa linha. Dificílima, porém, se tornará a tarefa quando a sociedade em torno da família conspira contra os pais e ainda mais árdua se torna quando, além de faltar o socorro da Igreja, os padres trabalham sofregamente na perversão da juventude. Os pais, transtornados, perdem o pé, e então o anti-pai triunfa e aponta-o como clara demonstração de impotência e de inutilidade. Acelerado o círculo vicioso chega-se ao ponto em que se torna impossível educar.

Numa sociedade assim pervertida os jovens serão “os únicos juízes de seus atos”, como diz com toda ênfase e garbo um dos catecismos aprovados neste País pelas autoridades eclesiásticas que querem corrigir as distorções socioeconômicas das regiões menos favorecidas, mas não mostram nenhum empenho em evitar que os jovens sejam pervertidos por padres revolucionários.

E aqui torno a dizer que não ponho o acento tônico dessa perversão no 6° e sim no 4° Mandamento. Os desvios do 6° Mandamento podem-se explicar por fraquezas sensíveis que estão na linha da natureza das coisas: mas os desvios do 4° Mandamento são obra de um espírito de orgulho que está na origem de todos os desconcertos do mundo.

É horrível o espetáculo que o mundo católico, na área dita progressista, nos proporciona hoje. E a conseqüência não se faz esperar. Sim, senhores Bispos, é preciso ter sempre em mente que as coisas têm conseqüências. Se os jovens são arrancados à autoridade dos pais, cedo ou tarde terão de esbarrar em outro tipo de autoridade mais áspero. Tornados viciados, indisciplinados, revoltados, e eventualmente arrastados pelos agentes da subversão até a ação direta do terrorismo, os mesmos jovens adulados e caramelados pelos ávidos padres terão de esbarrar na repressão policial que é mais dura do que os pitos e conselhos do pai.

Eu não chego a dizer que os padres progressistas promotores de jovens tenham desde o início o desejo de transformar seus amiguinhos em criminosos, mas não hesito em pensar que é isto, precisamente, que o Demônio espera desses padres.

E agora que leio nos jornais que os senhores Bispos da América Latina concluíram que, para a restauração da família, é necessário que os pais entrem em diálogo com os filhos. Sim, diálogo, conversa, tolerância, mas não palavra de pai amoroso que quer o bem de seu filho. Para esse tipo de relacionamento entre pai e filhos não podemos contar com as reuniões episcopais.

 

 

Revista Permanência, setembro de 1973, n° 59, Ano VI.

A Igreja concluiu pela veracidade da Assunção baseado no seu ensinamento sobre a Imaculada Conceição?

Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels, O.P.

A Assunção de Maria é um dogma católico, ainda que a Bíblia não diga nada sobre ela. A Igreja concluiu pela veracidade da Assunção baseado no seu ensinamento sobre a Imaculada Conceição?

A Igreja Católica fala da Assunção de Maria ao Céu em contraste com a Ascensão de Cristo. Ao usar linguagem diferente para classificar esses eventos, a Igreja quer indicar, claramente, que Maria não ascendeu ao Céu de corpo e alma por suas próprias forças. Ao invés, a Assunção de Maria é um privilégio especial, conferido a ela pelas forças de Deus, de que ela fosse levada ao Céu de corpo e alma. Essa doutrina, há muito aceita pelos católicos, não era chamada de dogma em sentido estrito por séculos porque ela não havia sido solenemente formulada, estabelecida e promulgada pelo Magistério infalível, assim como a doutrina da Imaculada Conceição de Maria por exemplo.

Porém, no dia 1º de novembro de 1950, o Papa Pio XII, solenemente, proclamou o dogma da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria. Antes disso, a Assunção era apresentada aos católicos pelo magistério ordinário da Igreja, ao qual os católicos não podem se opor. O reconhecimento histórico da Assunção é confirmado pela antiquíssima festa dada a esse evento no dia 15 de agosto, e pelo fato de que essa festa era celebrada por cristãos gregos e siríacos durante os séculos primordiais da Igreja.

Sem sombra de dúvidas, é verdade que a Assunção de Maria não é mencionada na Bíblia. Mas a Igreja Católica também ensina que há duas fontes das quais ela extrai a revelação de Deus, a saber, a palavra escrita de Deus, as Sagradas Escrituras, e a Santa Tradição. A Igreja conhece a Assunção de Maria através da Tradição.

Não se pode dizer, em sentido estrito, que a Assunção de Maria é consequência de sua Imaculada Conceição, ainda que essa graça especial lhe tenha dado uma dignidade única entre todos aqueles que já viveram. Fez-se uma comparação com a condição na qual os primeiros humanos viviam antes da queda, mas essa comparação não se sustenta. Pois Adão e Eva haviam sido criados num estado de graça santificante, mas seu privilégio de estar livres do sofrimento e da morte e de ser levados ao Céu sem morrer não vinha como consequência da posse dessa graça santificante.

E embora se possa dizer que Maria recebeu o dom que as primeiras pessoas puseram a perder para todos os seus descendentes, a saber, que ela foi concebida sem pecado original e possuía, imediatamente, a graça santificante, ela não recebeu todos os dons preternaturais que Adão e Eva possuíam. Afinal de contas, ela não esteve livre do sofrimento durante sua vida terrena.

É claro, a morte de Maria não foi uma punição por seus pecados, pois ela jamais havia pecado; foi, apenas, um resultado normal de seu corpo se esgotando e de suas forças diminuindo. Deus não dispôs as coisas de modo que Maria fosse isenta dessa lei da natureza. Por quê? Não sabemos com certeza. É, porém, provável que, no seu sofrimento e na sua morte, Maria refletia o sofrimento paciente de seu Filho e, portanto, foi um exemplo para nós.

O Evangelista Marcos indica que Maria duvidou da missão de Cristo. Isso não foi um pecado?

Prof. Felix Otten, O.P., e C.F. Pauwels, O.P.

Diz-se que Maria jamais pecou, nem poderia pecar. Mas o Evangelista Marcos indica que Maria duvidou da missão de Cristo. Isso não foi um pecado?

Maria, certamente, estava livre de várias tentações como resultado de sua Imaculada Conceição. Portanto, não havia más inclinações nela, as que consistem no descompasso entre o que há de mais elevado e o que há de mais baixo. Em nós, o corpo, frequentemente, é um agente de pecado, pois ele puxa para baixo a mente e, frequentemente, rebela-se contra as potências elevadas da alma. E, é claro, não havia nada disso em Maria, porque ela não havia sido contaminada com o pecado original, razão pela qual não havia o referido descompasso. Portanto, ela não poderia ser tentada por um desejo das potências baixas contra as elevadas. Ela poderia, porém, ser tentada nas potências mais elevadas da sua alma, na sua mente e na sua vontade, assim como até mesmo Cristo foi tentado pelo demônio.

Mas ser tentado e pecar são duas coisas diferentes. Que Maria nunca tenha cometido um pecado é absolutamente claro para os teólogos católicos, ainda que a Igreja jamais tenha se pronunciado oficialmente sobre isso. Maria, como dizem, era sem pecado. Mas Maria também era impecaminosa, isto é, ela não poderia sequer cometer um pecado?

Essa, obviamente, é outra questão completamente diferente. A maioria dos teólogos sustenta que Maria não poderia pecar. A razão não é que ela era livre do pecado original, pois Adão e Eva também foram criados livres do pecado original e, ainda assim, pecaram. Devemos buscar a razão na plenitude de graças que Deus lhe deu em atenção a sua maternidade divina. Por isso e, portanto, por um auxílio especial de Deus, a vontade de Maria sempre escolheu o bem.

E, agora, quanto à história do Evangelista Marcos: ele não diz, de modo algum, que Maria teria duvidado de Cristo. Ele anuncia, primeiramente, no terceiro capítulo, versículo 21, que os parentes de Cristo “foram O prender, porque diziam: Ele está louco” Então, aparentemente, havia parentes de Jesus que não acreditavam em Sua missão. Quem eram essas pessoas não está esclarecido; eles podem ter sido tios, primos e, talvez, parentes mais distantes ainda. Após, somos informados de algo completamente diferente, a saber, que Jesus entrou num debate contra escribas de Jerusalém acerca de exorcismos. E, então, é dito ao final do capítulo, “Chegaram sua mãe e seus irmãos e, estando fora, mandaram-nO chamar”. Se eles conversaram com Ele e sobre o que, isso não nos é dito.

Não é certo que essa conclusão está conectada com o início do capítulo que menciona a dúvida de alguns dos parentes de Cristo. E, portanto, não é sabido por que a mãe e irmãos de Cristo vieram. Mas, ainda que fosse verdade que Maria fosse com parentes descrentes de Cristo, isso não implica que ela compartilhava da descrença deles. Tal infidelidade da parte de Maria conflita com tudo o mais que sabemos sobre ela. Por que deveríamos aceitar tal conclusão de um texto discutivelmente ambíguo?

Que é heresia?

Pe. Juan Carlos Iscara - FSSPX

Originalmente, o termo grego hairesis era um termo neutro, que significava ter ou escolher determinado conjunto de opiniões. Ao ser usado pela Teologia católica, o termo, hoje, normalmente designa a profissão de um erro contra a fé.

Quando alguém expressa uma opinião que contradiz o dogma católico, ele está afirmando uma posição herética, mas isso não significa, necessariamente, que ele cometeu o pecado de heresia ou que ele deve ser considerado um herege.

Conforme definição do Direito Canônico, a heresia é um erro voluntário e pertinaz, no fórum externo e perante Deus, contra uma verdade que deve ser crida como fé divina e católica por um indivíduo batizado que confessa a fé em Cristo.

É um erro voluntário – um julgamento errado do intelecto, extraído de uma má vontade. Embora esteja ciente de que sua opinião contradiz um dogma revelado e proposto como tal pelo magistério solene ou ordinário da Igreja, ainda assim a pessoa, voluntariamente, nega ou põe em dúvida aquela verdade de fé. Não é um erro que vem da mera ignorância (ainda que tal ignorância seja culpável), nem a simples afirmação de um erro por palavras ou ações, por medo ou outro motivo, ainda que a fé interna fosse mantida.

O erro deve ser manifestado no fórum externo, já que as leis canônicas lidam apenas com o que pode ser apurado no exterior, com palavras e ações externamente manifestadas, e não com as disposições internas de um indivíduo.

É um erro pertinaz. “Essa pertinácia” não é uma simples teimosia ao se defender seus pontos de vista, mas um termo canônico precisamente definido; ela significa que a autoridade eclesiástica competente deu ciência à pessoa de que suas opiniões contradizem o dogma católico e que, apesar dessas admoestações repetidas, a pessoa persiste em sua opinião errônea.

Finalmente, para ser uma heresia, também deve ser professada por um católico, que conhece a autoridade da Igreja de ensinar aos homens as verdades de fé. Portanto, não é heresia se for professada por um não batizado (infiel, judeu, etc) ou por alguém que foi batizado na infância, mas nunca fez um ato pessoal de fé.

No mundo de hoje, é evidente que muitos católicos têm opiniões heréticas, mas – a não ser que todos os elementos acima estejam presentes – não podemos concluir que todos eles, necessariamente, caíram no pecado da heresia.

Como educar as crianças para a honestidade

Irmãs da FSSPX

 

A honestidade é uma qualidade primordial, indispensável à criança; ao iluminar sua consciência, ela permite que a criança progrida; dá-lhe direito de ser tida como confiável por seus pais e por aqueles ao seu redor. Seu inimigo multifacetado é a desonestidade… Os pais têm a difícil missão de combater esse defeito.

As mentiras das crianças… Como ensinar às crianças a falar a verdade?!

“Eduquem-nas a amar o que é verdadeiro”, diz o Papa Pio XII. Sobre os joelhos de sua mãe, a criança deve respirar esse amor à verdade e compreender o respeito, a admiração e o afeto que um coração reto e sincero merece. Jesus louvou Natanael: “Um verdadeiro israelita, no qual não havia nada de falso” (Jo 14, 6). Também é necessário incutir na criança horror a todo e qualquer tipo de mentira que ofende a Deus, relatando-lhes as maldições dirigidas por Jesus aos hipócritas fariseus (Mt 23, 7), o terrível castigo no qual incorreram Ananias e Safira. Digamos a elas que os mentirosos perdem a confiança dos outros, que eles causam grandes danos e adquirem muitos vícios: “Mentiroso na juventude, ladrão na velhice” Que elas sintam que a desonestidade é uma enorme vergonha para nós, uma degradação. Esses bons princípios, ao serem frequentemente lembrados, vão dar-lhes armas contra as tentações.

“Sede vós respeitosos da verdade e atirai para fora da educação tudo aquilo que não é autêntico e verdadeiro” (Pio XII). Nossa força está no exemplo de uma lealdade zelosa! Ah, alguns parentes relativizam sua responsabilidade nesse ponto. Desculpas esfarrapadas, relatos inventados, promessas ou ameaças jamais cumpridas, histórias inacreditáveis… Os pequenos olhos fixos neles se tornam astutos e ladinos… Dissimulados e mentirosos! Sejamos sempre verdadeiros e retos, sem hesitações ou inconstâncias. A vida diária nos fornece milhares de ocasiões de mostrarmos aos nossos filhos a coragem da verdade, custe o que custar. O exemplo é que forma…

Não deixemos que uma mentira passe despercebida, por falta de tempo, sem intervir. Busquemos, primeiramente, sua causa. A criança malcriada usa esse conveniente “guarda-chuva” por medo, para escapar de admoestações e tormentas inevitáveis. Nesse caso, troquemos essas lições brutalmente impostas por uma disciplina baseada na confiança e apelemos à inteligência e à boa vontade da criança. É nesse contato de coração com coração, próxima a sua mãe, que a criança aprende as regras, interioriza-as e cria o hábito de se abrir, de comunicar suas impressões e de reparar em suas falhas. Também evitemos reprimir com muita frequência… Esses constrangimentos poderiam levá-las a, habitualmente, usar dissimulações e outras formas de destrezas.

A criança também mente por orgulho, amor próprio ou vaidade. Por não querer ser tido como culpado, ela esconde suas más ações ou tenta encontrar algo de valor nelas… através de uma mentira. Uma punição corre o risco de torná-la mais empedernida ainda no seu orgulho. É melhor levá-la a voltar-se para si mesma através de perguntas calmas e direcionadas; assim, obtendo uma confissão e retificando, nela, o que é falso e exagerado. Aproveitemos essas ocasiões para fortalecer nossos filhos em uma profunda humildade, um reconhecimento simples de nossas qualidades e nossas misérias. Uma maneira excelente de desenvolver essa honestidade é o exame de consciência feito em família à noite. A lealdade dos pequenos deixa uma impressão forte nos irmãos mais velhos. Sob sua orientação e guia, os jogos também são um exercício de lealdade.

A criança também mente por egoísmo, para satisfazer a suas paixões: preguiça, inveja, vingança, roubo… A criança precisa saber que ela será severamente punida, pois a falta mais grave aqui, muito mais que a preguiça, é o ato de mentir, o ato de enganar aqueles que amamos. Esse pecado pode se transformar num estado habitual se não for seriamente coibido e ele pode encobrir outros pecados! Se a mentira for deslavada, então que seja punida firmemente, sem pensar duas vezes, e mostremos como ela nos causou dor. No caso de dúvida, confrontemos a criança com a consciência dela e com Deus, a quem não podemos enganar. Incitemos a sua coragem, a coragem de aceitar as consequências de seus atos, as eventuais punições. Para evitar que repitamos nossos truques, para obter uma verdade difícil, não hesitemos em amenizar ou até eliminar um castigo se a criança confessar sua falta imediatamente. “Uma falta reconhecida já está perdoada”, diz o provérbio. George Washington, primeiro Presidente americano, na sua infância, cortou uma cerejeira; seu pai, terrivelmente irritado, buscou o culpado do dano. Washington, com simplicidade, respondeu, “Pai, não posso mentir, fui eu quem fiz”

“A sua honestidade”, respondeu o pai profundamente tocado, “vale mais que mil cerejeiras”. Ele, então, abraçou o filho e perdoou o castigo.

As virtudes militares

A expressão é de Charles Péguy, que o mundo inteiro, por um monumental equívoco tomava por socialista, e que, para dar desmentido, morreu como herói na defesa da Pátria. Trago-a à tona da atualidade por causa do Chile, e da necessidade urgente que o mundo moderno tem desse precioso antibiótico.

Na semana passada assisti à missa celebrada pelo Cardeal D. Eugênio Salles na Igreja da Santa Cruz dos Militares, cuja irmandade festejava seu 350° aniversário. Quem fez a belíssima homília foi D. Antônio de Almeida Moraes, Arcebispo de Niterói, que, depois de uma preliminar alusão à efeméride festejada, ressaltou o papel de especial destaque representado nos evangelhos por um soldado romano. Todos conhecem a passagem (Mt. VIII,8 e Lc. VII,1) em que se aproxima de Jesus um centurião pedindo-lhe a cura de seu servo que estava paralítico, e quando Jesus promete ir, responde-lhe então o centurião:

— “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e meu servo se curará. Porque eu sou um subordinado, mas abaixo de mim tenho soldados e quando digo a um destes “—Vá”, ele vai, e quando digo a outro: “—Vem”, ele vem ; a outro: “—Faça isto”, ele faz. Ouvindo Jesus estas palavras, admirou-se e disse aos que o seguiam: — Em verdade vos digo que em todos os israelitas não encontrei quem falasse com tanta fé”.

Note-se antes de mais nada estas simples palavras: “E Jesus admirou-se”. No subseqüente elogio vê-se esta coisa que a muitos modernos parecerá assombrosa: o personagem que em todos os evangelhos recebeu o mais alto elogio de Jesus foi um militar romano, isto é, um militar da potência estrangeira imperialista que ocupava a Palestina. Além disso, cumpre ainda lembrar que a profissão de Fé do centurião se incorporará à Sagrada Liturgia, e será repetida em todas as missas do mundo até o fim dos tempos. Quem jamais terá merecido tamanha honra?

Para bem frisar o agrado com que Deus vê os soldados que encarnam na profissão a santa virtude da obediência, Dom Antônio lembrou ainda outro testemunho de um soldado romano. Estamos no momento em que culmina a obra de Jesus, mas para o mundo parece, ao contrário, consumar-se o seu fracasso:

“Era a hora sexta (12 horas) e as trevas cobriram toda a Terra até a hora nona. Escureceu-se o Sol, rasgou-se ao meio o véu do templo, e Jesus clamou: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito. E dizendo isto morreu.” (Lc. XXIII, 44).

Ora, neste instante em que talvez algum dos discípulos duvidassem da vitória de Cristo, nesse momento que convidava à descrença e à idéia de um malogro total, ergue-se a voz de um soldado romano que, glorificando a Deus, disse:

“Verdadeiramente este homem era justo. (...) Todos os seus conhecidos, e as mulheres que o haviam seguido desde a Galiléia, estavam à distância e contemplavam tudo isto.”

Imaginemos a cena: no centro da escuridão a Cruz entre as cruzes do bom e do mau ladrão; ao longe as mulheres fiéis, perto da Cruz,  Nossa Senhora, e do outro lado com os olhos volvidos ao céu o centurião da potência estrangeira é incumbido por Deus para nos representar com seu testemunho, e para os encorajar quando na vida nos parecer que o Sol escureceu, que a cortina do Templo se rasgou, e que, perdidos na escuridão, nós somos as mais desgraçadas das criaturas. Valha-nos nesta hora o santo soldado desconhecido que creu precisamente na escuridão da Fé.

É conhecida a história da conversão do santo Charles Foucauld, e sabida a influência instrumental regeneradora das virtudes militares na sua salvação e na sua santificação. É narrada por Jacques Maritain, numa de suas mais belas páginas, a conversão de Psichari, o neto de Renan, inimigo declarado do Cristianismo. Também esse transviado nas trevas do mundo, como Charles Foucauld, compreendeu, por uma fulgurante graça de Deus, que devia enquadrar-se numa casa de obediência, onde o centurião diz vai! e o soldado vai; diz vem! e o soldado vem! Com a cabeça raspada, nos serviços da cantina, no exercício da obediência, Ernest Psichari compreendeu que salvava o depósito da Fé de seu batismo.

Agora é numa revista ilustrada francesa (Paris Match, junho, 23,73) que vemos três belos moços na capa a nos sorrirem como os heróis das Cruzadas e os anjos das catedrais, e a nos dizerem para dar o sangue e a vida pela pátria”.

...Um desses moços, na entrevista dada à revista, disse que a decisão firme de escolher Saint-Cyr, e de tornar-se soldado da França, foi a desordem de 1968. Quando maior era a escuridão, quando todos sentiam desânimo, viera-lhe aquela inspiração: ele escolhia uma vida, um testemunho que enfrentasse aquela onda.

Vive-se uma vez só. Vivamos dignamente, vivamos com pureza, e assim ofereçamos todos os bens particulares, saborosos e legítimos, pelo serviço as Pátria, que é um símbolo do serviço de Deus.

Compreende-se assim o horror, o ódio que a torrente revolucionária e inimiga de Deus e do homem tem do soldado. Compreende-se o empenho com que sempre procuraram destruir e desmoralizar as virtudes militares. E também se compreende que, nesta hora de trevas em que vivemos, só se salvará a civilização, a decência e a grandeza da vida humana se se multiplicarem os moços capazes do testemunho da verdade dado pelo centurião diante da Cruz. Precisamos de moços que militem com votos monásticos ou com virtudes militares. Precisamos de opções vigorosas e verdadeiras. E é por isso que senti um calor de animação nova quando li as notícias do Chile, quando ouvi o sermão na Igreja da Santa Cruz dos Militares, e quando vi o sorriso dos moços de Saint-Cyr.

 

Revista Permanência, Novembro de 1973, N° 61.

Desobedecemos a Nosso Senhor ao chamar o sacerdote de "Padre" (Pai)?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Os protestantes, frequentemente, admoestam a nós, católicos, por desobedecer ao mandamento de Nosso Senhor ao chamar o sacerdote de “Padre” (Pai). Eles têm razão? Nós, de fato, estamos desobedecendo?

Os protestantes costumam citar as Escrituras, mas, frequentemente, retirando as palavras de seu contexto e eliminando qualquer referência a outros textos – mas são esse contexto e essas referências que iluminam o verdadeiro sentido das expressões, um sentido que já havia sido confirmado, muitos séculos antes de Lutero, pela leitura e compreensão da Igreja Católica acerca delas.

No Evangelho de São Mateus (Mt. 23:8-10), de fato, lemos que Nosso Senhor disse: “Mas vós não façais chamar rabi, porque um só é vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. A ninguém chameis pai sobre a terra, porque um só é vosso Pai, o que está nos céus. Nem façais que vos chamem mestres, porque um só é vosso Mestre, o Cristo”

Como Nosso Senhor não parece fazer nenhuma exceção, essas palavras demandariam que absolutamente ninguém poderia ser chamado de pai, professor ou mestre. Portanto, se as entendermos literalmente, seria proibido usar esses termos até para os que nos deram a vida, ou que nos ensinaram na escola… Ainda assim, Ele mesmo, na Palavra de Deus, usou esses termos para se referir a alguns homens nas Escrituras que Ele inspirou.

Ele usou o termo “pai” em referência a nossos pais biológicos quando revelou e, após, confirmou os mandamentos (Ex. 20:12, Lc 18:20). Mas também foi abundantemente usado em referência a relações que vão além da geração puramente biológica.

O profeta Eliseu usou o termo em um sentido espiritual, clamando a Elias quando este foi levado ao céu numa carruagem de fogo: “Eliseu o via e clamava: Meu pai, meu pai, carro de Israel e seu condutor” (II Reis, 2:12)

Ele é usado quando alguém se dirige a uma pessoa digna de respeito especial, como quando o homem rico clama a Abraão da sua condenação no inferno: “Gritando, disse: Pai Abraão, compadece-te de mim e manda Lázaro que molhe em água a ponta do seu dedo, para refrescar minha língua, pois sou atormentado nesta chama” (Lc. 16:24)

Ele é aplicado aos nossos anciões, mesmo quando eles nos perseguem, como Estêvão fez quando se dirigia àqueles que o condenavam: “Varões irmãos e pais, ouvi” (Atos, 7:2)

Ele é aplicado àqueles que detém o cuidado temporal sobre outros, como o patriarca José fez no Egito: “Não foi por vosso conselho que fui mandado aqui, mas por vontade de Deus, o qual me tornou como pai do faraó, senhor de toda a sua casa e príncipe em toda a terra do Egito” (Gen., 45:8)

Os Apóstolos consideravam-se pais espirituais de seus discípulos e chamavam-nos de filhos, e São Paulo se gloria dessa paternidade espiritual: “Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas admoesto-os como a meus filhos caríssimos. De fato, ainda que tenhais dez mil preceptores em Cristo, não tendes todavia muitos pais, pois fui eu que vos gerei em Jesus Cristo por meio do Evangelho” (I Coríntios, 4:14-15)

Portanto, é evidente que Nosso Senhor não nos proíbe usar o termo “pai” nesses sentidos, que a Palavra de Deus usou abundantemente na Escritura inspirada. Ele Se expressa de maneira incisiva, numa hipérbole, para condenar aqueles que buscam títulos especiais e honrarias, buscando exaltar a si mesmos como acima dos outros.

Se Maria é Imaculada, como Jesus é o seu salvador?

Cristo é o Salvador do mundo e o Salvador de todos os homens. Ainda assim, se a Igreja Católica ensina que Maria é imaculada, portanto sem mancha, como, então, Cristo pode ser o salvador de Maria?

Muitos compreendem equivocadamente a doutrina católica da Imaculada Conceição de Maria. Essa doutrina sustenta, apenas, que Maria, devido a sua eleição como Mãe de Deus por uma graça especial do Altíssimo, foi tornada livre do pecado original. Isso é uma crença antiquíssima da Igreja Romana que foi solenemente declarada artigo de fé pelo Papa Pio IX em 1854 e proclamada nos seguintes termos:

“Declaramos […] que a doutrina que sustenta que a bem-aventurada Virgem Maria, no primeiro momento de sua conceição, por uma graça e um privilégio especiais de Deus Todo-Poderoso e tendo em vista os méritos de Jesus Cristo, o Salvador da raça humana, foi mantida livre da mancha do pecado original, [a doutrina do pecado original] foi revelada por Deus”

A solução da acusação levanta, a saber, que, de acordo com a doutrina católica, Maria não precisaria de Cristo como seu Salvador está evidente nas palavras em itálico da citação acima da declaração solene de Pio IX de que Maria, de fato, foi salva por Deus. Nesse sentido específico, Maria foi salva do pecado original por Deus. Como descendente de Adão, Maria deveria ter sido manchada pelo pecado original assim como todas as outras pessoas que já viveram.

E Deus fez todas essas coisas tendo em vista os méritos de Cristo. Assim como os justos da Antiga Aliança também foram salvos retroativamente pelos méritos de Cristo, assim também Maria, de fato, foi salva por Cristo, mas, novamente, de uma maneira mais sublime do que a da nossa salvação. A salvação dela consistiu não em remover o pecado original que já estava lá, mas em prevenir toda a contaminação pelo pecado. E é por isso que Maria, acertadamente, chamou Deus de seu “Salvador” no Magnificat.

A razão pela qual ela foi salva de maneira tão especial foi que ela foi escolhida para ser a mãe de Cristo. Apesar disso, a maneira sobrenatural do nascimento de Cristo, a saber, de uma mãe virgem, não tem nada a ver com a Imaculada Conceição de Maria. Esse é outro privilégio completamente diferente de Maria.

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